Com 20 anos de atividades, o Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) é reconhecido pela sociedade de Londrina e região, além de ser referência em nível nacional.

Das ações que transformam o cotidiano das periferias a espetáculos de repercussão para além das fronteiras, a cena cultural londrinense pode ser delimitada, respeitosamente, com um antes e depois do Promic.

Assim como no ano de 2022, emendas na Câmara de Vereadores de Londrina à LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2024 propõem a retirada de recursos do Promic para aplicação nas áreas de segurança, saúde e esporte. O programa pode perder R$ 3,2 milhões dos R$ 5,3 milhões previstos para o próximo ano caso as propostas sejam aprovadas. Em entrevista à Folha de Londrina, o Secretário de Cultura, Bernardo Pelegrini, discorre sobre esse assunto e outros.

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Qual seu ponto de vista, como Secretário de Cultura, sobre a proposta de redução orçamentária de um programa que é tão significativo para a cidade?

Isso não é uma iniciativa da Câmara de Vereadores, mas de dois vereadores isolados que tentam criminalizar a cultura e transformá-la em um bode expiatório dos problemas do mundo.

A cultura é um dos instrumentos que a sociedade tem para pensar um convívio mais equilibrado, mais justo , pois traz questionamento, reflexão, mudança de espírito, emoção. Acima de tudo, quando tentam criminalizar a cultura cometem um grande erro tentando iludir os seus eleitores e suas bases dizendo que cultura é para financiar fricote de artista e isso é uma mentira. Esse é um dinheiro muito bem investido pois o Promic está na vida das pessoas: está nos hospitais, a exemplo do Plantão Sorriso, com as mulheres vítimas de violência, a exemplo dos trabalhos da Marina Stuchi, e na memória da cidade.

São investimentos nos meninos da periferia, nas linguagens como o hip hop e a grafitagem, tão marginalizadas. Investimentos no circo que vai para as todas as escolas municipais. Em Londrina, temos um modelo de cultura que atende toda a cidade dentro do espírito da cidadania. Se pensarmos, seguramente, o bem supremo, do povo, é a cultura.

A verba de que dispõe a pasta é a ideal?

Chama-me a atenção que ao dar visibilidade à verba de que dispõe a pasta da cultura, devemos esclarecer que o nosso orçamento é o mesmo de 15 anos atrás, sem a correção anual da inflação e sem investimentos.

A verdade é que a pasta já teve 1,5% do orçamento, o que significaria em torno de R$ 40 a 50 milhões de reais. Hoje, temos R$ 17 milhões. O poder que o secretário de Cultura tem diante desse contexto e do impasse é o de chamar a atenção da sociedade e trazer à tona a potência da comunidade cultural de Londrina, que não é pouca: temos 10 festivais. Agora mesmo no final do ano, temos a editora Grafatório com trabalhos estupendos destacando as artes visuais, como o livro de Arnaldo Batista, dos Mutantes, que estava esquecido, ou o Festival de Música encubando a Escola Pública de Música Popular que estamos tentando construir.

A questão do orçamento estou tratando diretamente com o prefeito Marcelo Belinati para no ano que vem conseguirmos recursos para reabrir o Museu de Arte, reabrir o Teatro Zaqueu de Melo e ter um pouco mais de recursos no Promic para expandir suas ações nas periferias e facilitar para essas gerações de meninos e meninas acessos a editais simplificados e recursos garantidos, com prestações de contas fáceis de fazer.

O que o Programa Municipal de Incentivo à Cultura representa para a população?

O Promic, ao completar 20 anos, merece todas as grandezas: já investiu em mais de 1700 projetos socioculturais e transformou Londrina na primeira a aplicar o sistema municipal de Cultura. Somos reconhecidos em todos os lugares pela potência de nossos artistas, nossa comunidade cultural e existem os reflexos disso no cotidiano da sociedade, graças a esse traço de ativismo, beleza, presença e participação dos artistas.

Assim, é claro que os artistas estão preocupados com o destino cultural da cidade. Estamos vivendo um impasse, a questão orçamentária é fundamental e ao invés de tirar, temos que investir um pouco mais na cultura de Londrina.

Qual o poder do Secretário nesse momento?

A força que temos é o amor das pessoas pela cultura e isso não é consenso, não é unanimidade, nunca foi, como em nenhum setor é. Mas temos muita convicção de que saímos de um pesadelo, que foram os quatro anos de um governo que elegeu a cultura como inimiga e os artistas como bodes expiatórios, além de uma pandemia que aniquilou iniciativas fantásticas, lembrando que o segmento cultural foi o primeiro a ser atingido e o último a retomar à normalidade.

Assim, não é nada fácil e minha função é devolver para a cultura a importância que ela tem e que nós construímos nesses 20 anos, pois é uma política que atravessou governos e, mesmo assim, sobreviveu e, a cada momento damos contribuições para que Londrina siga como uma cidade inovadora, como uma cidade de vanguarda, afinal de contas, somos a quinta do Sul do Brasil.

A pesquisadora Bruna Yamashita apresentou recentemente em Portugal, no Congresso Europeu de Projetos Socioculturais, estudo sobre o Promic e ficou todo mundo impactado com o alcance do programa. Cultura não é feita para os artistas, mas sim, feita pelos artistas por meio de políticas para a população, assim como são as políticas para os idosos, para a mulher e as políticas para a cidadania. Espero que cada vez mais saiamos dessa fase para entrar num período de luz.

Bernardo Pellegrini: "Minha sensação ao saber que 'esqueceram' de protocolar a emenda que daria continuidade às obras do Teatro Municipal foi  de estar diante de uma comédia,  um pastelão"
Bernardo Pellegrini: "Minha sensação ao saber que 'esqueceram' de protocolar a emenda que daria continuidade às obras do Teatro Municipal foi de estar diante de uma comédia, um pastelão" | Foto: Roberto Custódio

Qual sua opinião sobre o 'esquecimento' do líder da bancada do Paraná na Câmara para protocolar a emenda que daria continuidade à obra do Teatro Municipal de Londrina?

Minha sensação ao saber dessa justificativa foi a de que eu estava diante de uma comédia, um pastelão. Em um momento em que podíamos estar recuperando um grande projeto, saber que por conta de um "esquecimento" é deixada de lado uma emenda dessa importância é duvidoso.

Esse teatro irá se constituir como o maior teatro do País e foi fruto de um dos últimos concursos públicos organizados pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil. Desde o começo da gestão, tentamos buscar caminhos e é muito difícil acreditar que trata-se de um acaso, que foi um esquecimento e dá para desconfiar que o Teatro Municipal não está na lista de prioridades da bancada paranaense para entregar à cidade de Londrina esse presente maravilhoso.

A conclusão dessa obra magnífica formará um conjunto arquitetônico de importante localização que é o Marco Zero, perto da rodoviária, que é a primeira modernista do Brasil, com traços de Oscar Niemeyer, compondo um conjunto arquitetônico de grande significado para Londrina.