Número de licenças para acesso a armas no País dispara
PUBLICAÇÃO
domingo, 27 de agosto de 2017
Celso Felizardo<br>Reportagem Local
O número de licenças concedidas pelo Exército para pessoas físicas terem acesso a armas de fogo disparou no País desde o ano passado. Entre 2005 e 2015, em média 7.000 permissões eram aprovadas por ano. Em 2016, 20.575 pessoas conseguiram o CR (Certificado de Registro) emitido pelo Exército, um aumento de 185% em comparação a 2015, quando 7.215 registros foram liberados. E os números continuarão altos este ano. No primeiro semestre, quase 14 mil licenças já foram expedidas.
De acordo com o Exército, cerca de 90% das licenças são concedidas aos CACs, sigla que engloba caçadores, atiradores e colecionadores registrados. No geral, a permissão destinada a atiradores profissionais de competição tem sido usada como alternativa ao registro de porte ou posse de arma, de competência da PF (Polícia Federal). Para os defensores das armas, a alta procura pela licença para atiradores é reflexo das políticas públicas que restringem o acesso, principalmente o Estatuto do Desarmamento, de 2004. Já especialistas em segurança temem que as licenças possam afrouxar as leis e colaborar para o aumento da violência.
O produtor musical londrinense Marcos Rogério Garcia, 39, é atirador há 18 anos. Pegou gosto pelas armas com o pai, José Leonildo Garcia - o Predileto da dupla "Preferido e Predileto" - que foi campeão paranaense de tiro de precisão em 1989. Quando completou 21 anos, obteve o CR junto ao Exército. Atualmente, a idade mínima é de 25 anos. "Em 2004 fui campeão paranaense de tiro na modalidade silhuetas metálica com revólver. Depois, entre 2007 e 2012, fui campeão paranaense seis vezes consecutivas com pistola", orgulha-se. Depois de uma pausa, ele retornou este ano às competições. "É um esporte muito discriminado aqui no Brasil. Não há apoio", ressente-se.
O atirador conta que a maioria das pessoas que procuram o CR ou quer praticar o esporte ou procura se defender. "Infelizmente, o Estado não tem como ser onipresente, então muitas pessoas buscam a licença do Exército para se armar", admite. No entanto, ele explica que o caminho para quem busca uma arma para se defender é outro. "Não é da competência do Exército conceder licenças de armas para defender a casa, por exemplo, mas sim da Polícia Federal. São finalidades diferentes. Eu não tenho porte, sou esportista", diferencia.
Garcia teme que o mau uso feito por alguns possa trazer consequências para todos. "O que acontece é que alguns querem colocar a 'arma na cinta' e sair por aí. O que as autoridades precisam é diferenciar o joio do trigo e punir quem está fazendo coisa errada. Meu medo é que no Brasil todos pagam pelo erro de um. Nos EUA, eles não tomam a arma do país inteiro por causa de um maluco que transgride as leis", compara. Para o atirador, existe um tabu em torno das armas que precisa ser quebrado. "No Brasil, arma é vista como coisa de bandido, mas não é bem assim. O bandido não tem nome (certidão negativa criminal) para comprar uma arma legal. Aí ele adquire ilegalmente e quem paga o preço é o cidadão de bem", argumenta.
José Flávio Pilastre é soldado da Polícia Militar em Londrina e despachante de armas. Ele alerta os clientes que conseguem o CR sobre a real finalidade da licença. "Os empregos de armas em competição e tático são completamente diferentes. Uma pessoa tem que ser muito bem treinada para reagir a um assalto, por exemplo. Quem porta uma arma deve ter muito cuidado para não imaginar que é um super-herói, porque sem preparo, ela vira um alvo fácil para o criminoso", adverte. Pilastre defende um acesso maior a armas para a população, desde que haja treinamento e controle eficientes.
O policial, que está cadastrado como instrutor na Confederação de Tiro e Caça do Brasil, está empenhado em montar uma associação sem fins lucrativos para a instrução de tiro em Londrina, com o foco exclusivo na formação de atletas. Segundo Pilastre, a pessoa que deseja obter o CR para a prática tiro esportivo deve procurar obter o máximo possível de informações. "A recomendação é procurar um despachante e pedir que ele especifique as taxas e o quanto ele está cobrando pelo serviço. Os preços podem variar bastante", aconselha. Segundo ele, esse conselho vale também para os clubes de tiro.
Permissão de porte é alvo de polêmica
Para obter a certificação de CAC, válida por três anos, o interessado deve apresentar identificação pessoal, comprovante de residência e atestar idoneidade com certidões negativas emitidas pela Justiça nas esferas federal e estadual, Justiça Militar e Justiça Eleitoral, além de declaração de que não responde a inquérito policial ou a processo criminal. Precisa também apresentar atestado psicológico, comprovante de aptidão técnica e vinculação a um clube de tiro.
O Exército argumenta que, para coibir o uso indevido da certificação do CAC, exige declarações de ranking, de habitualidade e da entidade de tiro onde as armas pleiteadas podem ser empregadas. Sem pontuação em ranking, a pessoa perde o registro. O licenciado deve registrar no Exército cada uma das armas que possui. Os atiradores de nível 3, o mais avançado, podem ter até 16 armas, sendo oito de calibre restrito.
Um dos pontos mais polêmicos é a permissão para o atirador carregar uma arma municiada no trajeto entre a casa e o local de treino. Pela decisão, o atirador deve transportar todas as outras armas desmuniciadas, carregando apenas uma pronta para uso para defender o acervo.
Elisandro Lotin, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e cabo da Polícia Militar de Santa Catarina, vê com preocupação a maior circulação de armas. "O criminoso sempre terá o fator surpresa a favor dele. Acreditar que uma arma vai garantir proteção é ilusão", defende. Ele lembra que a popularização dos clubes de caça e tiro é muito forte no Sul do País, por se tratar de uma tradição alemã. "O problema é que o policial não tem como confirmar se o atirador está em trajeto entre a casa e o local de treino. Isso abre brechas para irregularidades", expõe.
Por meio de nota, o Exército informou que não há nenhum dispositivo legal que impeça o cidadão de requerer, junto ao Exército, o Certificado de Registro para CAC. "Aqueles que atendem às condições impostas pelas portarias citadas terão o direito de concessão do CR e poderão exercer a atividade de CAC."
A nota ressalta ainda as "constantes fiscalizações" dos produtos controlados de sua responsabilidade. "O Exército realiza, constantemente, operações de grande porte, de âmbito nacional, com a participação dos órgãos governamentais e de segurança pública, para coibir atividades ilegais que envolvam tais produtos, assim como atua de forma sancionadora, com o poder de polícia administrativa, que lhe é atribuído", pontua.