A costureira Marcilene de Menezes Nonaka, 51, voltou a estudar há cerca de um ano. Ela frequenta o Ceebja (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos) Maria do Carmo Bocati, em Cambé (Região Metropolitana de Londrina), e vem tendo uma experiência positiva com o atendimento recebido na unidade.

LEIA TAMBÉM:

Professoras de Londrina retribuem à sociedade com amor à profissão

Esse foi um dos Ceebjas do Paraná - junto com os centros de Lapa, Rio Negro, Mandirituba, Goioerê e de outros municípios - com risco de fechamento. A direção da unidade chegou a confirmar à FOLHA que havia sido notificada sobre o encerramento das atividades em dezembro; mas, nesta quarta-feira (1°), recebeu a confirmação do funcionamento em Cambé por pelo menos mais um ano.

O recuo do governo estadual veio após a mobilização da comunidade escolar da Cambé. Do lado de fora do centro, foram colocados cartazes criticando a medida. “Não tire nossa escola daqui” e “Escola não é gasto, é investimento” foram algumas das frases expostas pela comunidade de Cambé. Uma manifestação e uma participação na Câmara Municipal também estavam marcadas.

É um passo importante para alunas como Marcilene, que diz que “é simplesmente maravilhoso fazer parte da turma” e que as aulas têm proporcionado bons momentos. Caso fosse confirmado o fechamento, ela acredita que muitos estudantes teriam dificuldades para se adaptar à nova realidade.

O professor Marcos Kloster, que há cerca de um ano começou a lecionar na unidade de Cambé, ressalta a importância desse tipo de ensino. “É uma educação especial. É um aluno que tem que ser acolhido, o espaço precisa ser adequado para ele, diferente da escola regular, com salas enormes e muita agitação, com movimentação de outras turmas que não são do Ceebja”, citando que os centros oferecem um atendimento especializado para esse público. “Tem uma série de traumas que o Ceebja toma todo o cuidado para fazer um acolhimento desse aluno. Não é simplesmente mudar de prédio, é algo que tem que ser pensado e o aluno respeitado.”

‘EXTREMAMENTE CAPACITADOS’

Colega de Marcilene, a autônoma Josiane Saraiva, 43, participou da articulação pela permanência do centro em Cambé. Ela ressalta que a EJA é importante porque é difícil se adaptar a outro estilo de ensino nesta etapa da vida. “Não temos mais aquela capacidade que o jovem tem de estudar, não temos muito tempo, porque temos que trabalhar”, ressaltando que, no Ceebja, todos os professores são “extremamente capacitados” para atender esse público.

A estudante também comemorou a notícia da permanência da unidade de Cambé. “Temos mais um ano para correr atrás e manter o Ceebja aqui”.

‘NÃO DÁ A MESMA IMPORTÂNCIA'

Para a secretária executiva educacional da APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), Margleyse Adriana dos Santos, o governo do Estado não dá a mesma importância à EJA que dá para o ensino regular. “Os adultos vão para uma escola que tem 6° ano, ensino médio, e não vão se sentir bem. E isso não é a solução, é a exclusão dos nossos estudantes trabalhadores”, aponta.

Santos ressalta que a EJA precisa de um novo olhar, desde a matriz curricular até uma valorização completa. “Esses alunos não são só índices, eles precisam sim ser valorizados”, pontuando que a matriz precisa dialogar com a realidade educacional de cada um.

“Eu acho que a educação no Paraná precisa ser melhorada, e isso tem que ser de forma planejada, com envolvimento da comunidade. Mas o atual governo não tem diálogo, nem com alunos, nem com pais, e muito menos com os trabalhadores da educação”, diz Kloster.

‘FUNÇÃO SOCIAL’

Na última segunda-feira (30), integrantes do Fórum Paranaense da Educação de Jovens e Adultos e dirigentes da APP-Sindicato foram até o Ceebja de Cambé para conversar com os alunos. A professora Adriana Medeiros Farias, do Departamento de Educação da UEL (Universidade Estadual de Londrina), destaca a mobilização da comunidade.

“Os estudantes se manifestaram dizendo que são contrários ao fechamento do Ceebja. A escola para eles tem uma importância, uma qualidade, que é fundamental, e por isso precisa manter o centro em funcionamento”, relata. “Você observa que são adultos trabalhadores, jovens, e idosos também concluindo seus estudos. Em uma sala tinha a mãe, na outra o filho adolescente concluindo os estudos. Ou seja, o Ceebja tem uma função social que precisa ser mantida, que é o atendimento especializado para essa população.”

Farias ressalta que a organização dos centros para atender jovens, adultos e idosos vai desde a equipe administrativa até a pedagógica, passando pelos horários de atendimento e organização física. “É importante que se tenha turmas [da EJA] nas escolas municipais e estaduais, é fundamental para dar mais capilaridade ao atendimento, mas o papel do Ceebja é de organizar o horário, o currículo, uma matrícula que é totalmente diferente”.

Na avaliação da professora, o fato de os gestores estarem “alinhados à gestão gerencialista, empresarial da Seed”, foi crucial para implementar um projeto de “aligeiramento, de aumento de exames online, de provas de certificação em detrimento da oferta de cursos”.

“A mudança curricular fez com que se suprimisse formas de atendimento que garantiam a especificidade da modalidade de educação de jovens e adultos. Por exemplo, a modalidade individual, que hoje não existe mais e que os Ceebjas tinham essa forma de atendimento”, exemplifica a professora, que ainda cita a semestralização e os módulos como problemas. Para ela, essa mudança na organização curricular impactou no acesso e na permanência na EJA.

“Isso você verifica na diminuição no número de matrículas, que no governo Ratinho Junior acentua. A redução está associada a esses elementos: a mudança para uma gestão empresarial, de ranqueamento, de resultados, e a mudança da organização curricular, que priorizou fazer com que o estudante terminasse logo e tivesse um certificado desqualificado, sem uma formação aprofundada”, completa.

SECRETARIA

Procurada pela reportagem, a Seed (Secretaria de Estado da Educação) afirmou que possui um plano de expansão da EJA para 2024, com 81 autorizações previstas, ofertando a modalidade tanto em escolas regulares quanto em Ceebjas. “Nos últimos anos, houve uma redução na demanda de estudantes matriculados em alguns Ceebjas que funcionam em prédios compartilhados com escolas municipais”, diz em nota.

“Como parte do processo de efetivação do Planejamento Escolar 2024, que visa atender de forma mais eficiente às demandas educacionais do estado, a Seed-PR prevê a conversão de Ceebjas com baixa demanda de estudantes e salas ociosas - como o Ceebja General Rabelo em Rio Negro - em Escolas de Tempo Integral”, continua.

Segundo a secretaria, outro fator determinante para a reorganização da oferta da EJA envolve os Ceebjas que operam no turno da noite, compartilhando prédios com escolas municipais.

“Em situações onde existe uma instituição de ensino estadual nas proximidades com salas vazias (como é o caso do Ceebja Paulo Leminski, na Lapa, e do Ceebja Maria do Campo Bocatti, em Cambé), a Secretaria de Educação identificou a possibilidade de reorganizar a oferta”, explica. “É importante enfatizar que essa reorganização não implica na redução ou interrupção da oferta da Educação de Jovens e Adultos nos municípios mencionados. Trata-se, especificamente, de uma realocação gradual dessa modalidade de ensino entre instituições de ensino estaduais, garantindo que os estudantes matriculados concluam seus cursos e recebam a certificação correspondente.”