Se, de fato, é pela poesia, pelo romance e pelo amor que vale a pena viver, o acesso à literatura e cultura nas escolas do Paraná pode estar vivendo uma ameaça diante da retirada de um livro nacional das salas de aula. Retratando o racismo estrutural que impregna a sociedade brasileira, "O Avesso da Pele", do escritor Jeferson Tenório, está, de acordo com especialistas, sendo censurado no Paraná.

Diretor de Educação da Seed-PR (Secretaria do Estado da Educação do Paraná), Anderfábio Oliveira dos Santos afirmou que todos os livros que chegam às escolas públicas passam pelo crivo de especialistas na área por meio do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Entretanto, por conta da reclamação de pais e de outros entes da sociedade, a Seed decidiu, como medida cautelar, fazer uma análise mais apurada do conteúdo da obra.

“A nossa preocupação não é com o teor total da obra, que traz até questões relacionadas ao racismo estrutural e isso é muito pertinente, mas com alguns trechos do livro que trazem uma abordagem, uma linguagem sexual explícita”, aponta, ressaltando que o que será analisado é se o livro corresponde à faixa etária indicada, que é a dos estudantes do ensino médio.

Questionado sobre a necessidade de retirar todos os livros das escolas para que a análise pudesse ser feita, Santos afirma que a decisão teve como base a cobrança dos pais. “A gente achou melhor, a fim de compreender a qual faixa etária, de fato, o livro seria adequado, recolher o livro para uma posterior análise para a gente ter uma segurança para o nosso estudante”, explica.

Santos detalha que a análise da obra será feita por técnicos e pelo corpo jurídico da pasta, assim como por órgãos ligados à criança e ao adolescente, como o Cedca (Conselho Estadual da Criança e do Adolescente).

Sobre os prazos, o diretor pontua que a retirada dos livros das escolas estava prevista para terminar nesta sexta-feira (8) e que a análise deve ocorrer ainda durante as próximas semanas. Caso a avaliação indique que a obra não é adequada para essa faixa etária, os livros, possivelmente, ficarão nos Núcleos Regionais de Educação.

O diretor da Seed-PR foi enfático ao dizer que a decisão não se trata de censura. “O nosso olhar é com relação à faixa etária do livro, é só com relação a isso”, aponta, comparando o livro aos filmes, que também trazem o aviso de restrição de idade.

FALTA DE AUTONOMIA

Para Margleyse Santos, secretária educacional do APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), a retirada dos livros por parte da Seed-PR se assemelha à postura da ditadura militar e a Inquisição, quando os livros eram queimados. “É muito ruim [como] a questão foi tratada pela secretaria”, opina, complementando que foi a própria pasta que autorizou a vinda dos livros para as escolas e, agora, ordenou a retirada.

"A retirada dos exemplares de 'O Avesso da Pele' das salas de aula é mais um afronta da pasta contra os professores, como a imposição do trabalho pedagógico e a falta de autonomia por parte do docente. “[A situação] já vem vindo de uma forma sem que o professor possa ter um posicionamento”, reforça.

Os governos do Mato Grosso do Sul e de Goiás também determinaram o recolhimento do livro. Em Maringá (Noroeste), está programado para este sábado (9) um ato contra a censura de “O avesso da pele”, às 9h, em frente à Biblioteca Centro, na avenida Horácio Raccanello Filho, 6.090.

CENSURA

Professor do Departamento de Letras da UEL (Universidade Estadual de Londrina, Frederico Garcia Fernandes também afirma que entende o recolhimento do livro das escolas públicas como um ato de censura. Segundo ele, utilizar o argumento de que o livro traz cenas de sexo desconsidera a denúncia que o romance traz sobre o racismo estrutural presente na sociedade brasileira.

Ele reforça que o livro tem um papel fundamental na denúncia sobre o problema, que muitas vezes é invisibilizado na sociedade. “Quando ele [livro] é retirado da sala com [a justificativa de conter] cenas que descrevem uma abordagem sexual, [isso] é algo mínimo em relação ao impacto que ele causa na denúncia social no país”, explica, complementando que vê a justificativa como um "álibi" e não como um argumento, já que é o Estado é “cego perante à sexualização de adolescentes e jovens na televisão e na internet".

Até chegar às escolas públicas, os livros passam pelo crivo de especialistas, por meio do PNLD, que discutem o estilo e trechos que poderiam incentivar comportamentos indesejados. “A obra é analisada. Quando chega para a escola, já chega com este crivo”, aponta, citando que a retirada dos livros por parte da Seed "afronta a decisão de especialistas que se debruçaram sobre o romance, negando o direito dos estudantes de terem acesso a esse conteúdo". “Isso, ao meu ver, é uma barbaridade. Isso, ao meu ver, é o grande crime”, afirma.

A professora de literatura e redação do ensino médio Viviane Alexandrino destaca que o livro escancara a violência policial e o racismo no Rio Grande do Sul e que traz cenas explícitas de sexo, mas que não são proeminentes na narrativa, mas ajudam a construir o enredo do que está sendo contado.

Enxergando a arte como algo que deve provocar, a professora diz que entende a decisão da Seed-PR como uma medida para acalmar os ânimos de pais. Entretanto, a retirada pode trazer prejuízo aos alunos, já que a obra pode ser cobrada em vestibulares.

Em julho do ano passado, Alexandrino mediou um debate com Jeferson Tenório no Sesc Cadeião. O escritor falou sobre a vivência que o motivou a ficcionalizar o racismo sofrido. Segundo a professora, há muita desinformação sobre a obra pela parte de muita gente que não leu o livro. “A rede social potencializa esse problema da desinformação. As pessoas começam a ler os comentários de redes sociais e vão passando para frente e, quando veem, criou-se um ódio ao livro sem nem saber o conteúdo dele”, alerta.