Aos 49 anos, a rotina escolar voltou a ser uma realidade para o autônomo José Roberto Rodrigues. Há cerca de quatro meses, ele se matriculou na EJA (Educação de Jovens e Adultos) e tem frequentado a Escola Municipal Carlos Kraemer, no Jardim Castelo, na zona leste. O motivo para retornar aos bancos escolares é a maior independência.

Cearense radicado em Londrina desde 1994, Rodrigues conta que não sabia ler nem escrever. O único contato dele com a escola aconteceu na infância, quando ainda morava no Ceará.

“Às vezes você pede uma informação para a pessoa, e tem pessoa que não gosta de dar, não. Tem uns que leem para a gente, mas tem outros que não gostam. Já fala: ‘Não estudou, não?’, e é chato”, afirma, pontuando que está gostando da nova experiência. “Está boa, devagarzinho agora a mente vai abrindo e a gente já está indo, soletrando, e é gostoso a gente estudar, aprender pelo menos o básico.”

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A realidade de Rodrigues era a mesma de milhões de brasileiros com mais de 15 anos que não foram alfabetizados. Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, divulgados recentemente pelo IBGE, a taxa de analfabetismo no país caiu de 6,1%, em 2019, para 5,6%, em 2022. No entanto, ainda está longe de atingir a erradicação em 2024, que é uma das metas do PNE (Plano Nacional de Educação).

Segundo a Pnad Contínua, a taxa de analfabetismo no país caiu de 6,1%, em 2019, para 5,6%, em 2022
Segundo a Pnad Contínua, a taxa de analfabetismo no país caiu de 6,1%, em 2019, para 5,6%, em 2022 | Foto: iStock

Segundo a pesquisa, o índice está na casa de 3,9% no Paraná, o maior percentual da Região Sul. São Paulo (2,2%), Santa Catarina (2,2%), Rio de Janeiro (2,1%) e Distrito Federal (1,9%) têm as menores taxas do país, ao passo que Piauí (14,8%), Alagoas (14,4%) e Paraíba (13,6%) têm as maiores.

A coordenadora da EJA em Londrina, Dilceia Cardoso de Lima, explica que 39 escolas atendem a Educação de Jovens e Adultos, com abrangência em todas as regiões da cidade, inclusive nos distritos. Atualmente, cerca de 650 alunos estão matriculados.

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Segundo Lima, há uma tendência de aumento nas matrículas após as chamadas públicas que são realizadas. A última foi em abril e a próxima está programada para agosto. “Geralmente após a chamada pública a gente tem cem, 110 alunos de matrículas novas”, diz.

Na avaliação da coordenadora, a EJA tem papel importante no combate ao analfabetismo. A prioridade é justamente esse trabalho de alfabetização de jovens e adultos, e o corpo docente é qualificado para isso, com formações quinzenais.

EDUCAÇÃO

De acordo com o professor da EJA e mestrando de Serviço Social da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Carlos Roberto de Oliveira, os últimos anos interromperam um processo de políticas públicas voltadas à alfabetização no Brasil.

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“Tudo isso impactou e muito nessa questão [a redução de apenas 0,5% na taxa de analfabetismo entre 2019 e 2022]. A população empobreceu mais ainda. Com a pandemia da Covid-19 muitos idosos e chefes de família faleceram, então as famílias tiveram que se reorganizar, e tudo isso teve um impacto muito grande e a omissão do Estado”, avalia.

Segundo Oliveira, o domínio da leitura e da escrita acaba sendo uma “estratégia de sobrevivência” não apenas voltada à inserção no mercado de trabalho. Muitos educandos relatam que voltaram a estudar para ter mais independência e poder ter acesso pleno à cidade.

“Hoje a educação transcende a questão de só a inserção no trabalho. Ela é essencial, tem que ser considerada enquanto direito humano, até porque as famílias hoje diminuíram, então aquela solidariedade que antes tinha não se encontra muito no dia a dia. Então cada um tem que se virar”, opina.

