A dona de casa Fernanda Fabiano deixou de trabalhar como diarista enquanto espera por vaga para o filho de 1 ano e 5 meses
A dona de casa Fernanda Fabiano deixou de trabalhar como diarista enquanto espera por vaga para o filho de 1 ano e 5 meses | Foto: Fotos: Ricardo Chicarelli



Das 10,3 milhões de crianças com menos de 4 anos de idade no Brasil, cerca de 7,7 milhões estão fora das creches. A informação foi divulgada nesta quarta-feira (29) em uma pesquisa inédita realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que considerou dados de 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). A quantidade de crianças que ainda não são atendidas na educação infantil equivale a quase 75% do total desta faixa etária.

O Plano Nacional de Educação (PNE), criado em junho de 2014, estabelece metas para a política educacional até o ano de 2024. A meta número 1 do plano busca o atendimento de 50% das crianças de até 3 anos nos centros de educação infantil espalhados por todo o País.

A dificuldade em conseguir uma vaga em creche compromete o rendimento financeiro das famílias. Conforme o estudo divulgado pelo IBGE, o rendimento médio mensal das famílias em que as crianças permaneciam em casa durante a semana era de R$ 550 em 2015. Já a média da renda mensal quando as crianças frequentavam creches ou escolas chegava a R$ 972.

Em Londrina, a recicladora Patrícia Ramos de Souza demorou mais de um ano para conseguir atendimento para o filho mais novo. Com o final da licença-maternidade e sem ter com quem deixar o menino, a moradora do Jardim Nova Esperança (zona sul) se viu obrigada a pedir demissão do emprego em uma fábrica. "Logo que o meu filho nasceu, eu já fiz o cadastro para conseguir vaga em creche porque sabia que ia demorar. Acho absurdo isso porque todos nós pagamos impostos para ter uma vida justa. O governo investe em presídios e não investe em saúde e educação. Aí as nossas crianças ficam nas ruas e aprendem o que não devem. Se tivesse vaga, acho que ia diminuir a criminalidade", avaliou. Após a longa espera, a criança, de 1 ano e 4 meses, passou a frequentar a creche nesta semana e Patrícia agora tem mais tempo para se dedicar à reciclagem e aumentar a renda familiar.

Já a dona de casa Fernanda Fabiano, que trabalhava como diarista, ainda aguarda uma resposta da Secretaria Municipal de Educação. Fernanda mora no Jardim Cristal II (zona sul) e interrompeu as atividades para cuidar do filho, de 1 ano e 5 meses. Há três meses, ela se cadastrou junto ao município para conseguir atendimento. "Se eu não tiver essa vaga, como vou trabalhar ou pagar alguém para cuidar do meu filho? E ainda se for só meio período, vai ser difícil conseguir emprego", comentou Fernanda, apreensiva. A dona de casa recebe o auxílio do Bolsa Família.

A secretária municipal de Educação, Maria Tereza de Moraes, afirma que pouco mais de 6 mil crianças de até 3 anos estão matriculadas nos centros de educação infantil de Londrina. Desse total, cerca de 4,5 mil são atendidas em período integral. Em setembro do ano passado, a pasta havia divulgado que, aproximadamente, 7 mil crianças estavam na lista da fila de espera para o atendimento nas creches. No entanto, o município espera obter um balanço mais preciso com a criação da central de vagas para o cadastro das crianças. O atendimento é realizado desde o final de fevereiro no Centro Municipal de Educação Infantil Valéria Veronesi, próximo ao Terminal Urbano Central. Os responsáveis pelas crianças são entrevistados para verificar a situação socioeconômica das famílias e a necessidade de atendimento em período integral.

"Nós estamos implementando, aos poucos, tudo o que está previsto nos planos nacional e municipal de educação. Antes havia crianças inscritas mais de uma vez na fila de espera. A partir da central de vagas teremos a informatização do sistema para acompanhar a real demanda. É um grande avanço", destacou a secretária. Segundo Maria Tereza, 224 professores serão contratados entre os meses de abril e maio para atuar na rede municipal de ensino. "Algumas reformas também foram feitas nos prédios. Em pouco tempo já conseguimos dar um ritmo de trabalho obedecendo as diretrizes", afirmou. Londrina conta com 34 centros municipais de educação infantil e 54 instituições filantrópicas.

A criação da central de vagas atende recomendação feita pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. Os órgãos cobraram providências com o objetivo de reduzir o impacto provocado pelo deficit de vagas no município. O promotor da Vara da Infância e Juventude, Leonardo Nogueira da Silva, lembra que o problema é crônico em Londrina. "Muitas famílias procuram o MP em busca de vagas, mas o município não dá conta de atender toda a demanda. Há um passivo muito grande herdado que precisa ser solucionado", cobrou.

Segundo o promotor, o município propôs a ampliação de matrículas em meio período como paliativo. "É uma solução menos injusta. Vamos acompanhar e verificar os resultados. Se não funcionar, será preciso buscar uma alternativa", argumentou. Silva acredita que é preciso priorizar os casos de maior vulnerabilidade social. "Como não há condições a curto prazo de se oferecer vagas em tempo integral para todos, a gestão precisa olhar cada caso isoladamente e analisar quem mais necessita", defendeu.

Como soluções mais efetivas, o MP e a Defensoria Pública propõem a expansão do número de entidades que ofertam vagas em creche e a ampliação de vagas disponibilizadas pelas entidades já existentes. "Se não houver condições de atender a demanda, a recomendação é para que o município estude a possibilidade de celebrar convênios com creches privadas", acrescentou o promotor. "Iniciamos o diálogo há cerca de um mês e, acredito, mesmo este sendo um trabalho difícil e complicado, que podemos avançar e atingir bons resultados", concluiu Silva.(Com Folhapress)