George VI, rei da Inglaterra entre 1936 e 1952, enfrentou uma sucessão complicada, uma guerra mundial e a decadência do Império Britânico. Mas o ponto alto de "O Discurso do Rei" é sua luta contra a gagueira. Com o tema, o filme foi o grande destaque da 83ª edição do Oscar, vencendo as categorias de Melhor Filme, Diretor, Ator e Roteiro Original.
De acordo com a fonoaudióloga Rozane Consalter de Mello, especialista em voz e motricidade orofacial, o sucesso do filme se dá pela atualidade do tema e as reais dificuldades que o gago enfrenta. Ela explica que a gagueira consiste em um distúrbio do fluxo e do ritmo da fala que envolve bloqueios, hesitações, prolongamento e repetições de sons, sílabas, palavras ou frases, que na criança costuma acontecer no início do desenvolvimento da fala. Sentindo dificuldade em achar o que vai ser dito, os pequenos acabam repetindo palavras até encontrar uma saída. "Mas essa característica desaparece à medida que sua linguagem evolui. Neste caso, o problema é quase passageiro, considerado uma ocorrência normal de aprendizado", diz.
A especialista afirma que o distúrbio tem início geralmente entre os três e quatro anos de idade, e atinge mais o sexo masculino. "Entre os adultos, a proporção é de dez homens para cada duas mulheres", conta. Além disso, a gagueira é frequentemente acompanhada por sintomas secundários como tensão muscular, rápido piscar de olhos, irregularidades respiratórias e movimentos da musculatura facial. "Esses sintomas apare­cem à medida que aumenta a gravidade do distúrbio. De acordo com as pesquisas, isso ocorre por medo de gaguejar".

Tratamento

Segundo a fonoaudióloga Ana Paula de Souza Bobroff, o tratamento precoce é fundamental e deve ocorrer num período médio de seis meses a partir do surgimento dos primeiros sintomas. "Os pacientes submetidos a um tratamento adequado têm grandes chances de se livrarem dos sintomas, independentemente da idade", diz.
Ana Paula explica que o trabalho terapêutico trabalha a propriocepção, relaxamento psicofísico, coordenação pneumofonoarticulatória, velocidade da fala, aumento da amplitude articulatória, contato de olho, redução gradativa de tensão, entre outros. "O processo tera­pêutico auxilia o paciente a compreender a maneira como cada pessoa se organiza diante da fala", afirma.
Em relação aos gagos que cantam sem apresentar disfluências, a especialista explica que isso é porque cantar não tem uma fala auto-expressiva (aquela que não precisa ser traba­lhada antes de pronunciada) pois o ritmo e a letra da música já existem, restando apenas a interpretação. "Assim, o gago não terá de processar a fala para cantar. A fala e o canto percorrem caminhos totalmente dife­rentes em nosso cérebro", diz.

Novas possibilidades

As descobertas sobre bases genéticas da gagueira e funcionamento cerebral podem trazer novas formas de tratar o problema que, no Brasil, é crônico para cerca de 2 milhões de pessoas, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Fluência.
O neurologista Marco Antônio Arruda conta que estudos controlados com um antagonista da dopamina (medicamento que anula a ação do neurotransmissor) estão mostrando bons resultados. Os remédios ainda não chegaram, mas novas tec­nologias já foram incorporadas aos tratamentos. Uma das ferramentas é o Speech Easy, aparelho que faz a pessoa ouvir a própria voz com um pequeno atraso. É o "efeito coro".
As fonoaudiólogas Ana Paula de Souza Bobroff e Rozane Consalter de Mello, certificadas para trabalhar com o aparelho, explicam que para fazer uso do Speech Easy é necessário passar antes por uma consulta com o especialista. Além disso, para obter melhores resultados, recomenda-se o uso do aparelho aliado à terapia fonoaudiológica, que auxilia o tratamento.


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Final feliz: uma das cenas mais emocionantes do filme "O Discurso do Rei", cujo tema é a luta do Rei George VI contra a gagueira
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Segundo a fonoaudióloga Rozane Consalter de Mello, o distúrbio atinge mais os homens
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"Com o tratamento adequado, o gago pode ter uma vida social tranquila", afirma a fonoaudióloga Ana Paula de Souza Bobroff





As fonoaudiólogas Ana Paula de Souza Bobroff e Rozane Consalter de Mello respondem algumas questões relacionadas à gagueira em crianças:

Eu acho que meu filho gagueja, mas será que é mesmo gagueira?
As crianças apresentam vários tipos de dificuldade durante a aquisição da linguagem. A gagueira é caracterizada por rupturas na fala: repetições e prolongamentos, tanto de sons como de sílabas e palavras. Surgem também bloqueios na fala, fazendo com que algumas palavras e situações sejam evitadas. Se você observa estes sintomas em seu filho, é gagueira, sim.

As atitudes que tomamos em relação ao comportamento da criança podem ser responsáveis pelo surgimento da gagueira?
Não. A gagueira pode ser uma das características da fala de seu filho, e ele pro­vavelmente apresentará os sintomas em situações mais estressantes como quando está cansado, quando é repreendido ou mesmo quando estiver contando algo mais complexo. Isso não significa que a situação determinada fez a gagueira surgir, são momentos que facilitam que ela venha à tona.

Meu filho não é uma criança tímida, nem nervosa, por que então ele gagueja?
Algumas décadas atrás acreditava-se que as questões emocionais provocavam gagueira. No entanto, as pesquisas demonstram que a gagueira é provocada principalmente por alterações neurológicas no funcionamento cerebral de produção da fala e as reações emocio­nais são consequência das dificuldades relacionadas a esta comunicação.

Como saber se preciso procurar ajuda? E quando?
Ocorrendo esporadicamente, essas rupturas fazem parte das dificuldades típicas da comunicação. Sua frequência, severidade e duração indicarão se é algo passageiro ou se é importante intervir. Se a intensidade ou frequência das rupturas é significativa e está incomodando a criança ou deixando os pais preocupados, procure um fonoaudiólogo especializado em fluência.

Na minha família temos outras pessoas que gaguejam. Seria bom evitar o contato com elas?
É bem provável que muitos que gaguejam tenham familiares que também apresentam o problema, até porque hereditariedade é um dos fatores de seu surgimento. No entanto, essa transmissão é genética e o contato com as pessoas que gaguejam não faz surgir a gagueira.