Joaquim Braga, o Braguinha, é uma das maiores referências do samba em Londrina. Perto de completar 72 anos, tem na cabeça praticamente toda a história do ritmo desde quando chegou aqui, em 1969. Morava na Vila Santa Teresinha, um lugar de gente muito pobre, no final de uma rua, um lugar muito degradante e assim passaram os anos quando ele acabou indo conhecer um batuque que acontecia por lá, em 1972. “Eu nem sabia o que era samba. Meus irmãos que já frequentavam me disseram que eles estavam ensaiando para o Carnaval. Isso eu também não sabia o que era”, conta.

Encantado pelo ritmo e decidido a aprender a tocar um instrumento, declinou do convite para ser passista, aceitou a hierarquia da bateria e abraçou com muita dedicação a frigideira, onde o ritmo era marcado com uma baqueta. Com 19 anos, na Acadêmicos da Vila Casoni, com uma frigideira na mão e batucando entre as cabrochas, estampou a capa do “Novo Jornal”. Mas veio o descontentamento com os dirigentes, percebeu que a diretoria não era justa com os componentes, considerando pouco quem realmente fazia acontecer o carnaval da escola, ensaiando o samba o ano inteiro em retalhos de cetim, como recita o famoso samba.

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Até 82, ficou longe do Carnaval, mas continuava no samba, agora com o violão, cantando e compondo. Ajudou a criar o bloco do Coral da UEL, o “Sol Dó Si Mi Ré Lá” que participava dos desfiles no sábado de Carnaval e foi campeão com uma bateria nota 10, e, no final de 1984 se viu gestor da mítica Quilombo dos Palmares que nascia nos Cinco Conjuntos, entre os frequentadores do Bar Zumbi, reduto do povo e do movimento negro da Região Norte. O primeiro desfile já foi no ano seguinte e a recém criada escola de samba amargou o último lugar na competição. Nada que abalasse a vontade de fazer da agremiação algo que marcasse a história das escolas de samba em Londrina. Foi a primeira a criar um espaço de inclusão, recrutando para os desfiles as travestis da cidade. “A ideia surgiu porque queríamos mais presença feminina nos desfiles. Conversamos com a Minervina, uma das travestis mais lindas que essa cidade já viu e que era uma liderança entre elas e aceitaram, ficaram empolgadas, se dedicaram e eram delas as fantasias mais luxuosas da avenida. A escola acabou ficando estigmatizada como aquela das travestis, mas ninguém se importava com isso, menos as mulheres casadas e as namoradas de alguns componentes que ficaram enciumadas”, lembra. No segundo ano, a Quilombo de Palmares já foi a vice-campeã do desfile e no ano seguinte, ficou com o primeiro lugar e venceu o segundo Carnaval em 1992, depois de uma sucessão de vice-campeonatos.

PUXADOR DE SAMBA-ENREDO

A escola existiu até 2008 e nessa época Braguinha não estava mais na direção. No entanto, sempre foi o compositor junto com o grande amigo Valdir de Assis e puxador dos samba-enredo, em todos os desfiles. “Foi uma época muito boa, um carnaval concorrido e desse movimento até surgiu uma associação das escolas, uma ideia que eu trouxe de Vitória, para gerir e organizar o Carnaval de Londrina e com ela, fizemos o maior e mais bonito Carnaval que a cidade já viu, isso em 1992. Só sobraram as dívidas porque acabamos gastando mais do que tínhamos no caixa. Faltava experiência de gestão e a organização financeira. E foi um Carnaval apoteótico para a Quilombo também”, comenta.

Braga não vive de memórias. Continua ativo, na militância do samba, requisitado para falar do assunto até para teses de mestrado e doutorado. Reverenciado, não deixa de dizer que o samba é um filho bonito da cultura brasileira, é resistência popular. “No Rio de Janeiro no começo do século XX, os sambistas foram exilados no morro e houve a elitização e apropriação da cultura do carnaval através dos blocos, nos salões nos clubes privados. Alguns sambistas continuaram ali, servindo e agradando a elite compondo marchinhas e outros, fizeram o caminho inverso e subiram o morro. Pixinguinha foi ensinar a arte do choro no morro, Noel Rosa era estudante de medicina e foi para o Morro dos Macacos, perto de Vila Isabel”, contextualiza. “O samba é sempre um ato de resistência e está em todo lugar mesmo tendo sido sempre considerado uma manifestação marginal e aqui em Londrina, não é diferente. O samba é do povo. É alegria, as pessoas se soltam, seja numa roda de samba de botequim ou numa Escola. Faz o povo feliz. O samba é agregador”, sentencia.