“Converso com você na sala de jantar sobre o que você come”, diz a chef Eugénie (Juliette Binoche), de fala mansa, explicando porque ela não se senta com os convidados para jantar – ela prefere estar na cozinha, calma, silenciosa, criando magia. Estamos em 1889, em bela mansão no interior da França, onde Eugénie vive ao lado de seu aristocrata empregador e às vezes amante Dodin (Benoît Magimel), ele próprio um aclamado chef conhecido como “o Napoleão da gastronomia”.

O mais recente e delicioso filme do vietnamita radicado na França Tran Anh Hung, “O Sabor da Vida” (“Le Pot au Feu”), é a história de amor deles, contada principalmente através da comida. A produção está disponível a partir desta quinta (11), no menu do Shopping Aurora.

A rigor, não acontece muita coisa no filme: as refeições são preparadas, degustadas e saboreadas; o vinho, bebido com o mesmo prazer; expressões de satisfação são trocadas. Um longo e maravilhoso plano-sequência logo no início nos apresenta Eugénie e Dodin – e suas assistentes, Violette (Galatéa Bellugi) e sua jovem sobrinha, o prodígio gastronômico Pauline (Bonnie Chagneau-Ravoire) – através da elaborada preparação de uma refeição. A segurança de Binoche e Magimel (que, ao contrário de muitos filmes de culinária, estavam na verdade cozinhando pratos específicos) é uma maravilha enquanto eles se movem com confiança pela cozinha; você ouve o chiar dos vegetais em uma frigideira, observa Eugénie, silenciosamente sorridente, estripar delicadamente um peixe e assar uma vitela, e quase acredita que pode sentir o cheiro dos aromas que enchem aquela sala ensolarada.

Mais tarde, Dodin prepara uma refeição igualmente elaborada apenas para Eugénie, que fica sentada sozinha na sala de jantar enquanto os pratos são servidos com reverência – o molho é adicionado com tanto cuidado que parece um sacramento - como estrofes de um poema romântico. E mais adiante, os dois sentam-se na cozinha tarde da noite, compartilhando uma refeição simples de omelete, queijo e vinho que parece tão irresistível quanto os luxuosos banquetes anteriores.

O filme é uma história de amor pela culinária e de amor simplesmente entre os dois protagonistas
O filme é uma história de amor pela culinária e de amor simplesmente entre os dois protagonistas | Foto: Divulgação

Como “A Festa de Babette” ou qualquer dos grandes filmes culinários, “O Sabor da Vida” é essencialmente uma carta de amor à comida e à culinária; à sensação de saborear uma sopa que “lembra o desenvolvimento de uma sonata” (como diz Dodin sobre a famosa sopa de Eugénie); à natureza sensual da comida (vemos, habilmente emparelhados, a curva de uma pêra e as curvas de uma mulher); à simples alegria de fazer algo ao lado de uma pessoa amada. Hung enche seu filme de beleza, desde a sinfonia constante de pássaros cantando lá fora até o glorioso sol que entra pelas janelas da cozinha, como um convidado. Aprendemos a cozinhar o peixe em fogo brando “para respeitar o peixe” e a cobrir a cabeça com um guardanapo enquanto nos inclinamos sobre um prato, para melhor saborear o aroma da refeição.

Realizado uma delicadeza envolvente, “O Sabor das Coisas”, adaptação do romance “A Epicure Apaixonada”, de Marcel Rouff (publicado em 1924), é um filme de amor. De amor total pela culinária filmada e discutida nos mínimos detalhes, e de amor muito simplesmente entre os dois protagonistas, excelentes. O muito harmonioso diretor Tran Anh Hung (“O Cheiro da Papaia Verde”,1993) oferece um longa-metragem relativamente audacioso (menção especial ao excelente Jonathan Ricquebourg como diretor de fotografia). Um filme muito especial, cuja mistura de classicismo romântico e imersão gastronómica vai correr mundo como digno emissário da cultura frances.

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