Em julho de 2023, uma série de explosões ocorrida em um silo de armazenagem de grãos da cooperativa C. Vale, em Palotina (Oeste), matou dez trabalhadores e feriu outros dez. Há pouco mais de um mês, o relatório do Ministério do Trabalho e Emprego apontou que as explosões foram decorrentes de falha na gestão de segurança da empresa. Casos como este engordam os dados estatísticos dos acidentes de trabalho que, no Brasil, somaram 612,9 mil ocorrências em 2022, sendo 2,5 mil delas com óbitos. É como se a cada dia quase sete pessoas morressem em consequência de acidentes laborais. Em números absolutos, o país ocupa o terceiro lugar no ranking mundial em mortes dessa natureza, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

Na classificação nacional na qual nenhum estado almeja ou se orgulharia de figurar nas primeiras posições, o Paraná aparece em quinto lugar em notificações de acidentes de trabalho. Foram 44.786 em 2022, com 232 mortes decorrentes no período. Naquele ano, a média no Estado foi de 122 acidentes de trabalho por dia. Os dados são do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e do Catweb (Cadastro de Acidentes) e foram reunidos pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho - SmartLab.

Navegar pela plataforma virtual é se deparar com uma realidade empresarial que a despeito de qualquer avanço em lucro e em produtividade ainda expõe os trabalhadores a inúmeros riscos. Riscos estes que poderiam ser prevenidos. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que 96% dos acidentes de trabalho poderiam ser evitados, muitas vezes com práticas simples, como o uso adequado de equipamentos de proteção individual que, por determinação em lei, devem ser fornecidos pelos empregadores, ou com a criação de programas de prevenção pelas organizações.

Embora os dados reunidos pela SmartLab apontem redução no número de acidentes de trabalho nos últimos dez anos, o MPT (Ministério Público do Trabalho) frisa que os números não refletem a realidade. Segundo dados oficiais, em um comparativo entre 2012 e 2022, o Paraná baixou de 50.009 ocorrências em 2012 para 44.786 em 2022, um recuo de 10,44%. No entanto, Ana Lucia Barranco, coordenadora regional da Codemat (Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora), do MPT-PR, lembrou que o índice de subnotificação é alto. Estima-se que apenas em 2022, 6,5 mil casos de acidentes de trabalho não tenham sido notificados. Segundo a plataforma virtual, o índice de subnotificações no Paraná, naquele ano, foi de 14,5%.

Barranco ressaltou ainda o aumento da informalidade, da “pejotização” e outras situações que fazem com que muitas ocorrências não ingressem nas estatísticas. “É uma falsa impressão de que diminuiu. Os dados (oficiais) são só dos trabalhadores celetistas. Não entram os funcionários públicos, por exemplo, e a gente observou uma informalidade muito grande. Tem os autônomos, os MEIs (microempreendedores individuais), a pejotização. Depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) liberou a terceirização, o número de empregos registrados em carteira diminuiu proporcionalmente.”

A precariedade das condições de trabalho por conta de práticas “equivocadas de flexibilização do direito do trabalho, a exemplo da terceirização indiscriminada”, lembrou a coordenadora, estão entre as causas da inadequação do meio ambiente de trabalho e do alto índice de acidentes. Mas o MPT também cita como fatores que elevam os riscos de acidentes a falta de investimentos na prevenção por parte das empresas, inclusive a falta de treinamento e capacitação dos empregados, a cultura de não priorização da prevenção de acidentes laborais, a ineficiência dos poderes públicos quanto ao estabelecimento de políticas preventivas e de fiscalização dos ambientes de trabalho e maquinários inadequados em razão da inobservância das normas de segurança e orientações expressas em lei por parte de muitos fabricantes.

Engenheiro de Segurança do Trabalho do Sesi Paraná, Mariano Alberichi destacou dois aspectos primordiais que favorecem a ocorrência dos acidentes de trabalho: as condições inadequadas do ambiente laboral, que o deixam inseguro e insalubre, e a falta da cultura da saúde e da segurança no trabalho. “A empresa não implementar a gestão de saúde e segurança afeta o desenvolvimento das atividades laborais”, afirmou o engenheiro. “Se eu não tenho uma cultura de segurança implementada, fica muito mais difícil para a empresa e para o trabalhador seguir essas orientações. A cultura de segurança é primordial.”

