Leio, nesta FOLHA, que em sessão tirada na tarde de 16/04, a Câmara Municipal de Londrina aprovou o projeto de lei 119/2022, que cria o dia municipal dos colecionadores, atiradores e caçadores em Londrina. O projeto, do que li, teria o intuito de ‘dar visibilidade aos CACs’.

Penso que colecionadores, das mais distintas naturezas, existem desde que nossa cultura se impregnou do ideário cumulativo que encima o mais que faz da valia o que se tem para explorar, desde que nosso modelo abandonou o estado de bem-estar social que poderia ter sido.

Assim é que iniciativas dessa natureza povoam o inconsciente coletivo e um povo armado (amado ou não) segue acreditado na força da arma, desconhecendo que a flor venceu o canhão.

Não é por que sou pacifista convicto que abjuro o uso da arma. Minha crença é a de que em uma sociedade plural, onde a idiotia dita regra de comportamento e empodera discursos de ódio e fake news das mais absurdas, armar o gado é colocar a arma na mão do imbecil – o que, via de regra, deságua em nítido instrumento de coação em desfavor das minorias.

Há muita pesquisa, gerando estatística, no sentido da proliferação do feminicídio que, em sua maioria, é levado à cabo pelo uso de uma arma – se de colecionador ou de atirador esportivo, pouco se me dá, naquilo que a pesquisa visa identificar o instrumento do crime e não seus eufemismos.

Assim é que a Câmara Municipal de Londrina manda uma mensagem na aprovação do PL 119/2022, que valoriza a arma, justificando o entendimento da necessidade de "dar visibilidade aos CACs".

Ano retrasado (2022), quando o alcaide enviou à Câmara Municipal um projeto de lei que criava um conselho para atender aos reclamos da comunidade LGBTQIA+, a justificativa usada por vários vereadores para rejeitar o projeto vinha arraigada em um discurso trôpego, moralista e de cunho religioso. Hoje, quando cria o destaque de um dia alusivo aos CACs, a Câmara passa mensagem de apreço à arma, pelo uso de seus colecionadores e atiradores, postos em evidência.

Há alguma coisa errada nisso. As minorias todas que compõe o coletivo LGBTQIA+, que implora visibilidade e acolhimento há décadas, não mereceu qualquer empatia da parte de nossos edis. Já os colecionadores de armas, os caçadores e atiradores (‘os alemães e seus canhões?’) são abraçados.

Não tenho nada contra quem gosta de atirar. Lembro, inclusive, que o tiro é um esporte olímpico. Tampouco me indisponho com quem colecione arma, ou goste de caçar. Mas será que essa gente precisa de um dia para ser lembrada? Será que caçadores, atiradores ou colecionadores têm mais necessidade de visibilidade e memória do que a comunidade LGBTQIA+, a quem me reporto apenas e tão somente à título de comparação com os destinos de ambos os projetos de lei?

Uma Câmara Municipal reflete os anseios da sociedade que a constituiu e, penso, que em Londrina não temos tantos colecionadores, atiradores e caçadores quanto membros da comunidade LGBTQIA+.

Nessa senda, não vejo qualquer utilidade pública em dar a uma pequena parcela de nossa comunidade (CACs) uma visibilidade que não necessita e, tampouco, nada fez para merecer.

Poderíamos ter um campeão olímpico de tiro esportivo que surgiu com a visibilidade que a Câmara logrou colar aos CACs, diriam alguns. Para esses lembro que este campeão do futuro (hipotético) pode, tanto quanto, vir da comunidade LGBTQIA+ que é muito grande e vive sobre constante opressão.

Fato é: a questão política passa pela formação de nossos representantes e, no enfrentamento da equação que se lhes legítima, agregam-se componentes de falso moralismo, por sua mais diversa natureza.

No entorno de nossas circunstâncias e vicissitudes repousa a ideia neoliberal de exploração das pessoas e da natureza pelo homem, em crescente proliferação da mais valia na mantença das necessidades e dos desejos de consumo que o capital nos vende, diariamente.

Essa contingência anima o bilionário que detém uma plataforma social e não respeita os interesses de conteúdo nacional, naquilo que (para Musk) o que importa são suas receitas, advindas da comercialização de seus ativos e não o caminho dessa estrada.

Ele, em nome da potencialização de seu lucro, ataca nossas instituições e um gado o segue.

Sem comparar o que não seria de se comparar e já que a Câmara Municipal de Londrina soube identificar uma necessidade de visibilidade aos CACs, espero que o povo de Londrina perceba que a comunidade LGBTQIA+ não foi merecedora de igual sensibilidade. Via dessa opção legislativa, por desapego empático ou falso moralismo, segue sem voz em nossa sociedade.

As eleições municipais estão batendo às nossas portas e recordar é viver.

Tristes trópicos onde as flores já não vencem o canhão.

Saudade Pai!

João dos Santos Gomes Filho, advogado