A controversa 'taxa' de fruição do imóvel
Houve um tempo em nosso país que os compromissos de compra e venda funcionavam como verdadeiros contratos cativos. Um promissário comprador tinha que estar muito desesperado para suportar o prejuízo econômico de uma rescisão. Isto porque, pela estrutura contratual estabelecida pelo promitente vendedor, ele ficava com tudo, com o imóvel devolvido e com todas as prestações que já haviam sido pagas. O promissário comprador saia do negócio sem um tostão.

Normativamente essa realidade se modificou a partir da Constituição Federal de 1988, que prometeu resguardar a dignidade da pessoa humana e construir uma sociedade livre, justa e solidária. Depois surgiram os artigos 53, da Lei 8.078/90, e o 413, do Código Civil de 2002, e ficou claro que aquela prática tão comum no mercado não mais encontrava espaço no ordenamento jurídico brasileiro.

Essa proteção legal não seria facilmente aceita por aqueles que viram seus lucros diminuídos. Como já disse o químico francês Lavoisier "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". As empresas estenderam, então, a chamada "taxa" de fruição de imóvel para abranger o período de adimplência contratual, em que há ocupação legítima do promissário comprador. Ela estabelece que, na hipótese de rescisão do contrato, será cobrada do promissário comprador a quantia de 0,5% a 1% do valor atualizado do contrato por mês, com incidência durante todo o período em que ele esteve na posse do imóvel. Em termos práticos, dependendo da situação contratual, isto significa que o promissário comprador terá que deixar tudo que pagou pela aquisição do imóvel, ficando, mais uma vez, como naquele tempo anterior, sem um tostão no bolso.

De lado o equívoco do termo "taxa", pois empresa privada alguma tem competência tributária para tanto, este encargo contratual possui várias outras incompatibilidades com o nosso sistema jurídico. Uma delas, de ordem essencial, diz respeito à sua justificação. A taxa de fruição do imóvel remuneraria o custo de oportunidade da empresa ao disponibilizar seu imóvel ao promissário comprador. O bem gera um benefício econômico, daí a compensação pela taxa. Neste sentido, também o promissário comprador deveria ser remunerado pelo custo de oportunidade do capital investido, que também gera um benefício econômico à promitente vendedora. Assim, as quantias pagas deveriam ser devolvidas não apenas com correção monetária, mas também com juros compensatórios. Não é o que acontece. Há, então, uma aplicação parcial do encargo, que protege apenas um dos contratantes.

Outra incompatibilidade está em sua convivência com a cláusula penal compensatória, já que o bis in idem não é permitido pela legislação. O mercado imobiliário frequentemente as utiliza cumulativamente, enquanto se deveria optar por uma ou outra forma de compensar o promitente vendedor.

Enfim, outros aspectos poderiam ser debatidos sobre este tema, mas o objetivo deste texto não foi esgotar o assunto e sim lançar luzes sobre as controvérsias existentes, para que a sociedade reflita a seu respeito, conscientizando-se um pouco mais sobre a realidade do mercado imobiliário.

Bruno Ponich Ruzon, advogado membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina