Jack Nicholson: "Tive tudo que um homem pode ter na vida, mas ninguém poderá dizer que tive êxito nos assuntos do coração"
Jack Nicholson: "Tive tudo que um homem pode ter na vida, mas ninguém poderá dizer que tive êxito nos assuntos do coração" | Foto: Fotos: Reprodução



O aniversário é dele, mas o presente nós é que vamos ganhar. Tido como aposentado por conta de um boato de Alzheimer talvez plantado pelas "Bruxas de Eastwick" – a comédia negra e sexista de George "Mad Max" Miller que está fazendo 30 anos –, o iluminado Jack Nicholson esperou sete anos para anunciar o seu canto de cisne: a refilmagem da comédia alemã "Toni Erdmann", de 2016. Um personagem à altura da inesgotável capacidade histriônica deste que muitos consideram um dos maiores atores da história do cinema, ao lado de Brando e Olivier.

É bom lembrar que existem muitos tipos de atores, mas o grande público ama de fato apenas cinco entre todas as espécies. Os primeiros são os mais antigos, clássicos e mortos: Cary Grant, Spencer Tracy, Henry Fonda, James Stewart e aqueles poucos ainda vivos como Kirk Douglas. Clássicos, simplesmente. Praticamente extintos.

Os segundos são os chamados buracos negros. São os que não interpretam o personagem, mas sempre dão um jeito para que os personagens interpretem a eles mesmos, os atores. São Clint Eastwood, Harrison Ford, Al Pacino, Tom Hanks, Gene Hackman e outros três ou quatro. Em extinção.

Os terceiros são exatamente o contrário. É a turma do método, aquele do Stanislavski, o tipo cabeça. O pessoal que penetra tão fundo nos personagens que o espectador acaba perguntando como eles sairão dali sem perder a sanidade. De Niro, Brando, Dustin Hoffman, Joaquin Phoenix, de novo Pacino. E o mais afinado no momento, Daniel Day-Lewis, que exigiu que toda a equipe de filmagem do "Lincoln" de Spielberg o chamasse de Mr. President, com medo de que a "alma" do personagem se "desprendesse" do corpo, de resto já tomado por absoluta semelhança física. Espécie ameaçada, mas resistente.

Em quarto lugar aparecem os histriônicos, aqueles a quem se pode chamar com liberal empatia de "loucos de pedra". Di Caprio ensandecido pelo mix de capitalismo e cocaína em "O Lobo de Wall Street", Anthony Hopkins canibal-gourmet em "Silêncio dos Inocentes", Joe Pesci sádico e irreverente em "Os Bons Companheiros".

E a quinta espécie é... Jack Nicholson. Ele é todos os anteriores. E é sempre algo mais.
Nicholson fez 80 anos no sábado (22). Nos últimos sete esteve quieto, sem interpretar ninguém, em ocaso programado, saúde especulada. Indiscutível a posição que ele ocupa no ranking dos melhores da história. Stanley Kubrick, o diretor de cinema mais complicado do século 20 por conta dos excessos, da mania de perfeição, das obsessões, do detalhismo minucioso, dizia sempre que Jack era o melhor. Não era pouco. O ator retribuiu a generosidade de Kubrick oferecendo ao cineasta o zelador louco de pedra Jack Torrance em "O Iluminado", há 37 anos.

Jack Nicholson dirigido por Stanley Kubrick em "O Iluminado"
Jack Nicholson dirigido por Stanley Kubrick em "O Iluminado"



CARISMA
Além da reconhecida capacidade para criar o possível e o impossível diante das câmeras, Jack Nicholson é um dos personagens mais carismáticos de Hollywood, aqui incluída a canalhice... Seu comportamento com as mulheres trouxe a fama de predador. Não à toa seu apelido em Los Angeles ainda hoje é "Jumping Jack" (Jack saltador), pela facilidade com que salta (ou saltava...) de uma mulher para outra. São suas as palavras em entrevista coletiva que sempre fez a delícia da mídia: "Morrerei só. Gostaria muito de ter um último romance, mas sou realista e sei que é difícil que isso aconteça porque eu as amedronto. Tive tudo que um homem pode ter na vida, mas ninguém poderá dizer que tive êxito nos assuntos do coração".

A fabulação sobre ele é imensa. Contam-se histórias, verdadeiras, inventadas ou meio a meio sobre o estranho fascínio de Nicholson, que afirmam ser baseado em uma personalidade até sobrenatural. A crônica que circula neste momento é sobre sua saída do retiro voluntário em sua velha mansão nas colinas de Hollywood exatamente para pedir a Brad Grey, ninguém menos que o CEO da Paramount, para interpretar o papel do ator austríaco Peter Simonischek na refilmagem americana da produção alemã "Toni Erdmann" – o filme, com perfil de arte, já teve estreia no Brasil, mas está inédito em Londrina. Pela idade do original, um remake desnecessário, que não estava na cabeça de ninguém. A não ser de Nicholson. Porque "Toni Erdmann", ovacionado em Cannes, é filme recente, do ano passado, ainda em lançamento em muitos circuitos. Mas o que circula com quase absoluta certeza é que será o último filme do ator, e isso é suficiente para que todos que já trabalharam com ele façam de tudo para satisfazer seu último capricho. Ou desejo.

Jack Nicholson com Marlon Brando em "Duelo de Gigantes"
Jack Nicholson com Marlon Brando em "Duelo de Gigantes"



UM SOLITÁRIO
O remake de "Toni Erdmann" ainda não tem diretor. O personagem é um solitário que anda há muito afastado da filha adulta que ficou insensível em meio a tanto workaholismo. Ele quer reatar laços de ternura e utiliza todos os artifícios imagináveis ou não. Já se sabe que a escolhida para o papel foi a comediante Kristen Wiig, que também será um dos produtores do filme. O último trabalho de Nicholson foi em 2010, a comédia boba e prescindível "Como Você Sabe". O filme mais próximo minimamente decente foi "Antes de Partir", de 2007, com ele e Morgan Freeman terminais em férias antes de morrer. Passável, mas também nada a comemorar. Diante deste quadro melancólico, ninguém mais esperava um regresso digno à carreira. Mas quem se recorda do que Jack é capaz quando encontra material como este já antecipa interpretação à altura de seus momentos mais performáticos e celebrados: "Estranho no Ninho".

Portanto, agarrem-se a esta esperança chamada "Toni Erdmann" como aquilo que ela anuncia de fato: um presente. A despedida de Jack Nicholson. Um tipo que, quando morrer, levará com ele uma maneira muito particular de compreender a profissão de ator. A quem iremos recorrer então? Suas pegadas são enormes, seu glamour e sua canalhice seguem hoje por caminhos muito diferentes daqueles percorridos por ele em seus melhores momentos. Vai fazer muita falta. Já está fazendo.