Base de toda a cadeia produtiva, o solo é responsável por fornecer a matéria-prima para a maioria dos alimentos que são consumidos, do pãozinho do café da manhã até a cerveja do fim de semana. Por isso, cuidar do solo é atuar no desenvolvimento e ampliação do potencial produtivo, fazendo com que mais comida vá parar na mesa do brasileiro.

Com toda a sua importância, o solo vem sendo objeto de pesquisa há bastante tempo, mas agora, uma das novidades é o manejo com um cunho biológico, como as plantas de cobertura, que devolvem “vida” para a terra já desgastada.

Telmo Amado, professor da UFSM, fala aos participantes do evento:  "Agora, nós temos um olhar muito mais atento para a parte biológica do solo, que ficou um pouco descuidada ao longo das últimas décadas
Telmo Amado, professor da UFSM, fala aos participantes do evento: "Agora, nós temos um olhar muito mais atento para a parte biológica do solo, que ficou um pouco descuidada ao longo das últimas décadas | Foto: Belagrícola/Divulgação

O professor Telmo Amado, da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), explica que o solo do norte do Paraná é excelente e considerado como um dos mais elevados do país em relação à sua aptidão agrícola. Entretanto, como todo solo, ele tem seus desafios, já que, sem o manejo adequado, até o melhor dos solos pode perder sua capacidade produtiva.

Na região de Londrina, o professor aponta que os solos são argilosos e profundos, mas que, se manejado de forma errada, é suscetível à compactação. Apesar de todos os tipos de solo estarem passíveis de compactação, nos argilosos esse quadro é mais difícil de ser revertido, lembra.

CAPACIDADE PRODUTIVA DO SOLO

Por isso, ele conta que a Belagrícola está com um projeto de construção de um perfil de solo favorável ao enraizamento e à produtividade de culturas, evitando a sua compactação e, consequentemente, a perda do potencial produtivo. “Hoje, nós entendemos essa construção de perfil como um processo que tem um cunho biológico muito grande”, explica. A novidade foi discutida durante o evento Belasafra, realizado em Cambé, de 30 de janeiro a 1º de fevereiro de 2024.

Segundo ele, o condicionamento do solo é feito através de raízes, plantas de cobertura e atividade biológica. “Hoje nós estamos integrando práticas de manejo que têm um cunho biológico muito forte e, quando aplicado pelos agricultores, o potencial de aumentar a capacidade produtiva dos solos e torná-los mais adaptáveis a essas condições de eventos climáticos extremos que nós estamos enfrentando é muito grande”, aponta.

No experimento feito em uma trincheira próxima à Belagrícola, seis plantas estão fazendo a cobertura do solo por um período de três meses, sendo que os estudos já indicam que os 90 dias foram suficientes para um recondicionamento físico e biológico do solo. Junto às plantas, também estão sendo desenvolvidos estudos relacionados à camada subsuperficial do solo, que é a camada que fica 20 centímetros abaixo da superfície.

Entre os meses de dezembro e janeiro, o estudo identificou que, mesmo com as chuvas abaixo da média e com distribuição irregular, aliada às temperaturas altas, os agricultores que adotaram esse tipo de manejo vão ter uma produtividade próxima da sua média histórica. “Por outro lado, agricultores que não se atentaram para as evoluções que aconteceram no manejo do solo estão sofrendo com uma queda de produtividade”, explica.

EVENTOS CLIMÁTICOS

Com condições climáticas cada vez mais extremas e incertas, o professor ressalta que se torna ainda mais importante ter um solo bem condicionado e saudável, além de um perfil de solo construído para ter elevada taxa de filtração no período de altas chuvas e armazenagem de água nos períodos de seca. Esses fatores podem ser o diferencial para uma safra boa ou ruim. “Quanto mais adverso for o clima, mais nós dependemos de um manejo de solo correto”, afirma.

Dentre as plantas de cobertura utilizadas na região norte do Paraná, Amado destaca o milheto, a brachiaria, o capim coracana, a crotalária ochroleuca, a crotalária breviflora e o trigo mourisco. “Essas plantas foram semeadas [no dia] 18 de novembro e elas estão com 14 toneladas de parte aérea, que é uma produção excelente e, mais ou menos, três toneladas de matéria seca de raízes que estão sendo aportadas para o solo. Isso é extremamente importante e está alinhado com as práticas de sequestro de carbono no solo e mostra que hoje nós já temos conhecimento, semente e tecnologia para, num curto espaço de tempo, recuperar o potencial produtivo do solo”, ressalta, complementando que o mercado das plantas de cobertura está crescendo e atraindo cada vez mais agricultores.

Em relação ao tempo em que as plantas de cobertura levam para fazer a recuperação do solo, Telmo Amado explica que as pesquisas ainda estão em andamento, mas caso estejam associadas a outras práticas, a recuperação do potencial produtivo é rápida. “Às vezes pode demorar dois ciclos de uso dessas plantas, mas a corrida é buscar o potencial produtivo do solo no menor espaço de tempo possível”, afirma.

