Chegar em casa após aquele longo dia de trabalho, tomar um banho e deitar no sofá para descansar pode parecer um ato simples, mas para grande parte das mulheres esse cenário está longe da realidade. Seja como uma segunda jornada ou como uma ocupação profissional, o trabalho doméstico segue exercido majoritariamente por elas, assim como ainda é desvalorizado e mal remunerado.

Rafael Durlo, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), explica que o trabalho doméstico é associado às mulheres por conta de fatores históricos e de formação e dinâmica social, já que o ingresso da mulher no mercado de trabalho se deu muito depois dos homens.

De acordo com dados de 2022 da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), das 5,8 milhões de pessoas ocupadas com trabalho doméstico, 91,4% são mulheres.

O economista reforça que, desde 2013, houve uma queda “insignificante” na porcentagem de mulheres ocupando esse tipo de função. Por outro lado, houve um aumento do número de trabalhadoras domésticas na informalidade.

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“Em termos de tendência, houve essa redução dos trabalhadores com carteira assinada e ampliação dos trabalhadores sem carteira assinada, na informalidade. Agora, em termos de ocupação, em números absolutos, está basicamente a mesma coisa de 2013 a 2022”, explica.

Em relação ao aumento da informalidade, Durlo destaca que a carteira assinada traz direitos aos trabalhadores domésticos, como férias remuneradas, 13º salário, seguro desemprego e hora extra, entre outros. “O que a gente observa é que tem essa queda no número de pessoas com [registro na] carteira de trabalho. Tem mais pessoas que trabalham em condições mais precárias do que antes”, afirma, complementando que esse cenário também reflete no aumento de pessoas trabalhando como diaristas em vez de mensalistas.

O número de pessoas trabalhando como mensalistas ainda é superior ao de diaristas. No entanto, de 2013 a 2022, houve uma queda 6,1% no número de mensalistas, enquanto que o de diaristas saltou de 37,5% para 43,6%.

“O trabalho doméstico, assim como qualquer outro, exige tempo, dedicação e esforço, mas não é reconhecido ou é reconhecido como uma categoria de trabalho inferior, tanto é que demorou muito mais tempo para ter os direitos assistidos pela CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas] do que qualquer outra categoria”, detalha.

O economista do Dieese também aponta que essa parte da população que trabalha com serviços domésticos tem “cara e cor”. De acordo com os dados, mais de dois terços (67,3%) dos trabalhadores domésticos são mulheres negras. Segundo ele, esse fator está relacionado ao ingresso tardio da mulher no mercado de trabalho, assim como ao contexto da escravidão, já que eram as mulheres negras que cuidavam das casas dos “patrões”.

SEGUNDA JORNADA

A desembargadora Neide Alves dos Santos, do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) do Paraná, explica que o mercado de trabalho foi estruturado e se estabeleceu sob uma divisão sexual e hierárquica. Enquanto o homem era designado ao trabalho produtivo e, por consequência, mais valorizado, a mulher ficava responsável pelos afazeres domésticos.

Apesar de algumas conquistas ao longo das décadas, a problemática perdura, segundo ela, por conta do machismo e do patriarcado que ainda permeiam a sociedade brasileira.

Segundo ela, o trabalho doméstico é remunerado para mulheres que exercem a profissão de diarista, por exemplo, ainda que não seja um trabalho muito valorizado.

E sem remuneração, o pior cenário é o de mulheres que trabalham na própria casa, desempenhando atividades que, embora possam ser desenvolvidas por qualquer pessoa, são na grande maioria das vezes atribuídas a elas.

Apesar de já existirem normas legais para garantir a seguridade das pessoas incumbidas dos cuidados com o lar, como o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o problema é a necessidade de recolhimento da contribuição mensal de um trabalho que não traz remuneração.

E para além do cuidado com o próprio lar, muitas mulheres também exercem um trabalho fora de casa. "Isso acarreta uma sobrecarga à mulher, a qual, via de regra, não se verifica em relação ao homem", pontua.

DIFICULDADE EM DIZER 'NÃO'

A professora Katy Maia, do Departamento de Economia da UEL (Universidade Estadual de Londrina), explica que o trabalho de cuidado está presente no cotidiano de todas as famílias, seja relacionado às pessoas, como bebês e idosos, ou com a casa, envolvendo os afazeres domésticos. Ela aponta que, historicamente, a função de cuidado é designada às mulheres, até mesmo para aquelas que buscavam uma formação.

Há algumas décadas era normal que as mulheres fossem professoras e enfermeiras, profissões que têm o caráter de cuidado, enquanto os homens eram designados para profissões mais intelectuais. “A mulher tem que sair para trabalhar, mas tem que cuidar das crianças, tem que cuidar do marido, da casa”, explica.

Maia explica que a sociedade patriarcal faz com que as mulheres “se sintam mal” por não assumir a responsabilidade com o cuidado, já que a “função” do homem é trazer o sustento para dentro de casa. “Hoje em dia existem muitas famílias em que a mulher traz a maior parte da renda”, afirma.

Por isso, destaca a professora, políticas afirmativas que vão desde a criação de creches e asilos até programas de geração de trabalho e renda podem auxiliar. Outra luta fundamental, acrescenta, é pela equidade no tempo de licença após o nascimento do filho, já que é uma forma de fazer com que os pais possam compartilhar os cuidados de forma igualitária.

'POR QUE SÓ A MULHER TEM QUE LIMPAR?'

Jeisiane Camargo, 31, trabalha como promotora de vendas das 9h às 18h. Ao chegar em casa, começa uma nova jornada de trabalho, já que precisa desempenhar tarefas como lavar a louça e a roupa e limpar a casa. "O tempo é curto até o horário de dormir, então tem que fazer um pouquinho por dia para não sobrecarregar", afirma.

Segundo ela, o serviço doméstico é muito cansativo, ainda mais para quem trabalha fora o dia todo. "[Desde nova] a mulher é ensinada que, por ser mulher, tem que fazer [o serviço doméstico]", opina, acrescentando que esse é um pensamento machista e ultrapassado. "Se todo mundo suja, por que só a mulher tem que limpar?", questiona.

Para ela, os homens precisam aprender desde cedo que também têm responsabilidades em relação ao cuidado com a casa.

A confeiteira Joelma Santos de Assis, 50, lida com diversas funções dentro de casa, já que precisa produzir as encomendas de bolos e doces, assim como cuidar da filha de 5 anos, Laura Camily de Assis, e ainda dar conta do serviço doméstico. "Não posso trabalhar fora porque não tenho com quem deixá-la", relata.

Como o marido trabalha fora, ela faz todo o serviço doméstico sozinha. "Eu tenho que me virar. Ele [marido] chega e eu ainda estou trabalhando, é jantar, é por uma roupa na máquina, é estender", conta, complementando que trabalha muito mais do que oito horas por dia. "É complicado, mas a gente tem que viver assim, não tem outra forma", explica. Sobre o marido, ela conta que ele auxilia apenas aos finais de semana. Apesar da sobrecarga de trabalho, Assis afirma que pretende ensinar a filha a fazer as tarefas domésticas.