Foto histórica, em homenagem aos 45 anos do filme, reúne atores e o diretor de ‘O Poderoso Chefão’
Foto histórica, em homenagem aos 45 anos do filme, reúne atores e o diretor de ‘O Poderoso Chefão’ | Foto: Reprodução



Quando devorei rápido (numa única noite) e intensamente o "The Godfather", best-seller de Mario Puzo, foi respeitando o exercício de ler antes a novela e depois conhecer o(s) filme (s). Apesar de ter sido considerado por seu autor tão somente um "livrinho" escrito apenas para fazer dinheiro, ele soube dar um dinamismo e um ritmo essenciais para tornar impossível desgrudar os olhos daquelas páginas.
É muito fácil apegar-se ao politicamente correto e afirmar, sem pensar duas vezes, que a trilogia Godfather contém dois filmes que estão entre os melhores já realizados. Que eles estão naquele pedestal, junto a "Cidadão Kane" e "Casablanca", como grandes lições de cinema. Que Marlon Brando entregou a interpretação de sua vida. Que Al Pacino despontou ali como a mais surpreendente revelação em muito, muito tempo. Que Francis Ford Coppola foi capaz de reinventar todo um gênero, a ele acrescentando o inédito tempero da tragédia operística. Que Robert De Niro esteve absurdamente impecável na senda traçada por Brando. Somente lugares comuns. Coisas que dissemos em muitas ocasiões, lembrando sempre como são filmes grandiosos.
O que quase sempre se esquece é o que há por trás da história daquele universo da dinastia Corleone. Mais que um mero relato de mafiosos, desses nos quais abunda o sangue e a falta de desenho dramático dos personagens, muito além da acumulação de cadáveres o que se encontra em "O Poderoso Chefão" é uma profunda análise dos diferentes tipos humanos que ali existem.
O filme é um brutal relato sobre um homem inexorável que deve legar tudo a seu filho. Apesar de que seu trabalho pode ser moralmente condenável, Don Vito Corleone mantém um código de ética irrepreensível. Ele é sábio, mas também é capaz de cometer atos de violência abomináveis, sem que isso desqualifique sua ingenuidade nas relações com seu entorno. Três atributos, completamente incompatíveis entre si, evidentes em cada um dos três filhos: em Sonny (James Caan), a violência desmedida; em Fredo (John Cazale), a cordialidade e a mansidão; em Michael (Al Pacino), a sabedoria.
Em "The Godfather" está sempre presente a tensão entre um pai super-protetor e seu filho mais capaz, o que não quer envolver-se no tipo de vida de seu progenitor. É a trágica história da sucessão do poder e da inevitabilidade dos destinos. Também mostra o infinito amor fraternal, tão intenso e capaz de deixar para trás preconceitos e continuar o "trabalho" paterno, ainda que não o compartilhe. Como toda história apegada a coisas tão fundamentais para o ser humano, "The Godfather" foi um êxito seguro. Um consagrado best-seller levado ao cinema por um então quase debutante Francis Ford Coppola, diretor de raízes italianas profundas, capaz de captar à perfeição a forma de transformar a trama em imagens concretas. Praticamente levou a novela para a tela "quadro a quadro": daí sua visão profunda. Soube como abordá-la defendendo seu ponto de vista e a acertada eleição de Brando e Pacino nos papéis de pai e filho unidos por um destino trágico, o de estar no topo de toda uma organização deplorável.
No filme, no entanto, jamais se emite algum juízo de valor a respeito das atividades ilegais. Mais: nem sequer são mencionadas palavras como máfia, "cosa nostra", bando ou quadrilha. Somente se diz "a família", causando imediata empatia com o espectador. Coppola nos faculta a decisão de amar ou odiar a dinastia Corleone. Ainda que o filme, observado sob uma ótica neutra, seja uma simples história de criminosos, é a melhor história jamais contada sobre criminosos. Sua narrativa não é simplista nem linear, e se compõe, como um rio, de afluentes diversos que vão imprimindo mais e mais força, atém converter-se em volumoso e pleno oceano.
Além de tudo (há muitos além de tudo em paralelo ao filme), a saga Godfather – que não nasceu com intenção de saga, mas é também original por isso – rompeu com a regra de que "segundas partes nunca são boas". Basta ver "Poderoso Chefão – Parte II". Um filme que supera o anterior, no qual o narrativa é usada de forma magistral para se obter um paralelo de emoções entre o pai (De Niro , impressionante) e Pacino (superando com folgas sua primeira aparição). Lamentável que a pressão tenha agido contra a terceira parte, resultando em filme óbvio, de interesse relativo e acometido de monotonia. Mas convenhamos, entre três, dois não é nada mal.
Essa conversa de hoje vem a reboque dos 45 anos do lançamento de "The Godfather", em março de 1972. Dias desses, encerrando o Tribeca Film Festival, De Niro reuniu os remanescentes da saga para um jantar. Estiveram: Coppola, Robert Duvall, Talia Shire, Diane Keaton, Pacino, James Caan e o próprio De Niro. Brando também esteve, numa foto, atrás de todos.