"Precisamos olhar ao mesmo tempo para fora e dentro de nós. Olhar para si como pessoa", diz a psicóloga analítica junguiana Sonia Vaz
"Precisamos olhar ao mesmo tempo para fora e dentro de nós. Olhar para si como pessoa", diz a psicóloga analítica junguiana Sonia Vaz | Foto: Fábio Alcover


O beco em que a história jogou os brasileiros é perturbador e parece não ter saída. Para a grande maioria, escapar de ser emparedado pela maior crise política e econômica, juntamente com a expectativa de um futuro melhor, se tornou uma batalha de titã. Há quem acredite que sairemos amadurecidos desta situação caótica. Mas o que cada um pode fazer enquanto isso não acontece?

Antes de apontar caminhos, a psicóloga analítica junguiana e psicoterapeuta corporal Sonia Regina Lunardon Vaz mostra o céu de chumbo sobre o País, que contribui para o sentimento de desesperança, que se abate a cada novo acontecimento nacional.

"De um lado a gente percebe que a democracia está ameaçada e de outro o neoliberalismo que deseja que tudo se volte para a economia. As pessoas ainda estão se apegando às ideologias, que não cabem mais neste momento. Não cabe mais falar em direita e esquerda. Enquanto estamos lutando por direita e esquerda, estaremos fomentando o neoliberalismo. O que caberia, então, em termos políticos? O cooperativismo. A pergunta é: ‘Por que obedecemos a este estado de coisas?’ Citaria, como exemplo, a Experiência de Milgram em que os participantes tinham que obedecer às ordens do instrutor, mesmo que fossem conflitantes com a sua consciência. Qual o limite da aceitação?"

O questionamento da psicóloga abarca grande parte da sociedade brasileira que se sente encurralada ao ver as aspirações pessoais sendo jogadas no lixo, diante do negativismo frente à falta de uma solução para o País.

Vaz compara que esta é a mesma sociedade que há 30 anos se assustou com o surgimento de crianças neuróticas. E hoje convive com o desenvolvimento de psicoses também nos pequenos.

A psicóloga orienta que uma das primeiras coisas a serem feitas para escapar do beco sem saída do atual momento é tomar para si a autoridade sobre a própria vida.

"Temos que mexer num vespeiro, que são as crenças da religião e da política. Precisamos nos fortalecer. A sociedade ocidental sempre olha para fora e a oriental para dentro. Precisamos olhar ao mesmo tempo para fora e dentro de nós. Olhar para si como pessoa. Aprender que a razão pode ser permeada pelas emoções", assegura.

Na experiência citada por Vaz e realizada pelo psicólogo social norte-americano Stanley Milgram, em 1961, dois voluntários em salas separadas recebiam instruções, um deles na função de professor e o outro de aprendiz.

O aprendiz recebia do professor pequenas tarefas e se não completasse levava um choque elétrico. A intensidade dos choques aumentava a cada erro.

No decorrer do teste, vários professores demostraram incômodo com o processo. Porém, ao serem informados de que não seriam responsabilizados, prosseguiam.

"O limite que temos que suportar nesta sociedade é sempre o sofrimento humano. Se está nos causando sofrimento ou à outra pessoa, é hora de parar. Só que para uma mudança é preciso exercer a autoridade sobre si mesmo", conclui Vaz.

Imagem ilustrativa da imagem Autoridade sobre si mesmo
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Disposição para sair do desencanto
Os jovens são os mais atingidos pela onda perturbadora nacional, mas na avaliação do professor Ronaldo Baltar, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Centro de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina (CCH-UEL), quando os destroços da crise baixarem, o Brasil terá uma nova chance.
Oportunidade que os brasileiros não devem depositar em outras mãos que não as suas. "É triste ver, principalmente, a juventude sem perspectiva. Em conversas com os estudantes, tanto universitários quanto do ensino médio, observamos que não falam muito em futuro no Brasil. Diferente de outras crises, como as dos anos de 1980 e 1990, quando a impressão que se tinha era de que passariam logo, que o país voltaria a crescer. Parece que o brasileiro perdeu esta dimensão por conta de tudo o que está acontecendo. Mas, vejo algo de positivo e que não aconteceu no passado. As pessoas estão reivindicando mais, não só diretamente aos políticos, mas nas vizinhanças e nas redes sociais. Tem acontecido mais solidariedade e busca por alternativas entre as pessoas. Se o Brasil não é mais o país do futuro, as pessoas decidiram fazer o futuro agora. Tem havido desencanto, mas as pessoas estão dispostas a mudar isso", avalia Baltar.
Neste ambiente em que tudo germina também podem irromper salvadores da pátria. Na opinião do professor, eles não terão sucesso.
"O Brasil tem vivido também momentos de polarização, causada pela questão ideológica partidária e também pela desigualdade, que é a não aceitação da igualdade. Isso foi potencializado nas redes sociais. Porém, tende a diminuir a partir do momento em que consigamos abarcar a diversidade de maneira efetiva. Para isso é preciso fazer valer a regulamentação de direitos", acredita Baltar, acrescentando que é melhor que essas tensões apareçam no debate e se resolvam em políticas públicas.
Mas, e onde está a perspectiva de um país do futuro, como fizeram os brasileiros crer?
O professor olha para as paredes do beco em que os brasileiros se sentem, tentando enxergar o que tem do outro lado.
"Não será fruto de um desenvolvimento econômico, como muitos esperam, mas de um amadurecimento. Hoje, o País está se chocando contra si porque está encarando as diferenças. O problema é não estarmos vivendo institucionalmente a diversidade em que todas as minorias precisam ser ouvidas e ter legitimidade. Vencidas estas demandas, teremos a construção de um Brasil novo, tolerante e inclusivo", espera Baltar. (F.L.)