O teatro sempre celebrou os sentimentos mais profundos que rabiscam a existência humana. Sobre o palco, a arte se impõe nos fachos das luzes, no movimento calculado dos corpos, na urgência das palavras. É a vida inventada que move e paralisa os olhares, até que aquela representação perca o sentido e abrace o fim, com respostas desconcertantes misturadas com novas perguntas.

Na vida real, o teatro é protagonista de uma história que a cidade ainda não conseguiu aplaudir. Há um novo burburinho na trama inacabada do Teatro Municipal de Londrina, um sonho de décadas, que 16 anos atrás flertou com a realidade a partir dos traços vencedores elaborados pelo escritório do arquiteto paulistano Thiago Nieves.

Um projeto que gerou as formas empolgantes de uma maquete e o esqueleto constrangedor de concreto que a cidade deplora desde 2014.

A história da ruína precoce que afronta a paisagem do Marco Zero pode viver novo capítulo agora, no segundo semestre, com uma articulação que envolve sociedade civil e a prefeitura para bancar uma nova tentativa de retomada, um projeto capaz de tornar o Municipal uma construção mais moderna, barata e viável.

Sobre estes 16 anos de expectativa, a Folha conversou à distância com Nieves, arquiteto formado pela Universidade Mackenzie em 2002 e hoje um estudioso do BIM (Building Information Modeling), processo tecnológico que usa representações digitais para desenvolver uma construção. Ele é o atual sócio e gerente de projetos da JT Arquitetura, sediada em São Paulo. Confira abaixo os principais trechos.

Thiago Nieves, arquiteto responsável pelo projeto do Teatro Municipal de Londrina
Thiago Nieves, arquiteto responsável pelo projeto do Teatro Municipal de Londrina | Foto: Divulgação

A obra inacabada do Teatro Municipal provoca qual sentimento no senhor?

São 16 anos desde que eu fiz o desenho e acho que não tinha me dado conta que era assim tanto tempo. A gente fica aqui com um sentimento de frustração. Ainda mais porque quando venci o concurso tinha aquele furor da juventude, de achar que ia mudar o mundo, o que no fim é sempre uma ilusão. Na verdade, na maturidade a gente descobre que algumas coisas a gente pode mudar aos pouquinhos. Já outras coisas não mudamos, como os problemas na esfera pública, a burocracia. Fica uma insatisfação de ver um projeto tão bonito e importante se transformar num “esqueletão”.

Chegou a imaginar que algo deste tipo poderia acontecer?

Sim, eu e a equipe do escritório imaginamos que poderia acontecer algum contratempo na execução da obra, dada a reputação de projetos destinados à execução pelo poder público. É um campo muito ingrato de atuação, nos quais os cenários mudam conforme as diretrizes políticas. Em 2014, nosso escritório enfrentou uma situação semelhante com um projeto para o governo do estado de São Paulo. Não é incomum outros colegas enfrentarem o mesmo problema, vencer um concurso e não ver a obra executada. Neste caso, resta apenas uma história bonita para contar.

Quais são suas lembranças sobre o período de elaboração do desenho?

Eu já atuava profissionalmente, de forma independente. Tinha um escritório de arquitetura que desenvolvia projetos para a iniciativa privada. Prédios residenciais e edifícios comerciais. Lutava para me firmar na carreira, para que meu escritório fosse reconhecido. À época, o grupo de arquitetos com quem eu convivia tinha o hábito de participar de concursos, que é uma forma justa de contratação para projetos significativos e uma oportunidade para que o mercado conheça seu talento, sua competência. Eu me lembro que antes do concurso em Londrina, participei de outro, também de um teatro municipal, em Natal, que aliás também foi engavetado e jamais foi executado.

Um projeto desta dimensão depende mais de inspiração ou de transpiração?

O processo criativo da arquitetura é, na verdade, mais transpiração que inspiração. A maior motivação para um projeto é atender uma necessidade, um desejo, da melhor forma possível, através de um discurso – social, filosófico, econômico, enfim, os valores que queremos transmitir. O resultado do concurso – um dos mais concorridos já realizados no Brasil - só veio com muito esforço, foi um trabalho árduo até chegar naquela solução. Seis meses de dedicação. E depois mais árduo ainda transformar o anteprojeto que concorreu no concurso para o projeto executivo, aquele que vai para a obra.

Como foi triunfar em 2007?

Lembro exatamente o momento no qual fiquei sabendo que havia vencido o concurso. Foi de um modo muito curioso. Era um fim de tarde, estava no escritório onde trabalhava em São Paulo. Aí toca o telefone fixo e o interlocutor, que eu não lembro mais o nome, foi extremamente direto, dizendo ser de Londrina e solicitando os projetos do teatro para a confecção de uma maquete. Tentei responder os questionamentos dele e comecei a entender que o nosso projeto havia sido o escolhido. Finalizada a ligação, fiquei um minuto em silêncio, introjetando a novidade. No andar que eu estava, havia outros escritórios de arquitetura que também participaram do concurso. E depois daquele minuto de assimilação, saí correndo pelo corredor, aos gritos: “Ganhamos! Ganhamos!”. Logo alguns colegas vieram me abraçar, vibramos juntos e depois saímos para celebrar. Foi realmente um momento muito especial, marcante, importante na minha trajetória profissional. O reconhecimento público faz todo o esforço valer muito a pena, abre portas para novos trabalhos de sucesso, amplia os horizontes e foi isso que aconteceu.

E esta possibilidade de readequar o projeto e dar mais um passo para a continuidade da obra? O que lhe parece?

Recebi a notícia de forma muito positiva. Justamente porque isso demonstra que ainda persiste uma luta contra o abandono da obra, que o desejo de ver um velho sonho da cidade ainda está vivo. É uma luz no fim do túnel.

Seria um trabalho muito demorado?

O tempo de readequação da obra depende de vários fatores, não há como prever com as informações de que eu disponho hoje. Depende, principalmente, do quanto defasado o projeto está em relação às normas técnicas vigentes. Quais tecnologias poderíamos substituir? Só para mencionar um exemplo: as soluções mais leves e com custo mais baixo de fachada são possibilidades, enquanto outras soluções não farão mais sentido numa estrutura já construída. Caso a obra fosse feita do zero, poderíamos economizar no custo das fundações, mas isso já não é mais possível. Mas uma revisão completa nas especificações dos materiais e das soluções construtivas podem sim resultar em custos mais baixos do que o projeto original.

Está otimista?

Tenho muita esperança de ver o teatro concluído. Seria muito ruim ver não só meu esforço se tornar em vão, como também de toda uma cidade que espera por tanto tempo por esta obra, muito mais que estes 16 anos.