São Paulo, 19 (AE) - Os meninos do Quinteto em Branco e Preto cantam e tocam, de amanhã a domingo, no Teatro Crowne Plaza. Têm, como convidada especial, a cantora baiana Ione Papas. Na segunda feira, os meninos voltam ao estúdio da gravadora CPC-Umes, pela qual estão gravando, desde a quarta-feira, seu primeiro CD. Que ainda não tem nome. Pode vir a se chamar "Nova Psicologia". É título de um dos sambas de Magno, espécie de porta-voz do grupo. O Quinteto em Branco e Preto é a melhor notícia do mundo do samba dos últimos anos.
Eles são meninos, mesmo. Magno de Souza é o mais velho: tem 24 anos, é comerciário, toca pandeiro. Seu irmão, Maurílio, tem 20 anos. É cavaquinhista. Os outros integrantes são irmãos: Yvison, de 21 anos, responde pelas percursões diversas; Everson, de 20, toca violão; e Victor Hugo, de 17, fica com a responsabiliadade do surdo.
É ouvir para crer. Eles são formidáveis. Nos últimos meses, são quem acompanha os grandes sambistas do Rio de Janeiro que visitam a cidade - e também os melhores sambistas de São Paulo, de Nei Lopes a Jorge Costa, Luís Carlos da Vila, Wilson Moreira, Monarco, Noca da Portela, Walter Alfaiate, Wilson das Neves, o novato talentoso Chapinha, daqui mesmo, Almir Guineto, Mauro Diniz, Moacyr Luz, Germano Mathias, Oswaldinho da Cuíca, Carlinhos do Cavaco, Arlindo Cruz e Sombrinha, Jovelina Pérola Negra.
Quem viu primeiro, e batizou o grupo, foi Beth Carvalho, essa mulher formidável, de faro insuperável. Aliás, Beth batizou duas vezes. Primeiro, deu-lhes o nome de Grupo Café com Leite. Na hora de registrar o nome, no entanto, os meninos descobriram que já existia um Café com Leite, banda desse forró requentado, de butique, que está ameaçando invasão no mercado - para substituir os grupo de "pagode" requentado, de butique.
No mesmo dia em que descobriram que não podiam ser Café com Leite, por coincidência, estavam gravando com Beth Carvalho o piloto para um programa de televisão sobre samba (como era sobre samba bom, não deu em nada). A cantora parou, pensou, sugeriu Quinteto em Branco e Preto. Porque são dois pretinhos, os irmãos Magno e Maurílio, e três branquinhos, os irmãos Yvison
Everson e Victor Hugo.
A essa altura, pela companhia em que andam, já sabemos, com certeza, que são grandes instrumentistas. Mas vão além. São compositores, cantores, arranjadores. Jovens mestres do ofício, estão gravando, para o disco de estréia, composições próprias - mas Nei Lopes ficou de mandar música, Moacyr Luz ficou de mandar música, Luís Carlos da Vila ficou de mandar música...
Todo mundo quer a companhia do Quinteto em Branco e Preto, uma rima, uma solução. Garotos que começaram tocando pagode de butique - era o que estava acessível - e descobriram o samba de verdade. A vocação, o que já existia neles, embora nem eles soubessem muito bem.
Magno e Maurílio são filhos de Chique-Chique, músico conhecido nas rodas de samba e boemia da São Paulo dos anos 60 e 70. A mãe, Tânia Chique, foi cantora, chegou a gravar um disco, um compacto - nos velhos tempos do compacto, disquinhos de 33 rotações por minuto com uma ou duas músicas de cada lado. Nos velhos tempos em que os discos tinham dois lados.
Então, Magno e Maurílio, que moram em Santo Amaro, na zona sul, têm música no sangue. Não consta que haja músicos na família dos branquinhos Yvison, Everson e Victor Hugo, que são de São Mateus, na zona leste. Os três irmãos tinham também um conjuntinho de pagode. Pagode de mercado, como define Magno.
Em 1997, calhou de os dois grupos de irmãos encontrarem-se no (infelizmente, hoje, fechado) bar Boca da Noite, na Bela Vista, que tinha uma segunda-feira de samba (Beth Carvalho adorava ir lá, desde o tempo em que o bar era comandado por Eduardo Gudin e Ricardo Guerreiro). O dono do bar os apresentou. Na roda de samba, começaram a tocar juntos.
Foram descobrindo afinidades. Gostavam de bom samba (mesmo que não tocassem, ainda, só bom samba), tinham muitas referências, eram dedicados à música (mesmo que não fossem, todos, ainda, músicos profissionais) e estavam curiosíssimos em saber mais. Juntaram-se no quinteto, que Beth Carvalho, então, ouviu, adorou e batizou de Café com Leite.
Começaram a ir juntos ao bar Fino da Bossa, na zona norte, onde há reuniões de samba - samba de verdade. E começaram a compor juntos, mostrar o que compunham. Os presentes foram gostando, pediam essa ou aquela - "A Cor Púrpura Zumbi", "Nova Psicologia", de Magno, "Desfez de Mim", de Magno e Maurílio, "Resultado da Desilusão", de Magno, Maurício e Francisco, "Como Disse o Aldir", de Magno, Maurílio, Everson e Victor Hugo, "Chora", de Francisco, Edvado e Everson - todas elas estarão no disco e nos shows.
Outra âncora segura para os meninos foi Carmo Lima, dublê de produtor e fã que os ouviu também no Boca da Noite - e não desgrudou mais deles. Carmo é produtor, em São Paulo, de espetáculos de samba e os pôs em contato com Nei Lopes, Luís Carlos da Vila, Monarco, Noca da Portela, Wilson Moreira - imaginem a riqueza da experiência - e Carlinhos do Cavaco, Oswaldinho da Cuíca. Bem, Carmo pôs o traço de união do café com o leite, o preto com branco, o samba com o samba.
Os meninos são mais do que as palavras podem dizer. São bonitos, simpáticos, talentosos, estudiosos, dedicados, inteligentes. Tocam maravilhosamente, cantam, todos, muito bem, compõem como gente grande. O samba é o dom deles, como nas palavras do genial Wilson das Neves, e eles chegaram para dar um peteleco nos defensores de certa linguagem pretensamente popular da periferia - para defender a bobagem do pagode de mercado. Besteira. O Quinteto em Branco e Preto é a música da periferia. O resto é oca teoria.