Os uniformes escolares estão guardados no armário - dobrados desde março. Com a suspensão das aulas em razão da pandemia provocada pelo Covid-19, a rotina dos alunos de todas as idades foi alterada. Os berçários, a Educação Infantil e os ensinos Fundamental, Médio e até as instituições de Ensino Superior tiveram que fechar para assegurar que o vírus não se propagasse. O decreto estadual foi assertivo, mas diante do distanciamento, medidas foram tomadas para que o ano, que mal havia começado, tivesse continuidade. No caso das escolas municipais, uma verdadeira força tarefa foi criada para lidar com a situação e atender a todos, pois nem todas as famílias dispõem de equipamentos e pacotes internet de qualidade para a demanda de estudos.

Clara Silva Golono, 8 anos, se rende ao cansaço nas aulas transmitidas pela internet
Clara Silva Golono, 8 anos, se rende ao cansaço nas aulas transmitidas pela internet | Foto: Divulgação/arquivo pessoal

A jornalista Mariella Silva atua como social media e no gerenciamento de marketing digital. Ela trabalha em casa e a filha Clara Silva Golono, de oito anos, é aluna da Escola Municipal Arthur Thomas, no centro de Londrina. Com a suspensão das aulas, a mesa da sala que antes era local só das tarefas e estudos diários transformou-se numa extensão da escola - que por meio da tecnologia, passou a oferecer o ensino à distância. "No primeiro momento, achei que era uma adaptação porque não foram só as aulas que precisaram ser interrompidas, como as indústrias, o comércio e os locais de lazer", cita. Do ponto de vista de Mariella, a decisão foi correta. "Para zelar pela saúde e segurança das crianças".

Clara fica uma semana com o pai e avós no sítio e uma semana no apartamento em Londrina com a mãe
Clara fica uma semana com o pai e avós no sítio e uma semana no apartamento em Londrina com a mãe | Foto: Divulgação/arquivo pessoal

Na prática, as aulas remotas foram iniciadas em 20 de abril, segundo Mariella. "Fomos chamados para ir à escola e retirar os materiais, impressões e atividades." Dali em diante, o WhatsApp das famílias tornou-se o elo entre professores e alunos. Lá está nos contatos da mãe "Turma 4º Ano E Denise", onde professores e coordenadores são ativos na comunicação. A mãe de Clara explica que os professores ficavam online no período da aula, das 13h30 às 17h30 - seguindo o horário presencial e as atividades prontas são enviadas de modo privado.

A mãe de Clara se considera privilegiada por trabalhar em casa e poder acompanhar e orientar a filha. "No começo era muito conteúdo, então foi realizada uma pesquisa e o formato foi remodelado. Ficava pensando se para mim estava difícil e para quem tem mais filhos e não tem a estrutura necessária", reflete. Em semana de recesso, Mariella confessa que gostaria de um mês inteiro de férias. "Precisamos repensar esse ano letivo porque imagino que para centenas de pais a dinâmica não está funcionando. Vejo com admiração todo o esforço dos professores, pois devem estar trabalhando três vezes mais."

Na nova realidade de estudo, Mariella explica que deixou bem claro que não se tratava de férias. "A mudança tão drástica na rotina exigiu mais comprometimento. Agora não tem a preparação para ir para a escola, estar com a professora e notei toda a dificuldade de concentração e interesse no aprendizado nesse formato. No começo, estávamos mais dispostos e engajados e com o tempo foi ficando desgastante", admite. Atualmente, Clara fica uma semana na casa dos avós com o pai em Sapopema e outra semana em Londrina, no apartamento com a mãe. "É saudável para ela esse revezamento e mesmo estudando à tarde, muitas vezes é de pijama que assiste às aulas. Vi momentos em que estava deitada no tapete, esgotada".

Linguagem simplificada nas aulas virtuais


Com uma proposta de oferecer aulas lúdicas, e com histórias aos alunos do P5 do CMEI - Centro Municipal de Educação Infantil Valeria Veronesi, a educadora Suzue Ogata pensou muito em como atrair e manter a atenção dos alunos de cinco e seis anos. "Seguimos o planejamento normal com a supervisão da coordenação, direção e vice-direção", enfatiza. Com 20 alunos na turma que tem o nome de "Turma do Coração", Suzue fez a ilustração de todos os pequenos e da equipe de trabalho. "O nome é criado por eles e escolhido por votação, uma forma de tornar a criança protagonista", explica.

Professora Suzue: cores, formas e criatividade para interagir com os pequenos pela tela do computador
Professora Suzue: cores, formas e criatividade para interagir com os pequenos pela tela do computador | Foto: Divulgação/arquivo pessoal

A transição inicial foi árdua, mas graças a reuniões de práticas pedagógicas e a opinião dos pais, o formato foi equilibrado, sendo três dias com interação e outros dois para o apoio, feedback e orientação. Suzue explica também que ao levar em conta que os responsáveis é que estão encarregados de conduzir a atividade, houve uma simplificação. Por exemplo, ao invés de pedir que seja feita a releitura de uma obra de Tarsila do Amaral, a mensagem mudou para: "Observe essa imagem, inspire-se nela e faça o seu desenho", relata a professora. "Há crianças que ficam com a avó e sabemos que é suado, ainda mais que estão sem o pátio, o intervalo e o contato com os amigos. Assim, de dois meses para cá, a adesão caiu bastante", revela. "Mas estreitamos laços, sabemos que é um desafio e estamos recebendo dos pais muita retribuição e tem todo o acesso ao planejamento e conteúdo", ratifica.

Em meio a tantas incertezas, dar conta do recado foi questão de honra para Suzue. A Prefeitura deu a opção de um chip para os professores manterem o número privado e Suzue investiu na criatividade para manter sua audiência e a mascote Zé Curupaco virou auxiliar da turma. "Ensino pregar botão mostrando o tutorial de costura recomendando todos os cuidados e presença do adulto responsável. Fazemos enquete prévia com as famílias para investigar os materiais que possuem em casa, como reciclados e retalhos de tecidos. As produções das crianças com as famílias são incríveis. Lemos pra eles todo gênero textual, desde contos a poemas e fazemos chamadas divertidas - por cores, letras", diz.

" Vamos recuperar tudo isso ao longo dos anos," diz secretaria

De acordo com a Secretária de Educação do Município, Maria Tereza Paschoal de Moraes, o primeiro semestre foi realmente com a maioria dos dias letivos com atividades remotas. "Uma novidade, mas todas as famílias se engajaram. Além disso, temos feito um trabalho de monitoramento muito importante, um dos diferenciais de Londrina", expõe. A entrega de material impresso é feita a cada 15 dias e isso representa um grande apoio aos 10 a 15% de alunos que, segundo a secretária, sinalizaram a dificuldade com internet. "Professores mediadores visitaram a casa de mais de 2 mil crianças ao longo dos meses e, apesar de todo o cenário, os pais nos surpreenderam, os professores foram geniais, souberam se adaptar ao momento e temos ouvido todo mundo para ajustar o momento. Assim, estamos satisfeitos com o resultado, mas sabemos que vamos ter que recuperar isso ao longo dos anos", avalia

Alunos do EJA sentem muita falta das aulas

Professora Luisa em foto de outubro de 2019, no EJA: "Era como queríamos estar"
Professora Luisa em foto de outubro de 2019, no EJA: "Era como queríamos estar" | Foto: Walkiria Vieira

Alunos do EJA sentem saudade da rotina em sala de aula. Um exemplo são os 14 matriculados na turma da professora Luisa Miyuki Yoshikawa, da Escola Municipal Pedro Vergara Correa. Na faixa dos 50 aos 8O anos, eles pertencem a EJA - Educação de Jovens e Adultos - e seguem as atividades de modo remoto, pois os materiais impressos foram entregues a todos de modo agendado e seguindo as recomendações de segurança. "Por meio de áudios, os alunos expressam a saudade, o sentimento de vazio de não poder estarem juntos na escola e dessa maneira demonstram a importância que a educação na maturidade tem para cada um deles. "Semana retrasada até sonhei com você, declara com emoção a aluna Odete Costa de Brito, 65 anos, em áudio à professora. "Esse afastamento para eles está sendo ainda mais difícil, pois ir à escola era a única atividade que tinham para sair da rotina. Estão sentindo muito a falta da escola porque é um ambiente diferente do dia a dia. Tem as obrigações de estudar, mas esses alunos maduros saem da

rotina de só cuidar de neto, por exemplo. Para eles, a escola é muito mais que aprender, é um local onde podem compartilhar emoções, sentimentos e era o que fazíamos diariamente. Falavam dos problemas pessoais, de algo com os vizinhos e por que estavam chateados", expõe a professora.