As pesquisas sobre carne produzida em laboratório avançam a cada dia no Brasil, mas a popularização desse tipo de invenção ainda está longe de acontecer.

Vivian Feddern, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, destaca que hoje o que se tem no Brasil são protótipos, porém mais testes ainda são necessários. “É necessário submeter a avaliação dos produtos desenvolvidos para os órgãos competentes, como a Anvisa e o Ministério da Agricultura e Pecuária”, pontua.

A pesquisadora Vivian Feddern: Embrapa Suínos está com três pesquisas sobre carne celular no momento
A pesquisadora Vivian Feddern: Embrapa Suínos está com três pesquisas sobre carne celular no momento | Foto: Lucas Scherer/Embrapa/Divulgação

A Anvisa já deu sinal verde à carne por cultivo celular no Brasil, ao publicar a Resolução RDC nº 839, em dezembro do ano passado. A norma dispõe sobre a comprovação de segurança e a autorização de uso de novos alimentos e novos ingredientes. Isso significa que a agência vai receber os produtos para autorizar o ingresso deles no mercado, após análise.

Não param de surgir novas pesquisas para produção de carne em laboratório. A pesquisadora pontua que várias instituições estão aprovando e elaborando projetos do tipo, como UFMG, Cefet/MG, UFPR, UFSC, Unicamp e USP.

A Embrapa Suínos e Aves, por sua vez, está conduzindo três pesquisas do tipo. Em 2021, a empresa pública participou do edital internacional do GFI (The Good Food Institute), sendo contemplada com a aprovação para criar uma carne de frango em laboratório.

As atividades começaram em 2022, quando chegaram recursos. A pesquisadora explica em que fase a pesquisa está no momento. “Estamos produzindo protocolos otimizados para produção dos miotubos que perfazem as fibras musculares, que são a etapa mais importante do processo, pois são eles que vão conferir o conteúdo proteico do produto.”

Além dessa pesquisa, a Embrapa Suínos está iniciando neste ano projetos com duas empresas, de Porto Alegre e de Niterói, para desenvolver “carne de laboratório”.

AVANÇO

Entre as pesquisas mais adiantadas nessa direção está a promovida pela Sustineri Piscis, primeira startup brasileira a produzir carne genuína de pescado marinho por cultivo celular.

As pesquisas começaram na startup há pouco mais de três anos, em janeiro de 2021. Em agosto de 2023, o bolinho de robalo foi servido numa degustação em um restaurante no centro do Rio de Janeiro, feito inédito realizado por uma startup no Brasil.

Marcelo Szpilman, CEO da Sustineri Piscis, mostra bolinhos de robalo: pescado obtido por cultivo celular
Marcelo Szpilman, CEO da Sustineri Piscis, mostra bolinhos de robalo: pescado obtido por cultivo celular | Foto: Divulgação

Até o momento, foram produzidos em laboratório cerca de 500 gramas de carne de robalo em um biorreator de bancada com capacidade para 2 litros.

Esta primeira fase de pesquisas já consumiu R$ 5 milhões, produto de investimentos por parte do CEO e de outros seis investidores, entre eles o maior distribuidor de pescados do país.

A produção da carne por cultivo celular parte do robalo vivo, sendo que dele foram retiradas as células musculares e levadas ao laboratório, onde ocorre o processo de reprodução celular.

“Em um ano de pesquisas, foi possível atingir uma linhagem celular imortalizada, de modo que é possível produzir toneladas e toneladas de peixe a partir dessa matriz já obtida”, explica Marcelo Szpilman, CEO da Sustineri Piscis.

As células dessa linhagem são colocadas no biorreator, equipamento que faz com que as células cresçam e se reproduzam, transformando-se na massa proteica do robalo, ou seja, a carne de robalo.

FASES

A próxima fase da pesquisa da startup é promover o escalonamento e o barateamento dos custos de produção, com a aquisição de biorreatores com capacidades bem maiores de produção – de 50 e de 100 litros. Por fim, chega-se à fase industrial, quando se amplia a escala do produto.

Szpilman destaca que ainda não há uma projeção do montante de investimentos necessários para viabilizar essas fases, mas o prognóstico é positivo. “Estamos conversando com vários investidores e essa questão vai evoluir bem.”

Segundo o CEO, a expectativa é que essa carne de robalo chegue ao consumidor final até 2028, mas para que se popularize é preciso mais tempo.

NO MUNDO

A previsão é que neste ano, nos Estados Unidos, as empresas Upside Foods e Good Meat comercializem carne produzida em laboratório, já que ano passado ambas empresas obtiveram autorização para isso, após análise criteriosa da segurança dos alimentos que elas produzem.

Imagem ilustrativa da imagem Pesquisas sobre carne celular avançam, mas popularização ainda está longe
| Foto: Gustavo Pereira Padial

“Para alcançarmos uma produção em grande escala com um preço acessível é necessário que os insumos utilizados na produção sejam mais baratos. Para tal, é necessário fomento para pesquisa nessa área. O preço final dependerá do valor dos insumos. Em teoria, é possível que a carne cultivada a longo prazo tenha um preço final mais acessível, esse é o objetivo”, pontua Vivian Feddern, pesquisadora da Embrapa Suínos.

Hoje, no mundo, não há nenhuma produção de carne a partir do laboratório que esteja em larga escala.

“Existem restaurantes nos Estados Unidos e em Israel que oferecem esta opção em seu menu, por exemplo. Eu diria que os países mais adiantados são os EUA, Singapura e Israel, pois já têm legislação neste sentido. Outros que possuem startups/empresas são a Holanda, onde tudo começou em 2013 com Mark Post, Alemanha, África do Sul, Austrália, China, República Tcheca, Coreia, entre outros”, conclui.