Desde maio deste ano, Londrina é sede do Escritório Regional Socioeducativo, órgão vinculado à Seju (Secretaria de Justiça e Cidadania), que atende 67 municípios da região. É o cumprimento de uma meta de regionalização por parte do governo do Estado prevista no Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). Na região, as unidades disponíveis estão em Londrina, com os Censes (Centros de Socioeducação) 1 e 2 e a Casa de Semiliberdade, e em Santo Antônio da Platina.

O chefe da regional e diretor do Cense 1, Márcio Schimidt, explica que o objetivo é tanto assessorar os centros quanto atender os municípios da região, buscando uma discussão sobre as políticas públicas para os jovens.

“Queremos trabalhar de ponta a ponta, desde a primeira situação de vulnerável, até o pós medida”, explica Schimidt, pontuando que, pela legislação, o período de internação é de no máximo três anos ou até completar 21 anos, o que vier antes.

No total, são disponibilizadas 50 vagas no Cense 1, cuja permanência é de um a 45 dias, antes da decisão judicial; 40 vagas no Cense 2, que é de internação; e outras nove na Semiliberdade. Em Santo Antônio da Platina, são 20 vagas. Segundo o diretor, é o suficiente para atender a demanda e não há superlotação.

“O Escritório Regional Socioeducativo de Londrina é o primeiro do Brasil nessa questão de atender tanto as unidades socioeducativas quanto os municípios, articulando políticas públicas”, destaca.

A assistente social Vera Lucia Neves, que trabalha no escritório, explica que, quando um adolescente em ato infracional é privado da liberdade, os outros direitos fundamentais - como saúde, convivência familiar e comunitária, profissionalização, educação, esporte e cultura, por exemplo - devem ser garantidos no centro.

“Uma coisa é quando o adolescente tem a privação, ou restrição [de liberdade], que o estado atende. Mas o município atende o meio aberto, que são outras medidas”, citando a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida, cujo atendimento ocorre no Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).

“A medida socioeducativa vai ter a responsabilização, mas não é a finalidade dela. É ver as situações vulneráveis [que o jovem] estava, fora da escola, se colocando em risco, o grupo que estava frequentando, não tinha acesso à cultura, lazer e saúde. Precisamos fortalecer para que ele tenha, durante e pós”, diz Schimidt.

O titular da Seju, Santin Roveda, afirma que nos centros o foco “não é apenas punir, mas principalmente ajudar esses jovens a entenderem o que eles fizeram, aprenderem com os erros e se prepararem para uma vida melhor quando saírem de lá”.

“A estrutura do socioeducativo no Paraná é uma das melhores do Brasil, ainda não é a melhor do mundo, mas estamos trabalhando nesse caminho”, afirma o secretário. Os outros escritórios regionais serão em Cascavel, Maringá e Curitiba.

VULNERABILIDADE

O chefe da regional ressalta que é “dever de todos”, e não apenas do estado, garantir uma estrutura de transformação na vida dos jovens. Um problema, por exemplo, é a falta de oportunidade de emprego na cidade. “Que liberdade é essa se ele não tem oportunidades? São meninos que estão indo para a fase adulta, mas sem oportunidades, e vamos continuar nessa produção de exclusão”, diz.

Conforme estabelece o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), passado o período máximo de três anos de internação, o adolescente deve ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

Neves, que trabalha no diálogo com os municípios da região, explica que o objetivo é provocar uma discussão sobre a socioeducação. Na última segunda-feira (13), uma reunião com esse intuito foi realizada em Tamarana.

“O que temos percebido é que nessas reuniões geralmente é a primeira vez que se tem uma discussão sobre socioeducação. E discutir isso tem sido não discutir a situação do adolescente que está na medida socioeducativa, mas discutir quais atos infracionais são cometidos nesse território, qual é o perfil do adolescente”, aponta.

Essa mobilização é importante porque o Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo entrará em pauta no próximo ano. “Precisamos provocar esse tipo de reflexão”.

LEITURA

O Cense de Londrina foi premiado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2021 pela realização de um clube de leitura com os jovens atendidos durante a pandemia da Covid-19. Todas as unidades do Paraná foram atingidas pela ação, que inclusive inspirou um projeto nacional.

A assistente social Andressa Ferreira Cândido conta que mensalmente um livro é discutido e o autor convidado para dialogar com os adolescentes. Em novembro, está em pauta a obra “Escravidão”, do escritor Laurentino Gomes. É um exemplo das atividades culturais, educativas e esportivas que são desenvolvidas pela equipe multidisciplinar.

