A Vila Triolé, único equipamento cultural da zona oeste, pode fechar: "Até acontecer o chamamento e o novo trâmite, é difícil manter projetos que são contínuos", afirma o coordenador Gerson Bernardes
A Vila Triolé, único equipamento cultural da zona oeste, pode fechar: "Até acontecer o chamamento e o novo trâmite, é difícil manter projetos que são contínuos", afirma o coordenador Gerson Bernardes | Foto: Divulgação



Depois do cancelamento do edital referente ao Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic) pela Prefeitura de Londrina, os produtores culturais da cidade ainda tentam entender a dimensão da "bomba" que caiu sobre os 82 projetos – Independentes, Estratégicos e Vilas Culturais – previstos para 2017. "Levei umas quatro horas para cair a ficha, estou em desespero. Exatamente neste ano que o projeto completa 15 anos, estou com as crianças esperando para recomeçar as atividades. E agora?", lamentou a coordenadora do projeto Faces de Londrina, Carina Corte. "Uma bomba caiu sobre nós."

A Secretaria de Cultura determinou, na segunda-feira (20), o cancelamento do edital do Promic, cujos projetos seriam executados este ano, com base em parecer da Procuradoria-Geral do Município (PGM). A PGM evoca a lei federal 13.019/14, em vigor desde o dia 1º de janeiro, que dispõe sobre a transferência de recursos para entidades sem fins lucrativos. No parecer que liberou o edital, no mês de setembro do ano passado, a própria PGM não faz referências à lei federal.

Classificado como projeto Formativo, o Faces reúne 300 crianças por ano em aulas de dança, especialmente aquelas em vulnerabilidade social, em seis bairros. Embora o recomeço das atividades estivesse previsto para este mês de março, Carina teme perder alunos, sem saber qual será o futuro do atendimento. Ela criticou a forma como o assunto foi conduzido pela Secretaria de Cultura. "Não sabíamos sobre esse risco. Na semana passada liguei na Secretaria e pediram para esperar e que tudo seria resolvido. De repente vem essa solução com o cancelamento de um edital que estava aprovado e publicado no Jornal Oficial do Município. Isso quebrou uma rede inteira de cultura na cidade."



Imagem ilustrativa da imagem Sem recursos, cultura terá prejuízos além do Carnaval
Carina Corte, coordenadora do projeto Faces, que contempla 300 crianças com o ensino da dança, lamenta at suspensão do processo: "Uma bomba caiu sobre nós. E agora? As crianças estão esperando para começar as atividades"



O coordenador do Bloco Bafo Quente, Guilherme Rossini, engrossou as críticas à administração municipal. "Eu nem discuto se está certo ou errado do ponto de vista legal. A nossa indignação é com a maneira como tudo isso foi tratado. Quando constataram o problema deveriam ter revelado, pois o próprio secretário garantia a realização do Carnaval em Londrina. Foi uma grande imprudência."

Rossini alertou que o Carnaval de rua de Londrina está seriamente comprometido, pois não há tempo para reorganizar as atividades. Segundo ele, no ano passado o Bafo Quente levou para as suas apresentações populares na cidade cerca de 10 mil pessoas. "Foi muito bonito. Para este ano recusamos mais de dez propostas para tocar no Carnaval em outros lugares porque tínhamos essa reserva com a prefeitura para fazer as apresentações. Além do prejuízo financeiro, os profissionais ficam também com o prejuízo moral", reclamou Rossini.

Ele afirmou que o grupo pretende organizar uma "manifestação em tom alegre e oferecer alguma alegria para o pessoal".

Na entrevista coletiva para a imprensa, na segunda, o secretário de Cultura, Caio Cesaro, afirmou que um novo edital será elaborado dentro de aproximadamente 60 dias para que todos os produtores culturais possam apresentar projetos conforme as exigências da nova legislação. Entretanto, para algumas atividades, como as Vilas Culturais, o prazo pode ser longo demais. O coordenador dos projetos Plantão Sorriso, que leva arte aos hospitais, e Vila Triolé Cultural, na zona oeste de Londrina, Gerson Bernardes, já prevê o encerramento das atividades desenvolvidas com a comunidade. "Mesmo assim (com o novo edital), até acontecer o chamamento e todo o trâmite, é difícil manter alguns projetos que são contínuos e não podem esperar, pois têm planejamento anual. Na Vila Cultural que eu atuo a gente vai terminar as atividades."

