Se hoje os apreciadores de café podem se dar ao luxo de escolher entre diferentes tipos de grãos e torras, podem agradecer a pioneiros como a barista curitibana Georgia Franco de Souza. "Costumo brincar que antes haviam apenas dois tipos de café: com açúcar ou sem", diz. No início dos anos 2000, a história passou a mudar. "Queríamos introduzir o café como item de gastronomia, como já acontecia lá fora. Como o Brasil é um país produtor, aqui o café é item de cesta básica. Foi essa mudança que a gente quis promover", lembra.

Formada em engenharia e com pós-graduação em banco de dados, Georgia seguiu a carreira acadêmica até que férias dobradas a permitiram dedicar mais tempo à uma paixão de infância, a confeitaria. Passou uma temporada na França estudando gastronomia em uma escola de hotelaria em Nimes. Foi tanto encantamento que não hesitou em romper os antigos laços profissionais.

"Foi uma satisfação estar com jovens bem mais jovens do que eu. Numa escola de confeitaria você trabalha muito, era diferente do que eu estava acostumada, que era um trabalho 100% intelectual. Eu sentia uma vibração e uma felicidade que eu não encontrava com as pessoas com quem trabalhava."

"A virada foi justamente quando eu voltei para o Brasil e queria entrar nessa área de aromas e sabores. E um casal de amigos nossos tinha ganhado um prêmio como o melhor café do Paraná", lembra Georgia sobre o momento ideal. Os Ferroni, de Jacarezinho, queriam uma ajuda para desenvolver o café familiar. "Peguei o café deles, voltei para a Europa e comecei a exportação. Visitei lugares para conhecer a forma de consumo dos europeus, fui para os Estados Unidos. Fiquei dois anos estudando. E juntando todas essas informações apareceu o Lucca", relata.



A ideia em um primeiro momento era formar sociedade com os amigos de Jacarezinho, mas o plano de Georgia e o marido Luiz Otávio era mais amplo. "Só que se a gente fosse sócio deles, não conseguiríamos ter a abrangência que a gente quer, que é a da diversidade, nosso ponto mais forte", explica. Há 14 anos, a barista inaugurou em Curitiba o Lucca Café Especiais, nome que homenageia João Pedro Lucca, avô do marido e produtor de café no Norte do Paraná. A própria Georgia tem uma passagem pela região. "Morei um tempo da minha vida em Apucarana", diz.

Sobre diversidade, a barista reforça que "um café não é melhor que o outro e sim diferente do outro. Queria mostrar para o público quanta beleza a gente tem em cada estado e microrregião. Cada colheita é uma coisa diferente", ensina. No início do mês, Georgia esteve em Londrina para um bate-papo sobre denominação de origem a convite de Cristina Maulaz, de O Armazém Café.

"Vamos dizer que o café começou a mudar com a Starbucks, no final dos anos 1990. Prestou-se atenção na forma como os italianos consumiam café e isso foi disseminando para o resto do mundo. Mas ainda de uma forma muito comercial. Aos pouquinhos foram surgindo lojas como a da Cristina aqui e a nossa e estão ganhando bastante força."

No início do empreendimento, eram apenas cinco tipos de cafés à venda. Este ano são 32 variedades. "Sempre defendo os cafés do Brasil. Só com a diversidade que temos desde aqui do Paraná até a Bahia, temos muita coisa a explorar. E a gente não fica devendo para nenhum país produtor, tem muitos cafés muito bons aqui", afirma.

"Sou um pouquinho bairrista. Faço questão de ter bons cafés do Paraná na nossa loja. Desde a primeira Ficafé (Feira Internacional de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná), com os nossos amigos Ferroni, a gente quis contribuir para incentivar os produtores. Como não tinha nenhum comprador, nós nos comprometemos e compramos uma saca de cada um dos finalistas. Mesmo singela a forma como a gente participou, foi o suficiente para que desse continuidade. Ela se tornou uma feira grande, internacional. Esse ano vai ser um evento grande de novo", avisa.

Para quem se acostumou a associar o termo gourmet a produtos diferenciados, no caso do café, a palavra a ser buscada é especial. "O café que é considerado especial tem uma nota mínima 80 e um café gourmet tem uma nota de 75. A palavra gourmet é usada pela indústria para um café melhor, mas não é um top", ensina Georgia, que lembra que no Brasil não existe uma legislação a respeito. "São mercados independentes", diz.

"Tudo o que a gente plantou, a gente conseguiu colher neste ano de 2016", conta Georgia. Com cursos de barista fora do Brasil, ela não esconde que a parte que mais gosta do café é a torra e até lançou um carimbo para as embalagens dos cafés que ela mesmo faz a torra. "Nosso sonho é que as pessoas adquiram o moinho. É que a explosão de aromas acontece no momento da moagem", ensina.

Com a missão de compartilhar seu conhecimento, além da loja, a barista também tem um laboratório de serviços com espaço para cursos, inclusive para quem quer abrir o próprio negócio. "Não temos nem queremos franquias ou outras lojas. Nós queremos que cada um faça a loja com a sua cara e com a nossa ajuda", avisa.