Antonin Artaud: por suas ideias, abordagens e rupturas é considerado um dos nomes mais importantes do teatro do século 20
Antonin Artaud: por suas ideias, abordagens e rupturas é considerado um dos nomes mais importantes do teatro do século 20 | Foto: Reprodução
Cena de ‘cARTAUDgrafia 3 – o Retorno do Momo": releitura da obra de Artaud em espetáculo de grande impacto visual da companhia Taanteatro
Cena de ‘cARTAUDgrafia 3 – o Retorno do Momo": releitura da obra de Artaud em espetáculo de grande impacto visual da companhia Taanteatro | Foto: Wolfgang Pannek/Divulgação



Em 2016 completam-se 120 anos do nascimento de Antonin Artaud, poeta, dramaturgo e um dos pensadores mais importantes do século 20. Artaud nasceu em 4 de setembro de 1896, ao longo da vida, por problemas de saúde, acabou viciado em opiáceos e era tido como louco. Morreu em 4 de março de 1948, aos 51 anos, no hospício de Ivry (França), agarrado a um sapato. A cena de sua morte não deixa de ser uma representação de sua própria solidão. Crítico da cultura de seu tempo e dos padrões da sociedade ocidental, não poupava nem a ciência e, especialmente, os métodos da psiquiatria com os quais esteve cara a cara nos diversos períodos de internamento.
Criador do Teatro da Crueldade, teoria publicada em forma de manifesto em 1932, influenciou e participou do movimento surrealista, com o qual rompeu depois por não concordar com a adesão política do movimento ao comunismo. As teorias do Teatro da Crueldade – que pode ser definido de forma simplificada como uma crítica à cultura do espetáculo – foram publicadas no livro "O Teatro e Seu Duplo" em 1938, sem ganhar muita ressonância. Só a partir dos anos 1960 artistas de todo mundo passaram a disseminar e reinterpretar suas ideias. O trabalho artístico de Artaud estava ligado a um plano de linguagem pré-verbal, atingindo a profundidade da psique humana. Sua forma de fazer teatro abarcava o plano sensorial e intuitivo.
Em 2015, a companhia Taanteatro de São Paulo encenou uma trilogia chamada cARTAUDgrafia, o título é uma combinação da palavra cartografia com o nome de Artaud, propondo um mapeamento de sua obra através de coreografias. Composta de três espetáculos – "cARTAUGRAfia 1 – uma Correspondência"; "cARTAUDgrafia 2 – Viagem ao México" e "cARTAUDgrafia 3 - o Retorno do Momo", a trilogia dirigida por Wolfgang Pannek mostrou fases distintas da vida e obra de Artaud. Da infância, quando era chamado de Nanaqui, passando por seu profundo contato com a cultura primitiva mexicana da qual extraiu conhecimentos, até o fim angustiado de sua vida num hospício.

Destes espetáculos resultaram entrevistas que fiz com Pannek, alemão radicado no Brasil e co-diretor da companhia Taanteatro juntamente com Maura Baiocchi. Estas entrevistas foram reunidas num livro da companhia chamado "Taanteatro – (Des)construção e Esquizopresença", publicado pela Transcultura e lançado em agosto deste ano. O livro faz parte de uma série de publicações que a companhia começou a fazer em 2007 visando o compartilhamento de sua pesquisa teórica, didática e criativa. Ele também traz textos do próprio Pannek, da coreógrafa e performer Maura Baiocchi, do filósofo Luiz B.L.Orlandi, da psicanalista Natalia Barrionuevo, da performer Alda Maria Abreu e do diretor teatral Rodrigo Marcó del Pont.

ARTE E LOUCURA
Incompreendido em seu tempo, foram muitas as ocasiões em que Artaud foi rechaçado pela cultura em que viveu. Certa vez, nos anos 30,foi à Sorbonne apresentar o Teatro da Crueldade, o que exigia uma encenação com sonoplastia dramática. Assim que começou a emitir urros e grunhidos, a plateia levantou-se em peso e saiu do auditório. A única pessoa que permaneceu foi a escritora Anais Nin, amiga de Artaud, que compreendeu sua criação.
O Teatro da Crueldade toma a realidade como obra, mostrando um envolvimento visceral e ritual em cena. Para Wolfgang Pannek, Artaud sempre esteve em busca de "uma cultura original e tinha a disposição de realizar o Teatro da Crueldade em seu próprio corpo."
Ao fim do primeiro espetáculo da trilogia criada pela Taanteatro, Artaud aparece dançando com outros poetas considerados loucos, todos grandes nomes da cultura que foram incompreendidos em seu tempo como Friedrich Hölderlin, Gérard de Nerval, Lautréamont, Alfred Jarry, Charles Baudelaire e Arthur Rimbaud, entre outros. Segundo Pannek, o espetáculo mostrou amizades extemporâneas entre guerreiros poéticos que compartilhavam o mesmo problema: "Artaud rejeitava o rótulo da loucura. Para ele esses poetas não eram loucos, mas gênios libertos dos costumes e do conformismo burgueses, que morreram na tentativa de preservar sua individualidade contra todas as formas de massificação e escravidão contemporâneas."
Perguntado sobre as relações da loucura com a criação artística, Pannek afirma: "a maior maldição que um criador pode enfrentar é a tentativa de generalização da singularidade de sua obra ou sua redução a um sintoma patológico. Em Artaud, liberdade e criação são dimensões inseparáveis. Liberdade somente existe no ato da criação de si mesmo. Para ele o mundo, a vida, o corpo, o Eu, o pensamento e a arte nunca são algo dado, mas algo a ser criado. Mas este ato de criação não é um bem comum e de fácil alcance; é uma batalha árdua e permanente contra identidades, formas, essências e leis preestabelecidas. O rótulo da loucura estigmatiza, mas não explica nada", conclui.

Imagem ilustrativa da imagem Os 120 anos de Artaud



SERVIÇO:Livro "Taanteatro – (Des)contrução e Esquizopresença (Transcultura, São Paulo, 2016) pode ser adquirido pelo e-mail: [email protected]