Quantas vezes voltávamos correndo para casa com goiabas nas mãos, as mais bonitas, assim como as mangas, as jabuticabas, sempre a mesma coisa, era lei. Com as tangerinas da chácara da minha avó, ou descendo a rua, descalços, o sorvete derretendo nas mãos, escorrendo pela roupa, tínhamos que levar para os irmãos, para a mãe. Não conseguíamos comer sem que todos também provassem, nem que fosse um pedacinho. Lembro de dividir o chiclete em duas, três partes... e todos ficavam mascando e saboreando aquele gosto e cheiro bom. E a carne de porco no prato amarrado com um pano que ia para as vizinhas, as comadres, as tias? E voltava, podia escrever, no mesmo prato - dependendo só do dia em que o porco era abatido nas casas - o milho verde que vinha do sítio, café torrado, frango, frutas. Eram trocas não comerciais mas atendiam, em nome da amizade, às necessidades uns dos outros.

Outra coisa muito comum eram os ofícios, principalmente entre as mulheres, na época, bem limitados. Mas elas ensinavam umas às outras a bordar, a fazer tricô e crochê, a cozinhar e a costurar. Lembro de minha mãe, costureira, ensinando o ofício a uma amiga para que pudesse sobreviver e cuidar dos filhos, pois o marido era bêbado, não trabalhava e ainda batia na mulher (coisas do passado, claro).

Então essa mulher passava a ter sua independência financeira e podia ter uma vida melhor com aquele bando de filhos.

Falando em filhos, todas as vezes que uma mulher “adoecia”, isto é, tinha um bebê, criava-se uma rede de apoio para ela, antes e depois do parto: visitas, remédios caseiros, benzimentos, roupinhas usadas, ajuda para cuidar da casa, dos outros filhos, lavar roupas, fazer comida, enfim, tudo o que todas precisavam, que lhes era comum, pelo menos até acabar a “dieta, o resguardo”.

Em cidade pequena as pessoas se conheciam, tinham muito em comum, e se ajudavam entre si, talvez porque soubessem se colocar no lugar, ou melhor, nos problemas, nas necessidades e nas dores umas das outras. As mulheres, principalmente, mas os homens também colaboravam entre si, principalmente, em mutirões para a colheita, para as reformas e construções das moradias, cercas, os serviços do dia-a-dia, os apertos da vida e (por que não?) se juntavam para os baralhinhos e a bocha também.

Esse tempo chamado passado foi ficando cada vez mais distante mas os costumes marcaram tanto que continuam até hoje. A gente vai lembrando do vovô Mário nos visitando toda semana, sacolinha na mão, nunca de mãos vazias, e esse hábito foi se perpetuando a ponto de nos perguntarmos, quando saímos de casa para visitar alguém:”O que eu posso levar?“ Ou então, procurando saber, em qualquer ocasião: o que você está precisando, posso te ajudar? Entre a família, os vizinhos e amigos sempre foi muito espontâneo esse gesto.

A cocada da Exposição, o docinho de aniversário, a lembrancinha da praia, a comida diferente, a mudinha de flor, as alegrias, as tristezas... tudo isso era partilhado, acolhido, retribuído, abria sorrisos de satisfação.

Crescendo nesse meio e desse modo, a gente ainda tenta resistir, evitando ser “mais um ser solitário no caminho”.

Tem coisas que fazemos na vida com boa ou até sem intenção, mas só vamos entender mais tarde, quando não se pode mais voltar atrás para reviver aquele momento, aquela situação. A vida é cheia deles mas cada um é único e infelizmente não se repete. E a gente vai semeando, sem saber, porque a vida é um campo.

Ainda guardo uma lembrança de minha avó Luiza, velhinha, plantando um pé de carambola. Dizia que era para os netos, que ela não ia “durar” para comer os frutos. Um gesto simples e pequeno, um grande exemplo .

Hoje, distantes desse tempo que se chama passado, ainda acredito que nos cabe a tarefa de plantar boas sementes de solidariedade para que a colheita venha (mesmo que não sejamos nós a desfrutar) trazer as flores que embelezam, os frutos que trazem fartura para as mesas e, principalmente, a alegria que faz bem ao coração.

Uma crônica de Estela Maria Frederico Ferreira - Assinante e leitora da Folha - Londrina PR