O sociólogo Paulo Bassani: "Os próximos anos devem trazer capítulos de retrocesso para o planeta"
O sociólogo Paulo Bassani: "Os próximos anos devem trazer capítulos de retrocesso para o planeta" | Foto: Anderson Coelho



O governo do presidente americano Donald Trump tem lançado diversas incertezas sobre as expectativas e acordos geopolíticos mundiais. Eleito segundo uma agenda que reflete o avanço das políticas conservadoras no mundo, os primeiros reflexos já se fazem sentir sobre a economia e as políticas de migrações populacionais.
Um terceiro reflexo do avanço do republicano deverá recair sobre o Meio Ambiente, já que alguns dos compromissos internacionais celebrados desde a Conferência Rio 92 encontram ampla resistência em seu gabinete. Até mesmo as relações entre a ação humana e o aquecimento global, aceitas pela maior parte da comunidade científica mundial, são questionadas por Trump e pelos novos dirigentes da Agência de Proteção do Meio Ambiente (Environmental Protection Agency, EPA na sigla em inglês).
Diante deste cenário em mudanças, o sociólogo Paulo Bassani, há 32 anos no departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL), vê graves riscos de retrocesso na agenda ambiental dos próximos anos. Trabalhando desde a Rio 92 com a sociologia ambiental, Bassani acredita que alguns dos principais acordos sobre mudanças climáticas podem ser colocados em risco pelo governo Trump, com trágicas consequências sobre o meio ambiente mundial.
Vinte e cinco anos separam o presente da Rio 92 – mesmo período de sua atuação na sociologia ambiental. O que este tempo significou para a questão ambiental no mundo?
A Conferência do Rio, de fato, junto com conferências anteriores, foi um pontapé muito forte na percepção dos problemas ambientais. Não só na Academia, com a criação de cursos específicos de graduação e pós-graduação, mas na sociedade, com a discussão sobre a educação ambiental, mudanças de hábitos e costumes, a questão do consumo e a relação do capitalismo com a natureza. Como educador, tenho a nítida impressão de que isso chegou no ensino fundamental, médio e universitário de uma maneira que não havíamos experimentado antes. Do ponto de vista social, acho que estamos ainda absorvendo a melhor maneira de incluir essa temática nas políticas públicas e como esse rebatimento chega à vida prática da população.

E em nível governamental?
Vejo uma dificuldade muito clara por parte dos governos, que seriam responsáveis por determinar políticas de regulação da relação entre a ação humana e a natureza. Este é um agente extremamente forte e não basta um belo discurso. Práticas efetivas ainda não foram construídas para desmantelar esse processo e construir outro no lugar, mais dialógico e horizontalizado na relação do homem com a natureza. Houve um incremento sim, com novos escritos, tratados, projetos, talvez seja uma das áreas temáticas mais tratadas na sociedade. Vieram os ministérios e secretarias de meio ambiente e há um rol de questões que até os anos de 1970 não existiam. Mas ainda precisamos encontrar um denominador para as próximas décadas que consiga reunir todos estes elementos numa prática política mais efetiva.
Foi uma surpresa, ao final destes 25 anos, o surgimento de uma liderança como Donald Trump? Que impactos as mudanças na superpotência podem trazer para a qualidade ambiental do planeta?
Diria que não se trata de uma novidade porque está ocorrendo no mundo toda uma guinada conservadora. Vejo como um retrocesso do ponto de vista das conquistas que tivemos, sobretudo em comparação aos oito anos do governo de Barack Obama. Sobre os impactos, lembro aqui dos ensinamentos de dois cientistas. Primeiro, Ilia Prigogine, que falava da era das incertezas. O outro, do alemão Ulrich Beck, que alertava sobre a sociedade de riscos. Eu diria que, com a eleição de Donald Trump, tudo isso se potencializou. Há um processo em curso que a gente não sabe exatamente aonde vai levar, mas tudo indica que serão anos de muitas incertezas e de altos riscos para a sociedade mundial. Os próximos anos devem trazer capítulos de retrocesso para o planeta.

Do ponto de vista ambiental, quais são os maiores riscos?
Os interesses da indústria bélica, petrolífera, de minérios, dos oleodutos, tudo aquilo que vinha sendo questionado pelo governo de Barack Obama, agora se revela de outra maneira e irá ganhar muito mais espaço. O Acordo de Paris, que foi ratificado no final de 2015 por Barack Obama e que reflete os esforços de mais de 20 conferências climáticas anuais, as COPS, o presidente Trump já anunciou que não irá mais ratificar. Esse Acordo é uma tentativa de conter a emissão de gases de efeito estufa para que a temperatura do planeta até o ano de 2100 não aumente até 2ºC. Tenta-se buscar um limite, de 1,5ºC, e fazer uma revisão, e aí há todo um compromisso que os Estados Unidos, ao não ratificar, coloca sob implicações seríssimas. Por que a China iria ratificar se os Estados Unidos, que são o maior poluidor, não irão? Além disso, há as implicações da redução de investimentos em energias renováveis, como eólica, solar e os biocombustíveis, que comprometem a preservação dos biomas e da biodiversidade, não só norte-americana, mas dos mares, do Ártico, da Antártida. Se você tem a indústria bélica e petrolífera subsidiando e garantindo a permanência deste governo, obviamente que as coisas ficarão bastante difíceis nos próximos anos.

Diante de tudo, como direcionar nossas ações como cidadão, em nosso próprio ambiente? Como ficam as atitudes de cada um diante deste novo cenário mundial?
Olha, é como já se disse na música: apesar de você, há de ter outro dia, não é? Apesar de você, a gente tem que continuar, continuar a ler, a educar e preparar as pessoas para estes desafios. A educação, não apenas ambiental, mas como um todo, deve se direcionar à construção de uma democracia de alto teor, participativa. Este despertar é importante para que, apesar de tudo, consigamos manter o processo de melhorias e construir um amanhã melhor do que o hoje.