INVESTIR NA TERRA

Como toda a base produtiva vem do solo, investir na terra é investir em uma alta rentabilidade e no potencial produtivo. “Cada vez mais nós estamos entendendo que investir no solo é realmente uma opção assertiva de colher resultados mais à frente”, explica. Entretanto, o desafio é como investir, já que existem diversas opções de investimentos e é necessário ser assertivo.

“A diferença para o passado é que, agora, nós temos um olhar muito mais atento para a parte biológica do solo, que ficou um pouco descuidada ao longo das últimas décadas”, destaca, acrescentando que, por isso, os esforços estão sendo direcionados para insumos que tenham uma recuperação do potencial biológico, que é o que vai sustentar a produtividade ao longo dos anos.

O papel da chuva na renovação do oxigênio

Ricardo Ralisch é professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e aponta que a compactação é um tema muito importante e que precisa ser discutido, principalmente quando se fala sobre a preservação da fertilidade do solo. Ele explica que a compactação do solo é a degradação da estrutura do solo, que pode ser causada tanto pelo aumento da densidade quanto por sua redução. O caso mais grave de degradação é o solo desagregado, que tem muita porosidade.

“A raíz é a chave de toda essa história”, diz o professor da UEL Ricardo Ralisch
“A raíz é a chave de toda essa história”, diz o professor da UEL Ricardo Ralisch | Foto: Divulgação/ Belagrícola

O manejo do solo, a sua exploração e a atividade agropecuária causam a compactação, chamada de ‘artificial’, assim como processos naturais também levam à degradação da estrutura do solo. A compactação, segundo o professor, se agrava ainda mais em solos argilosos, como no caso da região norte do Paraná, já que a densidade do solo é naturalmente alta por causa da argila.

Ele caracteriza que uma boa estrutura do solo tem uma porcentagem adequada de porosidade que permita com que haja uma capacidade de infiltração de água para que, durante chuvas intensas, o solo absorva a maior quantidade para evitar o escorrimento superficial. Entretanto, a quantidade de poros não pode ser muito grande, já que se há muita porosidade o solo consegue absorver a água, mas não retém.

“A porosidade, além de permitir o fluxo de água quando está chovendo, tem que reter essa água quando para de chover, já que é essa água retida no solo que vai ser utilizada pela atividade biológica e pelas plantas no momento em que não está chovendo”, detalha.

MATÉRIA BIOLÓGICA

Diante de um problema complexo, Ralisch aponta que o agricultor precisa preservar a estrutura do solo, sendo que a única forma de prevenir a compactação é através da matéria biológica, como as plantas de cobertura e a microbiologia do solo, que são os fungos, bactérias e protozoários, por exemplo. “Um solo quando começa a empobrecer biologicamente, ele começa a perder a sua capacidade de reestruturar porque quem reestrutura, quem constrói a estrutura do solo, é a biologia”, explica, apontando que quem alimenta o material biológico são as raízes, daí a importância da rotação de culturas.

Do ponto de vista do manejo das culturas, o professor aponta que os agricultores precisam levar em conta a importância que a rotação de cultura tem nas culturas de cobertura, principalmente se associada a uma variedade de plantas diferentes, na estruturação do solo. “A raiz constrói porosidade, constrói os orifícios, os poros e através do crescimento das raízes eu tenho toda uma atividade biológica que vai precisar dessa estrutura”, explica.

Além da porosidade que retém água, o solo também precisa de poros que armazenam ar porque a atividade biológica depende do oxigênio também, assim como as plantas, já que as raízes “respiram”: “elas usam o oxigênio para fomentar as reações químicas para extrair nutrientes do solo”. Esse processo de renovação do oxigênio do solo é feito através das chuvas, já que quando há uma chuva torrencial, a água elimina o ar dos poros. Quando a chuva para e o solo começa a secar, a água vai sendo evaporada para, aos poucos, dar lugar ao ar novamente.

INTERVENÇÃO MECÂNICA

Para reverter um quadro de compactação, Ricardo Radisch afirma que isso depende do grau de compactação que o solo está. No pior dos cenários, em que a compactação tem um grau elevado, sendo que as raízes não conseguem penetrar no solo, assim como ele não consegue “respirar”, o professor explica que é necessário fazer uma intervenção mecânica do solo.

Para os níveis menos graves, são as plantas e as raízes que vão resolver a compactação do solo, sendo que existe a opção pelas mais agressivas, abundantes ou pelo mix de cultura, já que elas fazem a cobertura e o processo de descompactação. “Só que ele é lento, não é rápido, não adianta falar que vai fazer hoje que para o ano que vem está resolvido, tem que ter insistência e tem que ter que monitoramento”, explica.

Como sempre, é melhor prevenir do que remediar quando o assunto é compactação do solo. O professor garante que é muito mais barato evitar o problema do que ter que reverter esse cenário. “A raíz é a chave de toda essa história”, finaliza.