São Paulo - Uma das condenadas do Caso Evandro, Beatriz Abagge, e que teve o processo anulado na semana passada, defendeu que seja investigada a tortura sofrida por ela e que a levaram a assumir a culpa pelo crime.

Beatriz disse que recebeu a decisão da última semana com um sentimento de "vitória": "Há 31 anos a gente vem lutando para provar nossa inocência", disse, em entrevista ao programa Encontro, da TV Globo.

Ela também contou que ela e outros condenados denunciaram as torturas desde o início do processo, mas nunca foram ouvidos: "Desde o primeiro momento falamos que fomos torturados, ninguém acreditava na gente [...] Cada vez que a gente falava em tortura, contava, as pessoas riam da gente", lembrou.

Segundo Beatriz, ela foi vítima de choque elétrico, afogamento e violência sexual. Ela também disse que, em uma das vezes, foi torturada por mais de 10 horas, e que pensava que iria morrer.

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"Eu fiquei com marcas físicas. Eu tenho até hoje marcas no meu corpo, nos dedos, marca de choque elétrico", afirmou.

"Eu penso que serviu de aprendizado para a gente começar uma luta, e até para ter um Estado melhor. Quando a pessoa fala que foi torturada, tem que haver investigação. Tem que haver responsabilidade do Estado. Nossa luta terminou com a vitória de absolvição, e acho que começa uma nova luta, para responsabilizar as pessoas que nos torturaram. Porque tortura é imprescritível", disse Beatriz Abagge.

Beatriz Abagge havia sido condenada pelo desaparecimento e morte do menino Evandro Ramos Caetano, em 1992. Ela alegou que as declarações foram feitas mediante tortura, conforme fitas obtidas pelo jornalista Ivan Mizanzuk, em 2020.

Em 2022, o governo do Paraná publicou carta oficial com pedido de desculpas a Beatriz Abagge. O reconhecimento de excessos ocorreu após áudios descobertos pelo podcast "Projeto Humanos" revelarem que houve tortura contra Celina e Beatriz Abagge para que elas confessassem falsamente o crime.

JUSTIÇA ANULA CONDENAÇÕES

As condenações dos acusados pelo crime foram anuladas em uma revisão do julgamento, pelos desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná.

Após 31 anos do desaparecimento do garoto, foram absolvidos Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira, que morreu em 2011.

O procurador Silvio Couto Neto, do Ministério Público do Paraná, indicou que as penas dadas aos sete suspeitos pela morte de Evandro foram injustas, afirmando que "houve pressão insuportável da opinião pública" e que foram realizadas investigações "tendentes a confirmar" uma "declaração que veio do nada".

"Tentei buscar provas efetivas que pudessem comprovar aquela tese contida naquela declaração, que deu início a condenação dos que ora buscam a revisão criminal. E, efetivamente, do fundo do meu coração, com toda a experiência acumulada nessas mais de três décadas de carreira no Ministério Público, não consegui chegar à conclusão de que havia essas provas. Não vejo como dizer que as condenações foram efetivamente justas" disse Silvio Couto Neto, procurador do MPPR.

Couto Neto também defendeu a revisão do processo: "entendo que não há um substrato confiável, um substrato sólido que possa manter essas condenações". Em retorno, o juiz do caso louvou o gesto do procurador, afirmando que "não é um procurador de Estado, mas um procurador de Justiça".

O CASO EVANDRO

Em 1992, o garoto Evandro Ramos Caetano, de seis anos, foi sequestrado. Alguns dias depois, o corpo dele foi encontrado em um matagal de Guaratuba (Litoral) com órgãos arrancados e pés e mãos cortados.

Na época, um grupo foi preso acusado de praticar "bruxaria". Entre essas pessoas, estavam Celina Abagge, então primeira-dama de Guaratuba, e a filha Beatriz Abagge.

No primeiro julgamento, realizado em 1998, Beatriz e Celina foram absolvidas. O Ministério Público, no entanto, recorreu da decisão e conseguiu um novo julgamento. Apenas Beatriz foi julgada e condenada a 21 anos de prisão, já que o crime estava prescrito para a mãe porque ela tinha 70 anos.