Tornar a empresa um ambiente seguro, afirmou Alberichi, demanda esforço constante e conjunto de toda a empresa. De nada adiantam os investimentos em equipamentos, campanhas de conscientização e treinamentos se não houver a contrapartida do trabalhador, que deve colocar em prática as regras de segurança.

E ao contrário do que muitos pensam, oferecer EPIs (equipamentos de proteção individual) aos trabalhadores e orientá-los sobre a importância do uso correto desses equipamentos é a última etapa de um conjunto de ações que integram o processo de gerenciamento de riscos. “O EPI seria a última fase do processo da hierarquia do controle de riscos. Antes, ao identificar um risco, a empresa deve trabalhar com o intuito de tentar eliminá-lo do ambiente de trabalho”, disse o engenheiro.

Independentemente do tamanho da empresa e do número de funcionários, as normas de segurança devem ser respeitadas. Mas além da resistência por parte das empresas em fazer um investimento mais robusto em segurança e dos trabalhadores, que em muitas ocasiões são negligentes no cumprimento das regras de segurança, Alberichi ressaltou que mudanças recentes na legislação acabaram com algumas obrigatoriedades para empresas de pequeno porte e há ainda as falhas na fiscalização. “A gente percebe que a Secretaria Regional do Trabalho desenvolve trabalhos bem específicos, a gente sabe que os auditores fiscais do trabalho têm papeis importantíssimos e contribuem fortemente para a mudança de gestão e de cultura, mas o número de auditores no Paraná é muito pequeno para o número de empresas. A fiscalização é insuficiente no Estado e acaba atuando quando tem uma ocorrência muito grave, por denúncia ou um assunto muito específico, como a NR-12 (Norma Regulamentadora), que está sendo tratada fortemente nas indústrias.”

Acidentes de trabalho pesam sobre sistema previdenciário

Para o sistema previdenciário, os acidentes de trabalho têm um peso muito grande. No Brasil, foram concedidos, em 2022, 148,8 mil benefícios previdenciários acidentários. No Paraná, foram 9.042 benefícios, colocando o Estado em sexto lugar no ranking nacional. A concessão de aposentadorias por invalidez, no mesmo período, somou 6,5 mil no país e 464 no Estado, o quarto colocado entre as 27 unidades da federação.

Em despesas previdenciárias, a concessão de auxílios-doença por acidentes de trabalho totalizou R$ 107,6 milhões apenas no Paraná, em 2021. No mesmo ano, os gastos da Previdência com as aposentadorias por invalidez somaram R$ 366,1 milhões no Estado e as pensões por morte custaram R$ 192,8 milhões aos cofres públicos.

Os números referentes aos afastamentos também dão uma ideia do quanto os acidentes de trabalho afetam a produtividade do país. No Brasil, em 2022, 13,3 milhões de dias foram perdidos por auxílio-doença decorrente de acidentes de trabalho e, no Paraná, em igual período, foram 1,1 milhão de dias perdidos. Quando se avalia as aposentadorias por invalidez por acidentes laborais, a perda no Estado foi de 591,5 mil dias de trabalho.

No Paraná, Curitiba lidera as notificações, com 20,8% das ocorrências registradas em 2022. Na sequência, vêm Cascavel (6,44%), Londrina (5,65%), São José dos Pinhais (4,38%) e Maringá (4,19%). Em Londrina, os registros de acidentes de trabalho em 2022 somaram 2.532, com quatro mortes.

Dentre os setores econômicos com mais notificações, o atendimento hospitalar aparece em primeiro lugar, possivelmente como um reflexo da Covid-19, já que os dados correspondem ao ano de 2022, quando a pandemia ainda estava em curso. Foram 3,1 mil ocorrências registradas em ambiente hospitalar, o que corresponde a 8,13% do total no período. Logo abaixo estão o abate de suínos, aves e outros pequenos animais, com 7,78%, seguido de hipermercados e supermercados, que concentram 4,62% das ocorrências. As fraturas são as lesões mais frequentes, somando 7,4 mil em 2022, ou 19,3% do total das notificações.(S.S.)

Abril Verde 2024 reforça que adoecimento é acidente de trabalho

O mês de abril coloca a saúde do trabalhador em evidência. É neste mês que se comemora o Dia Mundial da Saúde (7) e o Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho (28), instituído em memória aos 78 trabalhadores mortos na explosão de uma mina nos Estados Unidos, em 1969. No país norte-americano, o dia 28 também foi escolhido para a celebração do Dia Nacional em Memória às Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho.