DESAFIOS

Para o professor, é importante que a EJA seja tratada como uma política pública, e não como um apêndice da educação. Ele aponta como um problema os fatores de ponderação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que são discrepantes.

“O fator por aluno [da EJA] é 0.8. Um aluno dito regular, é de 1.0 a 1.2. Com um aluno da EJA, a escola recebe menos do que com uma criança ou adolescente matriculados no regular”, avaliando que isso pode desestimular municípios a oferecer a EJA.

Além disso, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) determina a realização de chamadas públicas por parte da União, dos estados e dos municípios, mas nem sempre isso acontece. Também, acredita que é necessário fazer um recenseamento para identificar onde estão esses educandos. “Não existe um planejamento estratégico pensando nos territórios.”

Visando o combate ao analfabetismo, o professor cita políticas públicas que garantam a sobrevivência, a oferta de aulas em qualquer turno, o acesso a transporte gratuito e às escolas próximas; além de políticas de assistência, de cultura, de saúde e de raça.

REALIDADE COMUM

Outra londrinense que voltou a estudar é a cuidadora Castorina Batista Antunes, 43, que se matriculou na EJA em agosto de 2022 e decidiu frequentar a escola após o fim do seu casamento. “Eu era casada, meu esposo foi embora, me deixou vendo navios. Na verdade, ele não deixava eu estudar, e eu sempre quis estudar. E aí eu resolvi que ia voltar e vou terminar meus estudos”, pontuando que aprendeu a ler sozinha, mas que ainda não sabia escrever. “Eu comecei a escrever agora.”

Antunes explica que na sala de aula há colaboração entre os educandos. “Aquele que sabe mais, ajuda quem sabe menos. É uma troca”, destacando a união que encontra na Escola Municipal Carlos Kraemer, a mesma frequentada por José Roberto Rodrigues.

Para o futuro, a cuidadora afirma que tem o sonho de abrir seu próprio negócio e pensa em estudar Administração. Outra área de interesse dela é a Enfermagem.

“Eu acredito que nunca é tarde para você começar a estudar, e estudo é tudo para a gente seguir em frente. É uma porta aberta, na verdade, para o futuro. Tem me ajudado muito, eu tenho aprendido muito na escola”, completa.

“O professor tem muita paciência. Ele ensina a gente na calma, não precisa se apavorar, deixa a gente pensar. Estudar é igual jogar bola, tem que ter paciência”, brinca Rodrigues. “A gente vai aprendendo devagarzinho, já sei soletrar um pouco. Tem umas letras que eu não entendo ainda, mas vai dar tudo certo.”

SECRETARIA

Procurada para comentar a taxa de analfabetismo de 3,9% do Paraná, a Seed (Secretaria de Estado da Educação) afirmou, em nota, que a alfabetização de adultos fica a cargo dos municípios, através do EJA. O mesmo ocorre com as crianças que frequentam o Ensino Fundamental I (1° ao 5° ano). Já a rede estadual é responsável pelo Ensino Fundamental II (6° ao 9° ano) e pelo Ensino Médio.

A pasta aponta que mantém o programa Educa Juntos, que auxilia os municípios na melhora da aprendizagem e na alfabetização de estudantes desde a educação infantil.

“Algumas dessas ações são: oferta de avaliações diagnósticas para as redes municipais e estaduais (uma das avaliações já foi aplicada em março), formação continuada aos professores alfabetizadores, além da oferta de material didático de Língua Portuguesa e Matemática para alunos e professores dos 1º e 2º anos do ensino fundamental.”

A Seed também destaca que oferta o SERP (Sistema Educacional da Rede de Proteção) para 296 municípios para monitorar a frequência e combater o abandono escolar, e o RCO (Registro de Classe Online) para 330 cidades.

Outra ação citada é a Prova Paraná, “uma avaliação diagnóstica para averiguar os níveis de aprendizagem dos estudantes em relação aos conhecimentos considerados essenciais para cada etapa de ensino”.