“A gente só vai conseguir que esse menino faça parte da sociedade, se a gente tiver um trabalho, um Cense voltado para a sociedade, que tenha movimento”, diz Cândido. “Esse menino cometeu um ato infracional, mas ele é muito além do ato infracional, podemos pensar nele em várias outras potências.”

‘A CABEÇA MUDA’

O gerente de logística João Victor Mendes Ferreira, 20, é um dos vários jovens que passaram pela socioeducação em Londrina. Em suas duas passagens, ele conta que os profissionais “faziam de tudo para mudar nossa cabeça”, e que hoje tem uma nova vida.

“Hoje eu vivo bem, já recuperei bastante do tempo que perdi quando estava preso e na vida do crime, porque eu entrei aos 12 anos e saí com quase 18. Já faz três anos que eu mudei de vida”, destacando que no centro “a cabeça muda”, mas que é necessário uma atenção quando o jovem volta à sua rotina.

“Eu acho muito importante quando o adolescente sai e tem um acompanhamento, porque nas ruas as coisas são bem complicadas. E, claro, realmente a pessoa tem que ter esse interesse em mudar”, diz Ferreira, que também é triatleta. Ele acredita que a oferta de cursos e de trabalho é uma medida importante após a internação.

Outro exemplo é o evangelista Eder Fernando Moreira Gomes, 28, que conta que aprendeu a ler e a escrever no Cense e que “lá dentro eu aprendi a ser um cidadão”. “Fui bem acolhido lá dentro do Cense”, diz Gomes, que cita a ajuda recebida pelas técnicas da unidade. “Hoje sou uma pessoa mudada por Deus.”

Ele também conta que prega nos Censes de Londrina, ajudando muitas pessoas “a sair dos mesmos lugares onde eu estava” e ensinando “caminhos melhores”.

‘PARA O TRABALHO’

A professora Vera Suguihiro, do Departamento de Serviço Social da UEL (Universidade Estadual de Londrina), afirma que muitos programas para adolescentes em ato infracional têm um “corpo assistencialista, emergencial e pontual”, e que o cenário ideal é que essas ações tenham características de políticas públicas.

“Temos que instituir programas para esses jovens não como uma ação pontual, mas como uma política pública de atenção integral e integrada com todas as outras políticas públicas. Não só atender esses jovens só pela via da assistência social. Precisa de saúde, habitação, trabalho, assistência social, sim, mas temos que mudar um pouco esse paradigma”, avalia Suguihiro.

Para a professora, é necessário que a socioeducação tenha um caminho “para o trabalho”, e não “pelo trabalho”.

“Pelo trabalho vai pelo caminho do trabalho informal; para o trabalho vai pelo caminho da profissionalização com todas as garantias trabalhistas, formal”, citando ainda a importância de superar a compreensão cultural de que o adolescente que cometeu um ato infracional está sempre vinculado à criminalidade.

“Quando você trata o jovem simplesmente como o que pratica ato infracional, você o analisa pelo ato que ele praticou, esquece que ele faz parte de um contexto econômico, social, político, e aí você o reduz a aquele ato”, acrescenta.

Via de regra, Suguihiro diz que muitos desses adolescentes são de família pobre, moram na periferia e têm seus direitos constitucionais cotidianamente violados. E a volta à rotina deve receber atenção no processo de socioeducação, acredita a professora.

“Nós temos um equívoco de achar que o jovem que passou pelo Cense 2, que teve alguns cursos de capacitação, ao sair está preparado para esse mundo de trabalho, de convivência familiar, que na maioria das vezes é complicada, cheia de violência”, afirma. “Nossos estudos têm mostrado que a reincidência é muito grande nesse público. E isso é muito preocupante, por que será que as políticas, as ações, os projetos que estamos desenvolvendo, estamos praticando, têm correspondido à realidade dos jovens?”

De acordo com a professora, ao invés de culpabilizar o jovem que reincide, é necessário levar em conta o contexto em que ele está inserido. Mas, assim como o chefe da regional, ela ressalta que a responsabilidade não é apenas estatal.

“Temos que fazer com que haja uma sensibilização, uma mobilização, cortar esse estigma quando se trata de adolescente em ato infracional. Vamos envolver a sociedade civil, o mercado, as empresas, as indústrias, o setor de serviços para realmente poder absorver esse jovem no mercado de trabalho formal e que eles tenham oportunidade de mostrar sua capacidade”, completa.