Em seu novo livro, “OVO”, o dramaturgo londrinense Renato Forin Jr. narra o encontro de dois irmãos, Édipo e Electra, após um longo distanciamento. Um encontro que acontece após a notícia do falecimento da mãe. Um encontro que remete a dois clássicos personagens do teatro grego. Dois irmãos revirando as dobras do passado na sede de compreender a vida.

A obra foi vencedora do Prêmio Literário FCP, promovido pela Fundação Cultural do Estado do Pará, na categoria Dramaturgia. O lançamento em Londrina acontece neste sábado (24), às 16 horas no Sesc Cadeião Cultural, em Londrina, com leitura dramática de fragmentos do livro e fala de Forin sobre os aspectos da dramaturgia contemporânea.

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Utilizando referências do teatro grego, elementos do teatro contemporâneo e da psicanálise, a dramaturgia de “OVO” toca em várias camadas do sentimento de perda, da sensação de finitude, da percepção da efemeridade e da fragilidade dos afetos. Em breve a obra será publicada na França através do projeto “Nova Dramaturgia Francesa e Brasileira”.

Autor de várias peças teatrais, Renato Forin Jr. foi contemplado com o Prêmio Jabuti de 2017 e o Prêmio Outras Palavras de 2020 pela dramaturgia de “Samba de Uma Noite de Verão”, livro publicado em 2016 pela editora Kan.

A seguir, Forin fala sobre o livro e como a peça representa uma forma de “encarar a viagem-vertigem da vida”.

Em “OVO” você coloca, vivendo nos dias atuais, a figura de dois irmãos inspirados em dois mitológicos personagens do antigo teatro grego: Édipo e Electra. Qual sua intenção em aproximar esses dois personagens?

A maioria dos mitos clássicos ligam-se por relações intrincadas, dentro de uma mesma árvore genealógica ou sociedade. Por isso, a crítica costuma dividir o arcabouço mítico grego em ciclos, como o troiano, o tebano, o dos argonautas. O que sempre me impressionou, entretanto, é que mesmo pertencentes a ciclos distintos, certos personagens carregam dilemas e traços de personalidade muito parecidos. É o caso de Édipo e Electra, que aparentemente não possuem nenhum entrecruzamento ficcional, já que ele é do ciclo tebano e ela do troiano. Contudo, eles se assemelham na desmedida, em sua sanha apaixonada de lutar contra o destino: ela aficionada pelo pai, odiando a mãe; ele, em diametral oposição. As figuras parentais de ambos também acabam portando traços arquetípicos semelhantes. Meu jogo fabular em “OVO” foi interligá-los em laços consanguíneos, como irmãos. E, ao mesmo tempo, fazer pensar nas diferenças: em como Édipo é um joguete do destino, enquanto Electra faz o destino com as próprias mãos. Evidentemente, não é inocente a interpretação psicanalítica que nasce de tais relações familiares.

“OVO” traz o embate entre dois irmãos que envolve a morte do pai e da mãe, uma história sobre a angústia da perda. Mas também, como você afirma, uma história sobre a finitude e a efemeridade. O que você acha que perda, finitude e efemeridade podem nos ensinar?

A obra trata, em camadas subjacentes, de questões míticas e ontológicas que parecem complexas. Entretanto, o tema essencial desta dramaturgia é muito simples, na medida em que faz parte do nosso cotidiano inapelável: a passagem das pessoas e das coisas, o desaparecimento de quem se ama e a fragilidade de tudo diante de circunstâncias intransigentes como o tempo. A morte, afinal, é a grande ferida trágica e a consciência dela nos coloca em permanente desamparo. O que os gregos descobriram e filósofos como Nietzsche aprofundaram é que, se a vida é caos e transformação, não há nada mais a ser feito senão abraçar de forma afirmativa esta condição, o “amor fati” – e a arte é um bom modo de fazê-lo. Iluminar, portanto, a nossa condição efêmera, em obras como esta, é uma forma de criar anticorpos de coragem para encarar a viagem-vertigem da vida. De um ponto de vista subjetivo, posso dizer que a escrita de “OVO”, em um momento de perda familiar, me fez ressignificar as passagens. Ao partilhar esta experiência com leitores, espero que o efeito seja parecido. Pois, se a dor nos irmana numa estranha fraternidade, a arte é o lenitivo que faz com que nos reconheçamos, como escrevo no texto de apresentação.

Renato Forin Jr.: "A morte, afinal, é a grande ferida trágica e a consciência dela nos coloca em permanente desamparo"
Renato Forin Jr.: "A morte, afinal, é a grande ferida trágica e a consciência dela nos coloca em permanente desamparo" | Foto: Marika Sawaguti/ Divulgação

Em momentos pontuais da dramaturgia de “OVO” os atores se desnudam dos personagens ficcionais para se revelaram como pessoas reais de carne e osso. Por que você optou em desnudar a ilusão do espetáculo?

Desde o prólogo, “OVO” tece um diálogo franco com o público e com o leitor, sem afetações ficcionais. A primeira fala do personagem Édipo é: “Vocês perguntam como a gente começa. E eu pergunto: como a gente começa uma peça que fala sobre o fim?”. Essa é uma metáfora para todas as perguntas trágicas – sem respostas – que virão. A fábula aparece aos poucos e desaparece em vários momentos porque todas as questões centrais que estão ali são propriamente humanas. Busco, claro, efeitos estéticos para trabalhar a sutileza na transição de vozes dessa polifonia. Assim, ora são os atores, ora os personagens adultos, ora crianças, ora laivos de pensamento e ora narradores que costuram a poesia do texto. E, no fundo, são um só: o impersonagem humano. Além disso, o século 20 provou que a ilusão irrestrita nem sempre é o lugar mais confortável para os propósitos de uma arte como o teatro, cuja matéria-prima é, essencialmente, o real.

Em breve “OVO” será publicado na França dentro de um projeto de intercâmbio entre dramaturgia brasileira e dramaturgia francesa. Como isso aconteceu?

A encenação do espetáculo nos deu muitos presentes e proporcionou encontros. Foram mais de 30 apresentações em Londrina e em festivais internacionais, como Cena Contemporânea (Brasília), Filte (Bahia), Porto Alegre em Cena, dentre outros. Em meio à turnê, surgiu este convite para que eu integrasse o rol de autores brasileiros do projeto “Nova Dramaturgia Francesa e Brasileira”, promovido pelo Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil, La Comédie de Saint-Étienne, Instituto Francês e Embaixada da França no Brasil. Por ele, tive o prazer de traduzir “Homens Que Caem”, da francesa Marion Aubert, convidada da última Flip. Aubert, por sua vez, coordenou a tradução de “OVO” na França. A obra seria lançada em 2020, mas os planos foram interrompidos pela pandemia. O lançamento em quatro cidades daquele país acontecerá tão logo se firmem novamente os acordos logísticos.

Imagem ilustrativa da imagem "OVO": livro sobre a finitude das coisas tem lançamento em Londrina
| Foto: Divulgação

SERVIÇO:

“OVO”

Autor – Renato Forin Jr.

Prefácio – Fernanda Borges

Posfácio – Sonia Pascolati

Editora – Fundação Cultural do Estado do Pará

Páginas – 100

Quanto – R$ 30 (no lançamento preço promocional R$ 25)

Lançamento:

Quando – Sábado (24), às 16h

Onde – Sesc Cadeião Cultural (Rua Sergipe, 52, Londrina)

Quanto – Entrada gratuita