Dois funcionários da Administração de Cemitérios e Serviços Funerários (Acesf) vivenciaram uma situação inusitada na noite desta quinta-feira (22). Um homem dado como morto voltou a respirar no momento em que era preparado para o velório. Milton Alves de Souza, de 68 anos, foi declarado morto pelo Hospital da Zona Norte (HZN), onde estava internado, às 15 horas de quinta-feira, mas teve os sinais vitais restabelecidos cerca de quatro horas mais tarde. A Acesf chamou o Samu, que encaminhou o paciente para a Santa Casa, onde até ontem permanecia internado em estado grave.
Souza deu entrada no HZN no dia 13 de setembro, com uma úlcera na perna e pneumonia. Nesta semana, o quadro clínico agravou-se e foi diagnosticada infecção generalizada. Na quarta-feira (21), o paciente teve quatro paradas cardiorrespiratórias, mas foi reanimado e colocado em um respirador, segundo informações da direção do hospital. Na quinta-feira, por volta do meio-dia, Souza sofreu nova parada cardiorrespiratória e não voltou a respirar. O óbito foi constatado às 15 horas e Souza chegou à Acesf no final da tarde, por volta das 17h30. Até então, nenhuma anormalidade havia sido constatada.

COMO ACONTECEU
Às 19h30, os preparadores de cadáver Gabriela Naito e Marcos Antonio Batalha começaram os procedimentos. Foi Gabriela quem percebeu que Souza não estava morto. "A gente fez a higienização do corpo, eu fiz a barba dele e quando a gente começou a colocar a blusa, notei mexer o abdômen", contou Gabriela. Imediatamente, os dois funcionários, que têm graduação em enfermagem, começaram a examinar Souza e detectaram sinais vitais. Uma equipe do Samu foi chamada e encaminhou o paciente para o hospital. "Quando o Samu chegou, o coração estava batendo e ele estava respirando", disse Gabriela.
"Foi chocante. Em quatro anos que eu trabalho na Acesf nunca vivi nada assim. Nem os funcionários que estão lá há 30 anos passaram por uma situação parecida. Nos procedimentos, a gente faz o tamponamento das vias aéreas. Se eu tivesse feito isso, poderia ter matado ele", comentou a preparadora. "Enquanto a gente esperava o Samu, tive a preocupação de ficar perto dele para o caso de ele acordar ou se mexer, não cair da maca", disse Batalha.
Souza deu entrada na Santa Casa às 21h12 de quinta-feira com hipotermia. Segundo boletim divulgado pelo hospital no final da tarde desta sexta-feira (23), o paciente estava inconsciente, respirava por aparelho e era mantido aquecido com manta térmica.

SINDICÂNCIA
O diretor-geral do HZN, Luiz Koury, determinou a abertura de sindicância interna para apurar o caso. Ele levanta três possibilidades para explicar o que pode ter acontecido. A primeira delas é falha de procedimento interno ao atestar o óbito de um paciente vivo. "Mas isso não é simples. Quem está mais perto do paciente é um técnico de enfermagem que quando percebe o óbito, comunica a enfermeira, que avalia o paciente e chama o médico para atestar a morte. O paciente foi avaliado por três profissionais", esclareceu.
A segunda hipótese seria a ocorrência de catalepsia, uma doença rara na qual o paciente entra em sono profundo, não reage a estímulos, o coração bate mais lento e o pulso pode se tornar imperceptível. A terceira possibilidade e a mais provável, segundo Koury, é a síndrome de Lázaro, que acomete pacientes com histórico semelhante ao de Souza, em que um paciente em estado grave tem várias paradas cardiorrespiratórias e é reanimado algumas vezes até que isso não seja mais possível. Depois de ser dado como morto, o coração volta a bater sem nenhum procedimento e sem nenhuma explicação na literatura médica. Até hoje, apenas 35 casos da síndrome de Lázaro foram descritos no mundo. "Não estou dizendo que foi isso que aconteceu, mas é o mais provável. Em 40 anos de medicina já vi muita gente morrer, mas nunca vi uma situação como essa", afirmou Koury.

FAMÍLIA
Os familiares de Souza já estavam na capela do Cemitério Jardim da Saudade aguardando a chegada do corpo quando foram informados do ocorrido. "Nunca vi isso na minha vida. Não sei nem o que dizer. Não sei se faltou um exame mais detalhado do hospital antes de constatar o óbito. Eu moro em Umuarama, mas meus parentes estavam falando bem do hospital. Aparentemente, os funcionários foram dedicados", disse Marcos de Oliveira Souza, filho do paciente. "Meu pai já chegou a ficar internado no HU (Hospital Universitário) por seis meses, de dezembro de 2013 até junho de 2014, teve infecção generalizada, fez traqueostomia, os médicos diziam que ele não iria sobreviver, mas sarou, ficou novo."
A família registrou um Boletim de Ocorrência contra o HZN. Diante do caso inusitado, até o escrivão da 10ª Subdivisão Policial de Londrina ficou sem saber como proceder e no documento a ocorrência acabou sendo qualificada como falsidade ideológica. "Fizemos o Boletim de Ocorrência porque se faltou oxigênio no cérebro, ele vai ficar com sequela e vamos acionar o Estado."