Apesar de produzir e vender produtos saudáveis, nem sempre o produtor rural consome dessa produção
Apesar de produzir e vender produtos saudáveis, nem sempre o produtor rural consome dessa produção | Foto: Shutterstock



Um pensamento natural e simples é considerar que os produtores que vivem no campo possuem uma qualidade nutricional melhor de suas dietas, afinal, eles são os responsáveis por colocar na mesa da população urbana uma gama enorme de alimentos, como os hortifrutigranjeiros, quando se trata da agricultura familiar. Infelizmente, esse raciocínio não é tão simples assim.

As dietas de famílias que moram na zona rural também estão longe do ideal. Uma pesquisa realizada pelo Centro de Ciências Exatas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), no município de Alegre, mostra a gravidade do assunto. A insegurança alimentar e nutricional no campo ainda é uma realidade naquela região e se estende para o País. O estudo foi apresentado na última quarta-feira (3), em Brasília (DF), na oficina sobre Agricultura e Sistemas Alimentares em Nutrição, promovida pelo Painel Global em parceria com a Embrapa (veja matérias nas páginas seguintes).

Na pequena cidade do ES, com cerca de 30 mil habitantes, metade são produtores, sendo 70% deles agricultores familiares. Foi realizada então uma investigação do consumo alimentar de 168 pessoas de quatro comunidades rurais. Se o índice ideal da dieta era acima de 80 para se considerar adequado, o resultado final ficou em 49,4. "O que constatamos foi um baixo consumo de frutas, leite e derivados. Por outro lado, um excessivo consumo de óleo, gordura saturada, sódio e açúcar. Eles vendem produtos saudáveis, mas não os consomem. Eles fazem uma dieta de muito sal, açúcar, gordura e fritura", explica Neuza Brunoro Costa, diretora do Centro de Ciências Exatas e Naturais da UFES.

Com isso, a pesquisa constatou um excesso consumo calórico em 70% da população, proteína insuficiente em 30%, excesso do consumo de lipídios em 50% dos casos e, por fim, fibras abaixo da recomendação ideal. "42% da população estava com excesso de peso", decreta Neuza.

Foi realiza então um programa de reeducação alimentar com 81 produtores da área. A ideia era trabalhar também com os alimentos biofortificados, mas infelizmente uma seca grave de três anos acabou não ajudando na produção das variedades. "Fizemos então um trabalho com palestras, livros de receitas e dicas nos quais se mostrava o risco das doenças e incentivava o plantio de hortaliças para consumo deles. Depois dessa intervenção, vimos um aumento do índice de 49 para 58, ainda longe do ideal, mas uma melhora. A qualidade das dietas melhorou, inclusive com a aumento significativo de consumo de vegetais e derivados do leite", complementa a pesquisadora.

PNAE FORTALECE AGRICULTURA FAMILIAR
Se de um lado os agricultores familiares estão longe de uma dieta ideal, por outro, a comercialização dos seus produtos tem feito toda a diferença para a nutrição da população, principalmente crianças. A expectativa do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) é que entre 2016 e 2019 sejam investidos R$ 2,5 bilhões por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar, sendo metade deste valor destinado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). "Queremos fortalecer essas mudanças de hábitos (alimentares) que consideramos tão corretos com as escolas. É lá que as crianças passam a maior parte do tempo, que se alimentam e aprendem os bons hábitos", salienta o Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutrição, do MDSA, Caio Rocha.

De fato, os números do PNAE são significativos, ajudando na renda da agricultura familiar e, claro, nutrindo o estudantes. São 41 milhões de alunos e 130 milhões de refeições diárias em todos os estados do País. O fomento é por alimentos in natura e minimamente processados. Os três principais grupos de compra são carne, cereais, leite e derivados. Aliás, existe uma resolução do Ministério da Educação que é obrigatório a oferta de frutos e hortaliças na quantidade de 200 gramas por semana. "Estamos regulando a questão do sal, da gordura, dos processados e discutindo a taxação de bebidas açucaradas (refrigerantes). O Brasil é um dos países mais evoluídos nesses processos. Por outro lado, temos um grande caminho a percorrer, porque ainda são 7,2 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave, ou seja, que não se alimentam todos os dias".