Os 80 anos e a volta de Jack
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 24 de abril de 2017
Carlos Eduardo Lourenço Jorge<br>Especial para Folha2
O aniversário é dele, mas o presente nós é que vamos ganhar. Tido como aposentado por conta de um boato de Alzheimer talvez plantado pelas "Bruxas de Eastwick" a comédia negra e sexista de George "Mad Max" Miller que está fazendo 30 anos , o iluminado Jack Nicholson esperou sete anos para anunciar o seu canto de cisne: a refilmagem da comédia alemã "Toni Erdmann", de 2016. Um personagem à altura da inesgotável capacidade histriônica deste que muitos consideram um dos maiores atores da história do cinema, ao lado de Brando e Olivier.
É bom lembrar que existem muitos tipos de atores, mas o grande público ama de fato apenas cinco entre todas as espécies. Os primeiros são os mais antigos, clássicos e mortos: Cary Grant, Spencer Tracy, Henry Fonda, James Stewart e aqueles poucos ainda vivos como Kirk Douglas. Clássicos, simplesmente. Praticamente extintos.
Os segundos são os chamados buracos negros. São os que não interpretam o personagem, mas sempre dão um jeito para que os personagens interpretem a eles mesmos, os atores. São Clint Eastwood, Harrison Ford, Al Pacino, Tom Hanks, Gene Hackman e outros três ou quatro. Em extinção.
Os terceiros são exatamente o contrário. É a turma do método, aquele do Stanislavski, o tipo cabeça. O pessoal que penetra tão fundo nos personagens que o espectador acaba perguntando como eles sairão dali sem perder a sanidade. De Niro, Brando, Dustin Hoffman, Joaquin Phoenix, de novo Pacino. E o mais afinado no momento, Daniel Day-Lewis, que exigiu que toda a equipe de filmagem do "Lincoln" de Spielberg o chamasse de Mr. President, com medo de que a "alma" do personagem se "desprendesse" do corpo, de resto já tomado por absoluta semelhança física. Espécie ameaçada, mas resistente.
Em quarto lugar aparecem os histriônicos, aqueles a quem se pode chamar com liberal empatia de "loucos de pedra". Di Caprio ensandecido pelo mix de capitalismo e cocaína em "O Lobo de Wall Street", Anthony Hopkins canibal-gourmet em "Silêncio dos Inocentes", Joe Pesci sádico e irreverente em "Os Bons Companheiros".
E a quinta espécie é... Jack Nicholson. Ele é todos os anteriores. E é sempre algo mais.
Nicholson fez 80 anos no sábado (22). Nos últimos sete esteve quieto, sem interpretar ninguém, em ocaso programado, saúde especulada. Indiscutível a posição que ele ocupa no ranking dos melhores da história. Stanley Kubrick, o diretor de cinema mais complicado do século 20 por conta dos excessos, da mania de perfeição, das obsessões, do detalhismo minucioso, dizia sempre que Jack era o melhor. Não era pouco. O ator retribuiu a generosidade de Kubrick oferecendo ao cineasta o zelador louco de pedra Jack Torrance em "O Iluminado", há 37 anos.
CARISMA
Além da reconhecida capacidade para criar o possível e o impossível diante das câmeras, Jack Nicholson é um dos personagens mais carismáticos de Hollywood, aqui incluída a canalhice... Seu comportamento com as mulheres trouxe a fama de predador. Não à toa seu apelido em Los Angeles ainda hoje é "Jumping Jack" (Jack saltador), pela facilidade com que salta (ou saltava...) de uma mulher para outra. São suas as palavras em entrevista coletiva que sempre fez a delícia da mídia: "Morrerei só. Gostaria muito de ter um último romance, mas sou realista e sei que é difícil que isso aconteça porque eu as amedronto. Tive tudo que um homem pode ter na vida, mas ninguém poderá dizer que tive êxito nos assuntos do coração".
A fabulação sobre ele é imensa. Contam-se histórias, verdadeiras, inventadas ou meio a meio sobre o estranho fascínio de Nicholson, que afirmam ser baseado em uma personalidade até sobrenatural. A crônica que circula neste momento é sobre sua saída do retiro voluntário em sua velha mansão nas colinas de Hollywood exatamente para pedir a Brad Grey, ninguém menos que o CEO da Paramount, para interpretar o papel do ator austríaco Peter Simonischek na refilmagem americana da produção alemã "Toni Erdmann" o filme, com perfil de arte, já teve estreia no Brasil, mas está inédito em Londrina. Pela idade do original, um remake desnecessário, que não estava na cabeça de ninguém. A não ser de Nicholson. Porque "Toni Erdmann", ovacionado em Cannes, é filme recente, do ano passado, ainda em lançamento em muitos circuitos. Mas o que circula com quase absoluta certeza é que será o último filme do ator, e isso é suficiente para que todos que já trabalharam com ele façam de tudo para satisfazer seu último capricho. Ou desejo.
UM SOLITÁRIO
O remake de "Toni Erdmann" ainda não tem diretor. O personagem é um solitário que anda há muito afastado da filha adulta que ficou insensível em meio a tanto workaholismo. Ele quer reatar laços de ternura e utiliza todos os artifícios imagináveis ou não. Já se sabe que a escolhida para o papel foi a comediante Kristen Wiig, que também será um dos produtores do filme. O último trabalho de Nicholson foi em 2010, a comédia boba e prescindível "Como Você Sabe". O filme mais próximo minimamente decente foi "Antes de Partir", de 2007, com ele e Morgan Freeman terminais em férias antes de morrer. Passável, mas também nada a comemorar. Diante deste quadro melancólico, ninguém mais esperava um regresso digno à carreira. Mas quem se recorda do que Jack é capaz quando encontra material como este já antecipa interpretação à altura de seus momentos mais performáticos e celebrados: "Estranho no Ninho".
Portanto, agarrem-se a esta esperança chamada "Toni Erdmann" como aquilo que ela anuncia de fato: um presente. A despedida de Jack Nicholson. Um tipo que, quando morrer, levará com ele uma maneira muito particular de compreender a profissão de ator. A quem iremos recorrer então? Suas pegadas são enormes, seu glamour e sua canalhice seguem hoje por caminhos muito diferentes daqueles percorridos por ele em seus melhores momentos. Vai fazer muita falta. Já está fazendo.