"O meu avô me levou a descobrir o mundo através dos museus", diz Elenice Mortari Dequêch, de 70 anos. Veja vídeo utilizando a tecnologia da Realidade Aumentada
"O meu avô me levou a descobrir o mundo através dos museus", diz Elenice Mortari Dequêch, de 70 anos. Veja vídeo utilizando a tecnologia da Realidade Aumentada | Foto: Gustavo Carneiro



Além de decifrar e catalogar peças de museu, os curadores, museólogos e voluntários das galerias e salas de exposições têm a missão de desmistificar os espaços. "Museu é um lugar para entrar, olhar de forma distinta para os objetos e sentir que é um local onde a história se reconta. Onde os fatos, objetos e pessoas que nos antecederam, deixaram o seu legado", afirma Elenice Mortari Dequêch, de 70 anos, voluntária na criação de museus em Londrina e região. Elenice é reconhecida pela dedicação e conhecimento na gestão de acervos.

A londrinense é neta de pioneiros. A história dos Mortari faz parte da paisagem de Londrina, podendo ser vista, principalmente, por quem passa pela avenida Leste-Oeste e vê a chaminé da antiga cerâmica que levava o nome da família de imigrantes italianos.

Elenice, além da missão de preservar a memória dos pioneiros, ajudando a ordenar a história com o trabalho voluntário, trabalha para que os museus conquistem o público. "Acredito que os museus são como salas de aula que educam", ressalta.

Bacharel em Direito pela Faculdade Estadual de Direito, a londrinense é casada há 50 anos com Nilo Dequêch, que foi presidente da Associação Comercial de Londrina (Acil). O pai dele, David Dequêch, foi o primeiro presidente da entidade, cargo ocupado também pelo filho do casal, David Dequêch Neto.

Como muitas jovens nos anos 1960, Elenice, que nas séries iniciais estudou nos colégios Evaristo da Veiga e Mãe de Deus, mudou para São Paulo para continuar os estudos.

"Foi um sonho dourado. A rua Augusta, na capital paulista, fervilhava com a juventude ouvindo rock, as moças usando roupas curtas. Adorava ir ao cinema, nas famosas salas CinemaScope. Nos anos 1970, eu voltei para Londrina. Entre as lembranças que tenho, os bailes do Grêmio, Country, as festas de debutantes", conta, lembrando ainda que o gosto por juntar todas essas peças do passado foi herança do avô Amadeu Mortari.

"O meu avô me levou a descobrir o mundo através dos museus. Despertei para o trabalho ao visitar o Museo del Bandolero, de Ronda, na Espanha. Anos mais tarde, estava em casa, com meu irmão José Paulo, e saímos para dar uma volta. Fomos ao museu londrinense que, na época, estava, podemos dizer, uma vergonha. O meu irmão disse: ‘Por que você não dá um jeito nisso?’ Aí, eu voltei lá uma tarde. A diretora era a dona Conceição Geraldo, que me convidou para ajudar com o museu. Daquele dia, eu não saí mais de lá", lembra Elenice, destacando que contou com muitos colaboradores, como o técnico Amauri Ramos da Silva e pessoas da comunidade, a exemplo de um senhor que todo mês contribuía com R$ 20 para o Museu Histórico de Londrina.



O próprio José Paulo, em 1999, doou sua coleção de brinquedos antigos ao museu. Na época, em entrevista para a jornalista da Folha, Jackeline Seglin, afirmou que estava pagando uma promessa à irmã.

"Eu prometi que, se ela mobilizasse a sociedade, os filhos de pioneiros e as autoridades para trabalhar nessa revitalização, eu doaria a minha coleção", afirmou José Paulo, na reportagem publicada em 28/01/1999. A coleção foi estimada, na época, em R$ 10 mil.


Na avaliação de Elenice, o museu londrinense está perto de ser o melhor do Paraná com sala de imagem e som, com 50 mil peças, entre fotografias, negativos, e espaço de documentação reunindo documentos textuais, mapas, depoimentos e outros.

"Acho que este é o meu trabalho: resgatar a memória dos amigos, dos meus pais e de muitas famílias", comenta.

A Casa da Memória Madre Leônia Milito também é um dos projetos realizados com o voluntariado da londrinense.

"Quando começamos, eu não imaginava que estávamos fazendo o museu de uma pessoa tão especial, como Madre Leônia. A religiosa era musicista, apaixonada por uma coleção de ópera. Foi uma moça filha de família rica. Podíamos perceber pelo enxoval que trouxe ao Brasil", ressalta Elenice sobre a religiosa, que em 1958 iniciou em Londrina a Congregação das Irmãs de Santo Antonio Maria Claret, juntamente com Dom Geraldo Fernandes.

Além da Casa da Memória, do Espaço Dom Geraldo Fernandes, dedicado ao primeiro bispo de Londrina, e do acervo do Escritório do senhor Antônio Faria, pai do radialista JB Faria, reconhecido por suas obras de caridade, outros projetos contaram com a participação de Elenice.

A londrinense revela que a cidade poderia, inclusive, ter um museu de arte-sacra. Mais de 200 peças da coleção do Frei Mamo, religioso da Vila Casoni, foram doadas à Cúria Metropolitana. Entre os objetos, imagens de santos, paramentos religiosos e até um altar de Malta estão sob a guarda de Elenice, à espera de um lugar para serem expostos e visitados pelo público.

A londrinense ajudou a contar a história de outras denominações religiosas, através da organização do acervo do reverendo Jonas Dias Martins, da Primeira Igreja Presbiteriana Independente.

Elenice também trabalhou para o resgate da memória de pioneiros da agropecuária, através da gestão do Museu da Sociedade Rural do Paraná, do projeto de restauração da Capela Santa Helena, e catalogação de quase 1.300 peças da Fazenda Cachoeira. Trabalho que se estende ao pioneirismo de empresas, organizando também o acervo do Museu da Viação Garcia.

Atualmente, Elenice trabalha na catalogação das bibliotecas do padre Vitor Gropelli e da Casa Mãe das Irmãs Claretianas.

Porém, a própria história é capaz de surpreender alguém, como a londrinense, que está acostumada ao critério dos métodos de gestão.

Elenice observa uma conspiração do passado ao dar andamento a um novo projeto, a criação do Museu do Londrina Esporte Clube. O museu está sendo instalado embaixo da arquibancada do estádio Vitorino Gonçalves Dias (VGD), que foi o antigo campinho de futebol em que o avó Amadeu e os funcionários da Cerâmica Mortari jogavam bola. O mesmo avó que lhe ensinou a descobrir o mundo, através dos museus.

Imagem ilustrativa da imagem A primeira dama da história