Marcos Rogério Garcia, atirador há 18 anos: "Não é da competência do Exército conceder licenças de armas para se defender, mas sim da Polícia Federal. São finalidades diferentes. Eu não tenho porte,
Marcos Rogério Garcia, atirador há 18 anos: "Não é da competência do Exército conceder licenças de armas para se defender, mas sim da Polícia Federal. São finalidades diferentes. Eu não tenho porte, | Foto: Fotos: Anderson Coelho


O número de licenças concedidas pelo Exército para pessoas físicas terem acesso a armas de fogo disparou no País desde o ano passado. Entre 2005 e 2015, em média 7.000 permissões eram aprovadas por ano. Em 2016, 20.575 pessoas conseguiram o CR (Certificado de Registro) emitido pelo Exército, um aumento de 185% em comparação a 2015, quando 7.215 registros foram liberados. E os números continuarão altos este ano. No primeiro semestre, quase 14 mil licenças já foram expedidas.

De acordo com o Exército, cerca de 90% das licenças são concedidas aos CACs, sigla que engloba caçadores, atiradores e colecionadores registrados. No geral, a permissão destinada a atiradores profissionais de competição tem sido usada como alternativa ao registro de porte ou posse de arma, de competência da PF (Polícia Federal). Para os defensores das armas, a alta procura pela licença para atiradores é reflexo das políticas públicas que restringem o acesso, principalmente o Estatuto do Desarmamento, de 2004. Já especialistas em segurança temem que as licenças possam afrouxar as leis e colaborar para o aumento da violência.

O produtor musical londrinense Marcos Rogério Garcia, 39, é atirador há 18 anos. Pegou gosto pelas armas com o pai, José Leonildo Garcia - o Predileto da dupla "Preferido e Predileto" - que foi campeão paranaense de tiro de precisão em 1989. Quando completou 21 anos, obteve o CR junto ao Exército. Atualmente, a idade mínima é de 25 anos. "Em 2004 fui campeão paranaense de tiro na modalidade silhuetas metálica com revólver. Depois, entre 2007 e 2012, fui campeão paranaense seis vezes consecutivas com pistola", orgulha-se. Depois de uma pausa, ele retornou este ano às competições. "É um esporte muito discriminado aqui no Brasil. Não há apoio", ressente-se.

O atirador conta que a maioria das pessoas que procuram o CR ou quer praticar o esporte ou procura se defender. "Infelizmente, o Estado não tem como ser onipresente, então muitas pessoas buscam a licença do Exército para se armar", admite. No entanto, ele explica que o caminho para quem busca uma arma para se defender é outro. "Não é da competência do Exército conceder licenças de armas para defender a casa, por exemplo, mas sim da Polícia Federal. São finalidades diferentes. Eu não tenho porte, sou esportista", diferencia.

No primeiro semestre de 2017, quase 14 mil licenças já foram expedidas pelo Exército
No primeiro semestre de 2017, quase 14 mil licenças já foram expedidas pelo Exército



Garcia teme que o mau uso feito por alguns possa trazer consequências para todos. "O que acontece é que alguns querem colocar a 'arma na cinta' e sair por aí. O que as autoridades precisam é diferenciar o joio do trigo e punir quem está fazendo coisa errada. Meu medo é que no Brasil todos pagam pelo erro de um. Nos EUA, eles não tomam a arma do país inteiro por causa de um maluco que transgride as leis", compara. Para o atirador, existe um tabu em torno das armas que precisa ser quebrado. "No Brasil, arma é vista como coisa de bandido, mas não é bem assim. O bandido não tem nome (certidão negativa criminal) para comprar uma arma legal. Aí ele adquire ilegalmente e quem paga o preço é o cidadão de bem", argumenta.

José Flávio Pilastre é soldado da Polícia Militar em Londrina e despachante de armas. Ele alerta os clientes que conseguem o CR sobre a real finalidade da licença. "Os empregos de armas em competição e tático são completamente diferentes. Uma pessoa tem que ser muito bem treinada para reagir a um assalto, por exemplo. Quem porta uma arma deve ter muito cuidado para não imaginar que é um super-herói, porque sem preparo, ela vira um alvo fácil para o criminoso", adverte. Pilastre defende um acesso maior a armas para a população, desde que haja treinamento e controle eficientes.

O policial, que está cadastrado como instrutor na Confederação de Tiro e Caça do Brasil, está empenhado em montar uma associação sem fins lucrativos para a instrução de tiro em Londrina, com o foco exclusivo na formação de atletas. Segundo Pilastre, a pessoa que deseja obter o CR para a prática tiro esportivo deve procurar obter o máximo possível de informações. "A recomendação é procurar um despachante e pedir que ele especifique as taxas e o quanto ele está cobrando pelo serviço. Os preços podem variar bastante", aconselha. Segundo ele, esse conselho vale também para os clubes de tiro.

Permissão de porte é alvo de polêmica

Para obter a certificação de CAC, válida por três anos, o interessado deve apresentar identificação pessoal, comprovante de residência e atestar idoneidade com certidões negativas emitidas pela Justiça nas esferas federal e estadual, Justiça Militar e Justiça Eleitoral, além de declaração de que não responde a inquérito policial ou a processo criminal. Precisa também apresentar atestado psicológico, comprovante de aptidão técnica e vinculação a um clube de tiro.

O Exército argumenta que, para coibir o uso indevido da certificação do CAC, exige declarações de ranking, de habitualidade e da entidade de tiro onde as armas pleiteadas podem ser empregadas. Sem pontuação em ranking, a pessoa perde o registro. O licenciado deve registrar no Exército cada uma das armas que possui. Os atiradores de nível 3, o mais avançado, podem ter até 16 armas, sendo oito de calibre restrito.

Um dos pontos mais polêmicos é a permissão para o atirador carregar uma arma municiada no trajeto entre a casa e o local de treino. Pela decisão, o atirador deve transportar todas as outras armas desmuniciadas, carregando apenas uma pronta para uso para defender o acervo.

Elisandro Lotin, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e cabo da Polícia Militar de Santa Catarina, vê com preocupação a maior circulação de armas. "O criminoso sempre terá o fator surpresa a favor dele. Acreditar que uma arma vai garantir proteção é ilusão", defende. Ele lembra que a popularização dos clubes de caça e tiro é muito forte no Sul do País, por se tratar de uma tradição alemã. "O problema é que o policial não tem como confirmar se o atirador está em trajeto entre a casa e o local de treino. Isso abre brechas para irregularidades", expõe.

Por meio de nota, o Exército informou que não há nenhum dispositivo legal que impeça o cidadão de requerer, junto ao Exército, o Certificado de Registro para CAC. "Aqueles que atendem às condições impostas pelas portarias citadas terão o direito de concessão do CR e poderão exercer a atividade de CAC."

A nota ressalta ainda as "constantes fiscalizações" dos produtos controlados de sua responsabilidade. "O Exército realiza, constantemente, operações de grande porte, de âmbito nacional, com a participação dos órgãos governamentais e de segurança pública, para coibir atividades ilegais que envolvam tais produtos, assim como atua de forma sancionadora, com o poder de polícia administrativa, que lhe é atribuído", pontua.