A China tem fome e tem dinheiro
É recorrente o alerta sobre a necessidade de aumentar a produção de alimentos, visto que a população humana está crescendo por conta do nascimento de mais gente e, também, porque os idosos estão vivendo mais e consumindo por mais tempo. Era de 50 anos a expectativa de vida do brasileiro há meio século. Hoje está próxima dos 80 anos. E tem mais, somos alertados que precisamos produzir mais, mas sem incursionar sobre novas áreas de cultivo. Derrubar matas nativas, nem pensar. Ou seja, precisamos produzir mais nas terras que já ocupamos incrementando a produtividade sustentavelmente, via uso de mais e melhores técnicas de produção.
O problema da baixa produtividade não está na falta de modernas tecnologias para uso nos processos produtivos, mas na falta de uso delas por grande contingente de produtores rurais. Tecnificar os processos produtivos não é só valer-se de novas variedades ou dos agrotóxicos mais recentes. É, principalmente, manejar o solo e a cultura de forma mais racional. Um solo produtivo não se forma num passe de mágica. Precisa ser construído ao longo de anos de manejo bem conduzido, culminando com uma camada superficial porosa e rica em matéria orgânica, que alimenta a planta e armazena água para suportar estresses hídricos eventuais.
Observa-se, mundo afora, uma enorme diferença entre as produtividades obtidas pelos pesquisadores nos centros de pesquisa e a realidade vivida pelos agricultores, principalmente os pequenos, que são maioria em países emergentes como China, Índia, Indonésia e Brasil. Se todos os produtores utilizassem o conjunto de tecnologias já disponível, a produção de alimentos poderia mais do que dobrar, sem acrescentar um só hectare às áreas já cultivadas.
Dada sua enorme população, alto crescimento econômico e pouca disponibilidade de terras agrícolas, a China criou, em 2009, o programa "quintais de ciência e tecnologia" destinados a resolver o problema da baixa produtividade agrícola no país. Foi um sucesso, para o que muito contribuiu a estratégia de enviar os cientistas a morar nas vilas onde o programa foi implementado. Nessas comunidades, os cientistas identificaram os agricultores líderes e em suas terras testaram as técnicas utilizadas nos centros de pesquisa. Assim que os resultados eram obtidos, os mesmos eram discutidos com a comunidade, feitos ajustes e, no ano seguinte, adotados. Práticas equivocadas passadas de pais para filhos ao longo de décadas ou séculos foram identificadas e corrigidas.
Em cinco anos, a produtividade das comunidades assistidas aumentou de 63% para 79% do rendimento obtido nas estações experimentais, e a dos agricultores líderes aumentou de 69% para 97%.
A estratégia de colocar o cientista diretamente em contato com os usuários da tecnologia, visando encurtar o tempo gasto no processo de geração-transferência-adoção da tecnologia, merece análise e considerações. Ela só serve para a China?! Talvez se constitua numa boa ideia para o Brasil.
Se bem os Quintais de Ciência e Tecnologia produziram bons resultados na promoção da produção de alimentos na China, sua enorme população precisa muito mais do que isso e o Brasil está na frente dos potenciais fornecedores do alimento que falta ao povo chinês. O impressionante crescimento da economia chinesa, cujo PIB era 30% menor que o do Brasil em 1990 e hoje é quatro vezes maior, promoveu o aumento da renda per capita daquele povo, induzindo-a a consumir mais carnes e menos grãos. A carne pode ser produzida localmente, utilizando a grande produção chinesa de cereais (milho, principalmente), que fornecem o carboidrato, mas terá que importar a soja, principal fonte de proteína ou terá que importá-la de fornecedores globais, como o Brasil, que tanto pode fornecer a carne, quanto a matéria prima para produzi-la: soja e milho.

Amélio Dall’Agnol, pesquisador da Embrapa Soja