Nascido em Chaves, norte de Portugal, e radicado em Londrina desde 1987, Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos celebrou 25 anos de ordenação sacerdotal no ano passado. "E eu entendi que deveria ter um período sabático. Um período para fazer uma coisa diferente, algo que envolvesse a área espiritual, psicológica, motivacional, humana e física", explica. A escolha foi o Caminho de Santiago de Compostela, que percorreu durante 30 dias entre abril e maio deste ano, contabilizando 824 quilômetros.

Segundo o padre Manuel Joaquim, em 2015, 59 mil peregrinos fizeram o Caminho de Santiago. "Em primeiro lugar, os franceses, em segundo, os espanhóis e os italianos em terceiro. Me chamou muito a atenção o fato de o Caminho estar virando moda nos Estados Unidos, não por acaso, foram o quarto grupo mais numeroso. Os donos das grandes empresas (norte-americanas) estão chamando os executivos com 25 anos de casa para fazer o Caminho."

Para o padre, o caminho envolve superação do esforço físico, determinação, coragem e enfrentamento da rotina. "Você chega no albergue só com a sua mochila, fica em um quarto com 50 pessoas, homens e mulheres que você nunca viu e tem dois banheiros. Então isso te obriga a viver com o essencial – duas meias, duas cuecas e duas blusas – a lavar a sua roupa porque no dia seguinte precisa estar com a sua roupa lavada", relata. "Essa rotina é um desafio muito grande para uma pessoa habituada a ter uma casa grande com mordomias, é um aprendizado."

"No início da caminhada fizemos uma reunião no primeiro albergue para descobrir o motivo de cada um estar fazendo o Caminho. Éramos 20 pessoas de 15 países. A ideia que ficou mais forte foi o 'one way to myself', um caminho para mim mesmo. A maior parte das pessoas não professava religião nenhuma. Eu mesmo evitei falar que era padre, só falei para algumas pessoas no final do Caminho", lembra.

Para o padre, "independentemente da religião, o caminho para mim mesmo é um autoconhecimento, uma reconciliação consigo mesmo, uma reflexão. Na verdade, é como se a pessoa procurasse responder as famosas perguntas quem sou eu, de onde venho, para onde vou e o que estou fazendo neste mundo. Esta parada estratégica eu entendo que todo ser humano deveria fazer em algum momento", indica.

"São sete horas por dia só você, sua mochila e o Caminho, que é uma alegoria da vida. A vida é um caminho. Você conhece pessoas que cruzam seu caminho. Quando quer levar muita coisa, fica pesado, como a mochila com o que não é essencial. O caminho nos despoja, nos faz relativizar e nos abre para o imponderável, outra alegoria da própria vida. Quando você acorda, não sabe se vai chover ou se vai nevar no Caminho", explica o padre, que enfrentou neve no primeiro dia de caminhada em Saint Jean Pied de Port, na França.

"Há uma frase famosa pelo Caminho que fiz 'Você pode atravessar o mundo do Ocidente ao Oriente, do norte ao sul, mas se você não conquistar sua liberdade, o Caminho não valeu de nada'. É exatamente isso, conquistar o despojamento, a liberdade. Com 25 anos de padre, ou de empresa, você acaba relativizando, deixa de ver o mundo em preto-e-branco."

Depois de um dia inteiro andando só com seus pensamentos, a noite para o peregrino é de socializar. Nas conversas, segundo o padre, "o que menos interessa ali são os pontos convergentes. O que mais interessa é a riqueza que cada um pode acrescentar com a sua visão de mundo e aí você se abre para o mundo colorido. Isso enriquece muito".

"O padre está geralmente falando para os outros, dando conselhos, ensinando, dizendo alguma coisa. E ali no Caminho, a gente está despojado disso, não está falando para ninguém, na verdade está escutando. Até falei para o Bispo quando justifiquei minha ida que eu tinha passado 25 anos da vida falando de Deus para os outros e agora eu iria passar 30 dias em que Deus falaria comigo", lembra.

Durante os 30 dias entre a França e a Espanha, o padre Manuel Joaquim gravou no celular 180 vídeos de um minuto cada sobre as reflexões que teve durante o Caminho. "É uma espécie de diário", explica. "Foi uma grande emoção a chegada, porque você cumpriu o que se propôs e também porque percebe que não é o final da linha. A caminhada continua", ensina.