O Brasil vem observando um aumento nas ocorrências de feminicídios nos últimos quatro anos. Dados divulgados nesta segunda-feira (13) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que, no primeiro semestre deste ano, foram 722 casos no país; no mesmo período de 2022, foram 704.

A elevação vem sendo significativa desde 2019, conforme mostra o relatório “Violência contra meninas e mulheres no 1º semestre de 2023”. Levando em conta os primeiros semestres, foram 631 casos em 2019, 664, em 2020, 677, em 2021, 704, em 2022, e 722, em 2023. O crescimento em quatro anos foi de 14,4%. Os números também indicam crescimento no registro de ocorrências no Paraná: 39 de janeiro a junho deste ano, e 30 no mesmo período do ano passado.

O documento traz os índices de homicídios dolosos contra mulheres e aponta que a comparação com os registros de feminicídios “é importante, pois a lei do feminicídio é relativamente nova e espera-se que cada Estado tenha desafios distintos na tipificação correta do crime”. No país, foram 1.902 homicídios em 2023 e 1.853 em 2022. No Paraná, dados do fórum apontam que houve registro de 120 casos no ano passado e 126 neste ano.

“Tanto no trabalho de investigação das Polícias Civis, quanto no Judiciário, é comum que os profissionais tenham dificuldade de incorporar a perspectiva de gênero, com tendência a classificar como homicídio comum casos que deveriam ser feminicídios, ou seja, aqueles casos em que as mulheres morreram em razão de sua condição de gênero”, alerta o relatório.

Para a pesquisadora Denise Mariani Vieira Dias, que integra o Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídios) da UEL (Universidade Estadual de Londrina), a violência de gênero é o principal fator para a manutenção dessas agressões.

“Vivemos em uma sociedade que está estruturada no patriarcado, na misoginia, e isso vai se perpetuando ao longo do ano, do nosso desenvolvimento. É uma violência que é constantemente reafirmada”, afirma Dias.

A pesquisadora também destaca a necessidade de políticas públicas para efetivação da legislação já existente no Brasil. Outro ponto importante no combate à violência contra mulher é garantir o acesso à Justiça a um sistema de proteção.

“Não menos importante é a elaboração mais constante de campanhas de sensibilização e enfrentamento. Precisamos promover essa discussão da violência de gênero na sociedade em geral, incluindo os homens para que haja conscientização”, acredita. “São os homens que nos agridem, que nos matam, na maioria das vezes. Então a gente precisa incluir os homens nesses programas e campanhas para promoção da igualdade de gênero.”

OUTROS DADOS

O Fórum de Segurança também aponta que 34 mil mulheres foram vítimas de estupro ou estupro de vulnerável no período analisado. É um aumento de 14% em comparação com 2022, quando 29.580 casos foram contabilizados. O Paraná registrou 3.229 casos desta natureza neste ano, maior número considerando a série histórica iniciada em 2019, quando 2.824 ocorrências haviam sido registradas.

Os números do Cape (Centro de Análise, Planejamento e Estatística) da Sesp (Secretaria de Segurança Pública) também sinalizam aumento nos feminicídios no primeiro semestre (40 casos em 2023 contra 32 em 2022), mas o acumulado do ano indica queda em comparação com o ano passado. De janeiro a outubro, foram 57 feminicídios registrados; no mesmo período de 2022, 63.

“Falta muito para chegarmos no cenário ideal de promoção e proteção dos direitos das mulheres, mas o Paraná tem avançado de forma gradual”, acredita Dias, que cita a criação do Fundo Estadual dos Direitos da Mulher e o incentivo para instalação de conselhos municipais como medidas importantes.

Para a delegada Luciana Novaes, da Divisão de Polícia Especializada da PCPR (Polícia Civil do Paraná), mais mulheres têm procurado a Justiça e isso tem “exacerbado” os números da segurança pública.

“Tenho percebido que, em razão de uma maior comunicação para as mulheres, as pessoas têm falado mais sobre isso, se aberto mais a essa temática, e tem aparecido mais esses números”, acrescenta.

Novaes cita que a criação da Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa foi um avanço, e ressalta que a ampliação da rede de proteção, a partir da ação de órgãos e políticas públicas, é uma medida importante que deve ser continuamente ampliada.

A delegada lembra que a denúncia, além de partir da vítima, pode ser feita por alguém que conheça o contexto de violência que a mulher sofre. “Tem que denunciar, não dá pra ficar calado, não.”

OBSERVATÓRIO

O Néias - Observatório de Feminicídios Londrina afirma, em nota, que “recebe com pesar, mas não surpresa” a informação do aumento nos feminicídios no Paraná e no Brasil.

“Infelizmente, temos observado este movimento e atribuímos a fatores diversos, dentre eles a insegurança das vítimas em denunciar; a resposta ainda lenta da justiça às famílias e a falta de medidas reparadoras às vítimas sobreviventes e familiares”, diz o texto. “Os dados indicam que, a despeito de ações e campanhas de conscientização, ainda persiste a situação de vulnerabilidade das mulheres diante da violência de gênero, intensificada, no nosso entendimento, pelo negacionismo dos últimos anos no país.”

O observatório também ressalta que os números podem não refletir a realidade do país, devido à subnotificação. A interpretação da Lei de Feminicídios (de n° 13.104/2015) é um “desafio adicional”.

“Nos preocupa, em particular, a dificuldade da justiça em compreender e aplicar o Inciso II desta legislação, que também considera como feminicídios os crimes de ódio relacionados à condição de mulher, independentemente de relacionamento afetivo prévio entre vítima e agressor, como temos acompanhado em alguns casos de Londrina”, aponta o Néias. “É crucial que a sociedade e as autoridades estejam cientes desta lacuna na interpretação da legislação, a fim de implementar medidas que garantam uma resposta eficaz e justa diante dos feminicídios. Para além disso, o fim da violência feminicida depende de uma mudança cultural, na qual todos somos responsáveis, inclusive a imprensa.”