Os indícios de corrupção entre fiscais federais agropecuários e empresários de 21 frigoríficos investigados pela Polícia Federal (PF) indicam mais a crimes contra as relações de consumo do que ameaças à saúde pública, na opinião de especialistas em sanidade animal ouvidos pela FOLHA. Ainda, eles acreditam que as infrações apresentadas na Operação Carne Fraca representam uma parcela de menos de 0,5% do total de mais de 4,8 mil indústrias do setor e não servem para atestar a ineficácia do sistema de fiscalização nacional.

Em entrevista coletiva no último dia 17, em Curitiba, o delegado da PF Maurício Moscardi Grillo, um dos responsáveis pela operação, afirmou que as principais adulterações em produtos alimentícios eram o uso de ácido ascórbico e outras substâncias químicas para melhorar a aparência e o cheiro de carnes estragadas. Há relatos também de substitutos em embutidos para carnes de maior valor, como proteína de soja, frango ou carne mecanicamente separada (CMS) em substituição ao peru. Em uma das escutas telefônicas, um funcionário de frigorífico cita o uso de cabeça de porco em linguiça frescal e, em outra, colocar CMS "em papelão".

O uso de cabeça de porco ou de carne mecanicamente separada (CMS) é proibido  para a linguiça do tipo frescal, mas ambas podem ser usadas em embutidos, desde que constem no rótulo
O uso de cabeça de porco ou de carne mecanicamente separada (CMS) é proibido para a linguiça do tipo frescal, mas ambas podem ser usadas em embutidos, desde que constem no rótulo | Foto: Shutterstock



O coordenador de Defesa Agropecuária da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Decio Coutinho, afirma que é preciso penalizar os responsáveis por adulteração de produtos e fiscais corruptos. "Não importa o tamanho, quem foi venal tem de ser punido", diz. "Mas não se pode misturar o que é corrupção com a qualidade do serviço de toda uma indústria", completa.

Coutinho pede que aspectos técnicos embasem as investigações. A cabeça de porco ou a CMS, por exemplo, podem ser usadas em embutidos, desde que constem no rótulo. Porém, em uma das transcrições de escutas, um funcionário de frigorífico afirma que usar esses derivados é proibido para a linguiça do tipo frescal, o que realmente é verdade para tal variedade apenas, o que explica a confusão na comunicação da operação. A vantagem, novamente, seria econômica, mas sem risco à saúde. "Vá ver se houve alguma notificação nos órgãos de saúde do Paraná sobre surtos causados por intoxicação alimentar, gastroenterites, se houve anomalia no período", diz o representante da CNA.

Inácio Kroetz, da Adapar, usa os números dos envolvidos na Operação da PF como forma de tranquilizar a população: somente 33 de 11 mil fiscais são investigados
Inácio Kroetz, da Adapar, usa os números dos envolvidos na Operação da PF como forma de tranquilizar a população: somente 33 de 11 mil fiscais são investigados | Foto: Fábio Alcover/21-06-2016



O presidente da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Inácio Afonso Kroetz, afirma que não há registro de intoxicações. "Não teve nada do tipo (notificação de surto provocado por alimentos) nos estados do Sul no período", conta. Ele afirma que não há como um problema do tipo passar em branco e cita um exemplo chinês. "Em 2008 houve o caso do uso de melanina no leite, que matou crianças e que representa um desses sinais de alerta", diz.

No caso da salmonela no frango, Kroetz cita outro erro de comunicação da Operação Carne Fraca. Ele afirma que, sem testes laboratoriais, não é possível determinar que a carne é prejudicial à saúde por conter salmonela. "Só dois tipos dos 2,4 mil conhecidos é que são patogênicas e existe um nível permitido, o que também é a justificativa para não se comer carne de frango crua."

Por isso, Kroetz busca tranquilizar a população. "Na região Sul, são 1.117 indústrias, 363 destas no Paraná, que é o universo que abastece a população da região. É muito difícil que essa corrupção seja sistêmica", cita, ao completar que somente 33 de 11 mil fiscais são investigados.