Fernando Mangieri Sobrinho não faz as contas, quando o assunto é tempo. Porém, a trajetória do médico ginecologista e obstetra de Londrina é uma certeza da relatividade temporal, se movidos pelo ardor ao trabalho e tudo o que realizamos.

"O que eu mais sinto é não ter registrado tudo isso em um caderno. Confiei na memória. Porém, não basta para lembrar tantas coisas", afirma o médico, diretor clínico do Hospital Evangélico e preceptor da Pontifícia Universidade Católica (PUC Londrina).

Para quem vive em ritmo de urgências e emergências, rotina dos hospitais, a premência do tempo é ainda maior. Mangieri não deixa os dias passarem à sua frente, roubando lugar do que é importante: a família e a medicina.

São mais de 40 anos de casado, três filhos e um número incontável de partos, que a memória – essa danada – guarda segredo. A idade, o médico não revela. Porém, para os que o admiram como amigo e profissional da área médica e como docente por mais de 30 anos do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a chance de fazer as contas é agora, já que Mangieri confidencia que nasceu em 1934.

Fernando Mangieri Sobrinho: "Não senti o tempo passar. Trabalho do mesmo jeito que sempre trabalhei. Se uma paciente liga de madrugada, eu vou atendê-la"
Fernando Mangieri Sobrinho: "Não senti o tempo passar. Trabalho do mesmo jeito que sempre trabalhei. Se uma paciente liga de madrugada, eu vou atendê-la" | Foto: Gina Mardones



O médico é do interior do Sul da Bahia. O pai, o também médico José Mangieri, conheceu em São Paulo um farmacêutico que disse que Sertanópolis, no Paraná, era um eldorado, com potencial de prosperidade que a transformaria, em pouco tempo, no que é hoje Londrina.

"Quando eu tinha dois anos de idade, a minha família mudou-se para Sertanópolis. Os meus pais se separaram e o meu pai colocou eu e os meus dois irmãos em um colégio interno salesiano, em Campinas. Buscava a gente só no final do ano", conta Mangieri. Anos mais tarde, o pai mandou os meninos para o Pensionato Acadêmico, em Salvador.

Mangieri fez amizade com um rapaz do Maranhão, que o incentivou a estudar Farmácia. Desistiu, optando por Medicina na Faculdade de Medicina da Bahia, tradicional escola fundada em 1808. O jovem médico Fernando Mangieri Sobrinho voltou para o Paraná. Morou em Rancho Alegre, cidade onde o pai arrendou um hospital.

"Um dia, apareceu um caminhão na frente do hospital. O prefeito de Sertanópolis mandou buscar minha mudança. Eu tinha pouca coisa. Uma cama e nada mais que isso", afirma, acrescentando que morou ainda em Campinas para fazer estágio e em Ribeirão Preto, onde fez mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo (USP).

DESAFIOS
Porém, Sertanópolis foi a cidade que viu nascer o médico que, nos anos de 1960, enfrentou muitos desafios."Existia um hospital em Uraí. Os pacientes que não podiam pagar cirurgia, a gente pegava os sábados e domingos para operá-los. Eu atravessava de balsa o Rio Tibagi. Eu mesmo fazia a anestesia. Tinha ainda o José de Carvalho, que todos conheciam como o José Enfermeiro, que também anestesiava os pacientes. Às vezes, chovia e não podíamos atravessar o rio de balsa. Então, eu passava pegar o José e íamos para Uraí por Londrina", lembra.

Mangieri acrescenta que, entre os contratempos, era comum não ter banco de sangue perto e, às vezes, faltava soro. Quando chovia, o motorista tinha que buscar tudo em Londrina. Acorrentava o carro para não ir embora na enxurrada. "Sertanópolis ficava sem acesso. Melhorou muito quando Dalton Paranaguá foi secretário estadual de Saúde. Se ele continuasse no governo, Sertanópolis seria um polo de Saúde", acredita Mangieri.

O médico se aposentou como docente da UEL, em 2006. A vida universitária foi vivida em intensidade. "Queria que todo o SUS tivesse o atendimento que temos no HU. Gosto dessa vida universitária e tenho vários amigos, residentes meus, que hoje têm projeção nacional", conta o médico que, assim como herdou do pai a profissão, o filho Luis Fernando Lasaro Mangieri o segue na Medicina e docência.

Em Londrina, Mangieri começou trabalhando, à noite, no consultório do doutor Jonas de Faria Castro. Médico de formação em cirurgia geral e ginecologia, a partir dos anos de 1970, Mangieri se dedicou, exclusivamente, à saúde da mulher e a receber bebês ao mundo, enfrentando partos de risco.

MIOMAS
O médico lembra um dos casos mais difíceis que atendeu. O de uma mulher que descobriu que tinha miomas e estava grávida. "Por volta da vigésima semana, a mãe foi internada com hipertensão e pré-eclâmpsia. A médica que fazia o pré-natal desistiu da paciente. Consegui levar o parto até a trigésima quarta semana. O nefrologista, que também acompanhava o caso, me ligou algumas semanas antes, e pediu para que antecipasse o parto. Segui em frente. Eu via que a criança estava com vitalidade. Um dia antes da cesárea, internamos a mãe e operei também os miomas. Foi como se ela estivesse grávida de gêmeos. A criança nasceu com 1,6 quilo e o mioma maior com 1,5 quilo", lembra.

Mangieri mantém a rotina de atendimentos em seu consultório e, para os que querem fazer a conta exata dos anos de experiência de vida do doutor, ele faz aniversário no próximo dia 18 de abril.

"Não senti o tempo passar. Trabalho do mesmo jeito que sempre trabalhei. Se uma paciente liga de madrugada, eu vou atendê-la", conclui Mangieri.