No Brasil, a junção, em um único mês, de duas datas relevantes para a saúde resultou no movimento Abril Verde, iniciativa cujo objetivo é conscientizar a população sobre a importância da saúde e segurança no trabalho e que em 2024 completa dez anos. Com o tema “Adoecimento também é acidente do trabalho – Conhecer para prevenir”, neste ano a campanha pretende promover a conscientização de que o trabalho sem proteção da saúde e da segurança pode causar adoecimento dos trabalhadores.

Em 2023, o Ministério da Saúde atualizou a lista das doenças relacionadas ao trabalho, com o acréscimo de 165 novas patologias, entre elas, a síndrome do esgotamento profissional, também conhecida como burnout, os transtornos de ansiedade e depressão, alguns tipos de cânceres e a Covid-19. Com a atualização, o rol agora soma 347 doenças ligadas à atividade laboral.

Estima-se que entre 2007 e 2022, o SUS atendeu quase três milhões de casos de doenças relacionadas ao trabalho. Assim como os acidentes de trabalho, as doenças relacionadas às atividades laborais também devem ser notificadas por meio da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) e do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). Estes dois instrumentos de registro são importantes para que o poder público possa estruturar medidas de assistência e vigilância.

Entre as causas mais comuns de adoecimento relacionado ao trabalho, o MPT (Ministério Público do Trabalho) listou os movimentos intensos e repetitivos, mobiliário e ferramentas de trabalho inadequados, exposições a agentes químicos, biológicos, ao sol e a ruídos elevados, jornadas exaustivas que podem levar ao burnout e sofrimento psíquico decorrente de assédio moral e/ou sexual.

Notificar essas doenças garante direitos para as pessoas afetadas, como benefícios previdenciários e estabilidade de 12 meses no emprego, destacou Ana Lucia Barranco, coordenadora da Codemat (Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora), do MPT no Paraná.(S.S.)

Empresas podem economizar mais de R$ 200 mil com gestão do índice de acidentes de trabalho

Gestores podem otimizar a folha de pagamentos e garantir a saúde financeira da empresa por meio da administração efetiva do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Trata-se de um índice, que varia de 0,5 a 2, que influencia a alíquota do Risco Ambiental do Trabalho (RAT) de 1%, 2% ou 3%, dependendo da atividade econômica da empresa.

Uma organização com 300 empregados que recebem até R$ 3 mil pode ter economia de mais de R$ 200 mil, apontam especialistas. Quando o funcionário se acidenta ou sofre com alguma doença causada pelo trabalho e é afastado de suas atividades por período superior a 15 dias, o INSS pode conceder o benefício acidentário, o que pode elevar o índice do FAP e, consequentemente, afetar a contribuição previdenciária a ser paga.

O FAP tem como objetivo premiar as empresas que priorizam a segurança e saúde dos colaboradores, tendo em vista que seu índice é multiplicado pela alíquota do RAT, ou seja, quanto menos acidentes ocorrem na organização, menor será o fator e o pagamento de impostos. Para o especialista em direito previdenciário, Thiago Napoli, sócio no Balera, Berbel & Mitne Advogados, o empresário precisa estar atento.

“Uma gestão proativa do FAP não só estimula uma cultura preventiva em saúde e segurança do trabalho, mas também possibilita significativas economias nos custos relacionados ao RAT. Aqui, enfatizamos um aspecto crucial muitas vezes subestimado: a importância de questionar administrativamente a concessão de benefícios acidentários caracterizados indevidamente pelo INSS”.

Há casos em que os acidentes são atribuídos de forma incorreta aos funcionários. Isso influencia na pontuação do FAP e gera aumento de alíquotas. Para não pesar no bolso indevidamente, o advogado ressalta que é necessário recorrer à contestação administrativa, além de implementar práticas de prevenção e segurança.

Para ilustrar o impacto financeiro da gestão do FAP na folha de pagamentos, o advogado sugere uma simulação. Em uma empresa com 300 empregados, na qual o salário médio por empregado é R$ 3.000,00 e a alíquota do RAT é de 3%, o valor total economizado pode ser de R$ 226.800,00 anualmente na folha de pagamentos.

“A gestão eficiente do FAP resulta em uma redução pela metade da alíquota efetiva do RAT, de 3% para 1,5%, pode proporcionar uma economia anual significativa de R$ 226.800,00 na folha de pagamentos. Tais recursos podem ser reinvestidos em outras áreas vitais para o negócio, enfatizando a importância de uma gestão atenta e estratégica do FAP”, conclui Napoli.(Reportagem Local)