Bernardes disse que não são novidades as mudanças na legislação federal e que seria natural alguma influência em Londrina, "mas não havia nenhuma sinalização de que poderia haver cancelamento". "O impacto dessa medida é muito grande e pode extinguir as Vilas Culturais. A gente está acostumado a lidar com atrasos e arrochos no orçamento, mas dessa forma, sem nenhuma planejamento, sem suporte, fica muito difícil."

O Filo tem prazo até agosto para sua realização, mas o diretor Luiz Bertipaglia diz que "a preocupação agora é com o próprio Promic e com os demais produtores culturais da cidade"
O Filo tem prazo até agosto para sua realização, mas o diretor Luiz Bertipaglia diz que "a preocupação agora é com o próprio Promic e com os demais produtores culturais da cidade" | Foto: Divulgação



O Festival Internacional de Londrina (Filo) pode sair ileso das drásticas mudanças no Promic este ano. Pelo menos, esta é a expectativa do diretor geral do Festival, Luiz Bertipaglia. "A gente terá que ver a dimensão de tudo isso, estamos tentando entender ainda, mas eu imagino que o Filo, por acontecer em agosto, talvez não seja tão impactado porque temos um tempo relativamente grande para adequar a proposta a um novo edital."

Ele informou que o Promic destinaria este ano R$ 300 mil ao Filo, cerca de 15% do orçamento total do evento. "A preocupação agora é com o próprio Promic e com os demais produtores culturais da cidade", concluiu Bertipaglia.

Os produtores culturais e o Conselho Municipal de Cultura participariam na noite desta terça-feira (21) de uma reunião com o secretário Caio Cesaro.



'Na verdade, recebi um problema'

O secretário municipal de Cultura, Caio Cesaro, reafirmou que a pasta adotou todos os procedimentos necessários para aplicação da lei federal 13.019/14, que provocou alterações no edital do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic). "Na verdade, recebi um problema e estamos tentando viabilizar uma solução o mais rápido possível para evitar mais prejuízos", disse ele à FOLHA.

Cesaro disse que logo após assumir o comando da Secretaria de Cultura, na primeira quinzena de janeiro, foi informado sobre a vigência da lei a partir deste ano "e como somos um órgão técnico fizemos o pedido de parecer para a Procuradoria Geral do Município (PGM), fizemos isso no sentido de garantir a continuidade do processo". Ele explicou que manteve a tramitação normal, durante o mês de janeiro, como a entrega dos documentos para a assinatura dos contratos, "até que veio o posicionamento da Procuradoria".

Segundo o secretário Caio Cesaro, a manifestação da PGM chegou até ele horas antes do anúncio feito na segunda-feira
Segundo o secretário Caio Cesaro, a manifestação da PGM chegou até ele horas antes do anúncio feito na segunda-feira | Foto: Ricardo Chicarelli/19-01-2017



Segundo o secretário, a manifestação da PGM chegou até ele horas antes do anúncio feito na segunda-feira (20). "Não faltaram esclarecimentos sobre essa tramitação. Esse argumento de que houve surpresa não cabe porque a lei é de 2014", rebatendo críticas de produtores culturais. Questionado sobre o parecer exarado pela PGM, liberando o edital no ano passado, Cesaro disse que não se manifestaria porque não estava na pasta. A reportagem procurou a ex-secretária Solange Batigliana, mas ela não atendeu as ligações para o celular.

CÂMARA
O vereador Professor Rony Alves (PTB) protocolou requerimento convidando para a sessão desta quinta-feira (23), na Câmara Municipal, o secretário municipal de Cultura, Caio Cesaro, o procurador-geral, João Luiz Esteves, e o controlador-geral, João Carlos Perez. "A comunidade cultural de Londrina está perplexa diante do anúncio do cancelamento. Precisamos de explicações detalhadas", argumentou o vereador.