São Paulo - Mais de 90% das necessidades de cuidados de pessoas com demência que usam o SUS (Sistema Único de Saúde) não estão sendo atendidas, aponta relatório inédito que entrevistou pacientes e seus cuidadores das cinco regiões do país.

As lacunas vão desde o custeio de medicamentos, acesso a atendimentos e cuidados de saúde em geral a manejo de sintomas cognitivos e neuropsiquiátricos, segurança pessoal e domiciliar, suporte familiar e comunitário e questões jurídicas.

Com isso, a maior parte das despesas com a doença recai sobre as famílias. Hoje, quase três quartos (73%) dos custos totais com a demência são relacionados ao cuidado informal (custos indiretos). A maioria desses cuidadores é mulher (86%), que exerce o trabalho sem remuneração (83,6%).

O diagnóstico vem do Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil, feito pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP) por meio do Proadi (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS). O documento deve subsidiar o Ministério da Saúde em novas ações de cuidados.

Foram entrevistadas 140 duplas (paciente e cuidador) de 17 cidades de diferentes portes. Além das entrevistas, a análise dos custos envolvidos levaram em conta dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e estudos nacionais e internacionais.

O trabalho envolveu três eixos: as necessidades de cuidado, o custo da demência e o panorama da pesquisa sobre a doença no Brasil. Segundo a epidemiologista Cleusa Pinheiro Ferri, coordenadora do relatório, nenhum participante da pesquisa tinha todas as necessidades atendidas pelo Estado brasileiro.

Por exemplo, mais da metade (51%) das famílias entrevistadas utilizaram o serviço privado de saúde em algum momento para a obtenção do diagnóstico, e 42% dos pacientes não utilizavam nenhum tipo de medicamento para demência. Dos que usavam, só 15% retiravam a medicação gratuitamente no SUS.

Os medicamentos disponíveis no sistema público para o tratamento de Alzheimer são os anticolinesterásicos (donepezil, galantamina e rivastigmina) e a memantina, voltados para a redução dos sintomas.

Segundo levantamento feito pela Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) em setembro, há 1,7 milhão de pessoas vivendo com demência no país, e o Alzheimer corresponde a 55% dos casos (966.594).

O novo relatório aponta que apenas 20% desses casos estão devidamente diagnosticados. "É assustador. É difícil tanto o acesso a testes diagnósticos quanto a profissionais capacitados", afirma o neurologista Paulo Caramelli, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Um estudo liderado por sua equipe no município de Caeté (MG) chegou a conclusões parecidas ao do relatório: apenas 21% das pessoas identificadas com demência tinham o diagnóstico conhecido.

O geriatra Jean Pierre de Alencar, tesoureiro da Febraz (Federação Brasileira das Associações de Alzheimer), afirma que uma consulta com especialista no SUS para diagnóstico de demência tem levado entre quatro e seis meses.

"A gente tem em torno de uns 13 mil geriatras, psiquiatras e neurologistas para uma população [com demências] de quase 2 milhões. A atenção básica precisa estar mais bem capacitada para fazer esse diagnóstico", diz. A Febraz oferece curso gratuito de capacitação a médicos da atenção primária.

"As famílias se sentem desamparadas tanto pela falta de apoio de parentes quanto do próprio Estado. Não é apenas no Ministério da Saúde. Precisamos de uma política de Estado para enfrentar essa situação que só deve piorar com o envelhecimento populacional", diz Caramelli, da UFMG.

O professor integra uma rede mundial de pesquisas que está testando no Brasil se medidas preventivas melhoram a cognição de idosos e, em última instância, previnem demências, como a doença de Alzheimer, e se elas poderiam ser implementadas na rede pública de saúde.

A prevenção do Alzheimer ganhou força após relatório publicado pela revista “The Lancet” mostrar que 40% demências estão relacionados a 12 fatores de risco modificáveis, entre os quais a baixa escolaridade, o sedentarismo, o tabagismo, o não tratamento da perda auditiva e o descontrole dos níveis de colesterol, de glicemia e de pressão arterial.

Há uma projeção de que em países da América Latina, como o Brasil, até 56% dos fatores de risco para demência sejam passíveis de prevenção. Ocorre que a maioria desses fatores não está sob controle.

O SUS oferta remédios capazes de retardar o progresso da doença e de minimizar os distúrbios de humor e comportamento, mas o acesso a uma equipe multidisciplinar para acompanhar o paciente ainda é escasso.

"Não dá para tratar demência só com remédio e um médico sozinho, tem que ter uma integração de profissionais qualificados, como neuropsicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogo. As famílias não conseguem bancar isso", diz Alencar.

Lígia Gualberto, da coordenação de saúde da pessoa idosa na Atenção Primária do Ministério da Saúde, afirma que a atual gestão está fortalecendo a atenção primária por meio de ações estruturantes, que envolvem o aumento de equipes de saúde da família e de equipes multidisciplinares.

Ela diz que são necessários tempo de consulta adequado e equipes de saúde da família proporcionais para cuidar dos territórios. "Não se faz diagnóstico de demência nem em pronto-socorro e nem em porta de UPAs (Unidades de Pronto Atendimento)."

Para ela, por conhecer as pessoas de longa data, os profissionais das equipes de saúde da família podem fazer o diagnóstico e o acompanhamento das pessoas com demência.

De acordo com o relatório, é preciso um olhar especial para os cuidadores de pessoas vivendo com demências. Com média de 58 anos, 71,4% apresenta sinais de sobrecarga e 45%, de ansiedade e depressão. A principal queixa é não poder contar com um cuidador reserva. O tempo médio diário dedicado a esse cuidado é de 10 horas e 12 minutos.