Marivone Ramos:"A língua japonesa é muito difícil, só os mais velhos tinham condição de fazer o jornal daquela maneira"
Marivone Ramos:"A língua japonesa é muito difícil, só os mais velhos tinham condição de fazer o jornal daquela maneira" | Foto: Gustavo Carneiro



Acostumar-se a expressões como "ohayou" (bom dia) ou "sumimasen" (com licença). Ir a lugares onde se come sushi com hashi e se toma sakê. Essas são situações que a jornalista Marivone Ramos pode ter vivenciado nos anos em que trabalhou no Paraná Shimbun, jornal dedicado à colônia japonesa, cuja história pode ser comparada a uma viagem ao túnel do tempo em busca das culturas mais importantes na formação do caldo de influências do Norte do Paraná.

Um modo de entrar neste túnel, é ler o livro "Sayonara Paraná Shimbun" (Editora Kan/ 2016), que a jornalista lança nesta quinta-feira (10), às 19h30, no Museu Histórico de Londrina. O jornal bilíngue - que, segundo Marivone, foi fundado em 1950 e deixou de circular em 2012 - tinha uma edição em português e outra em japonês. Durante décadas publicou notícias da comunidade nipônica que não deixou na região apenas lavouras, mas arte, ciência, literatura, comércio, indústria e tecnologia que se reproduziram através de gerações de descendentes.

O livro começou a ser escrito como um trabalho de TCC que Marivone fez ao terminar o curso de jornalismo na Faculdade Metropolitana, em 2005. Nesta época já acumulava a experiência diária do trabalho no Paraná Shimbun, onde ficou de 1999 a 2001. A partir disso, ela fez entrevistas com pioneiros e colaboradores japoneses do jornal, como Kakusaburo Furuta, Shiniti Numata, Michihiro Iwatsugo, Masao Hirano, Antonio Ueno, Paulo Maeda e a ex-diretora do jornal Mahoko Kasuya, entre outros. Também entrevistou jornalistas brasileiros que tiveram ligação com o jornal durante algum período, como Bernardo Pellegrini, Reinaldo Cesar Zanardi e Andrea Hattori.

Ao lançar o livro, a jornalista só lamenta que muitos pioneiros já tenham falecido. Situação com a qual se deparou também nos anos em que passou na redação do Shimbun, quando os colegas comentavam: "Todo dia morre um leitor." Circunstância inevitável, sobretudo, para um veículo feito para manter, entre outras coisas, as tradições culturais que dependem dos mais velhos. Os mais jovens, ela diz, já não têm tanto interesse em ler reportagens em japonês.

PERDAS – Além de registrar os traços culturais de gerações de japoneses na história do Paraná, Marivone Ramos registra no livro as dificuldades financeiras pelas quais o veículo passou e, principalmente, o problema de se manter um jornal bilíngue. "A língua japonesa é muito difícil, só os mais velhos tinham condição de fazer o jornal daquela maneira. Entretanto, tinham dificuldades também em lidar com o computador. Já os jovens não tinham domínio do idioma para fazer reportagens em japonês", explica.

Entre as coisas que mais gostou de aprender pela convivência com os japoneses, a jornalista cita "o respeito aos mais velhos, a disciplina e o fato de ter aprendido a ser mais ordeira." Entre as que menos apreciou, ela cita o machismo que revelou-se em algumas ocasiões dentro dos costumes. Afirma ainda que aprendeu "a trabalhar na prática com uma comunidade de hábitos muito diferentes e, quando a barreira a ser vencida era a língua, sempre tinha alguém para ajudar na tradução."

Sobre as pautas com as quais se deparou trabalhando para o jornal, ela cita os concursos de karaokê e o undokai (gincana), coisas que – segundo ela - são feitas por um jornal especializado, porque os jornais diários não cobrem estes eventos específicos: "Até por isso, para muitos a integração das culturas já está consolidada, não sendo mais necessário manter um jornal segmentado."

Das lembranças dos anos de trabalho no Shibum, Marivone fala rindo da dificuldade que encontrou, por exemplo, na cobertura de karaokês: "Os japoneses são capazes de ficar horas seguidas apreciando o concurso de canto, imóveis, silenciosos, numa demonstração de grande respeito pelo artistas que se apresentam. Eu tinha a necessidade de me levantar algumas vezes", conta, justificando a inquietude ocidental de uma brasileira às voltas com costumes da Terra do Sol Nascente.

O adeus ao jornal nipônico, registrado no livro a partir do título "Sayonara Paraná Shimbun", deixa no ar uma certa tristeza, mas também registra um tempo de assimilação de culturas que entraram uma na outra, através de décadas, de uma forma simbiótica.

O livro tem patrocínio do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (PROMIC) e será doado a bibliotecas e estudantes de escolas públicas.

Imagem ilustrativa da imagem Um livro de olhos puxados
| Foto: Reprodução



SERVIÇO:
Lançamento de Sayonara Paraná Shimbun" (Editora Kan/ 2016)
Autora: Marivone Ramos
Quando: quinta-feira (10)
Local: Museu Histórico de Londrina (Rua Benjamin Constant, 900 – centro)
Horário: 19h3O