“Não me leve a mal, hoje é Carnaval”. Os versos de Zé Keti, de uma das mais famosas marchinhas ganha outro tom em Londrina. Com uma programação que cobre diversas regiões da cidade, o Carnaval 2024 também pode ajudar a refletir sobre o que foi feito do Reinado de Momo por essas terras vermelhas. Olhar o passado para tentar entender o presente e sonhar com um futuro para os foliões que virão. A maior festa popular do Brasil, em Londrina, passa por um momento importante com esforços para trazer de volta a época de ouro do Carnaval de Rua.

Carnaval de rua de Londrina, desfile de escolas de samba, sem data definida
Carnaval de rua de Londrina, desfile de escolas de samba, sem data definida | Foto: Leite, Oswaldo 1921 - 1995/ Museu Histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”

Não precisamos voltar muito no tempo para descobrir como eram os dias de Folia por aqui. A Avenida Paraná, antes mesmo de virar o Calçadão, recebia as agremiações para o Carnaval disputadíssimo! Londrina não tem morro, mas as Escolas de Samba vinham para o lado de cima da linha férrea para mostrar a força da comunidade, com muito samba e animação. Algumas, ficaram pra sempre na história do Carnaval pé-vermelho outras, foram Escolas de um samba só, mas nenhuma deixou de representar o talento, criatividade e empenho das comunidades um ano inteiro para brilhar na avenida por um punhado de minutos, fosse ela a Paraná, a Maringá, na Leste-Oeste ou no Autódromo. Isso sem falar nos bailes dos clubes privados, onde todos dançavam ao som de bandas formadas também por quem já tinha desfilado na rua horas antes. Histórias de gente que fez e faz samba nesse chão.

LEIA TAMBÉM:

Cornélio Procópio faz sua apoteose do samba no asfalto

Carnaval de Londrina: o grito que não quer calar

INESQUECÍVEL CHÃO DE ESTRELAS

Na escola de samba Mocidade Alegre, campeã do carnaval paulistano no ano passado, existe uma ala que se chama Chão de Estrelas, uma homenagem a uma das agremiações mais premiadas do Carnaval londrinense. Fundada pelos irmãos Osmar e Paulo Novaes, foi uma evolução de outra escola, a Unidos Independente, que nasceu no portão da casa da família na Vila Recreio e fez o seu primeiro desfile em 1964, numa Avenida Paraná ainda tomada pelos carros. “Um desfile extraoficial”, conta Osmar Novaes, hoje com 82 anos. Em 1976, nascia a Chão de Estrelas e Novaes vinha de São Paulo todo ano para dirigir a Escola fundada pelo irmão, trazendo todo o know-how dos carnavais da capital paulista para Londrina. “Eu vinha uns 15 dias antes e montava toda a escola que já estava ensaiada. Meu irmão era o Joaozinho Trinta das fantasias. Muito criativo. Não tinha concorrente para nós”, lembra. A Chão de Estrelas acabou em 1979 e deixou saudades, mas não só dela, mas também dos Carnavais daquela época. “Em Londrina o Carnaval acabou faz muito tempo, agora tá começando a pegar os blocos, mas antes, nem isso tinha. Londrina, em termos de samba, era fantástica. Os sambistas mais novos não conhecem nem a história dos Carnavais. Ninguém nunca se interessou”, diz.

Osmar Novaes: um dos criadores da Chão de Estrelas vinha de São Paulo para Londrina trazendo novidades para o desfile da escola
Osmar Novaes: um dos criadores da Chão de Estrelas vinha de São Paulo para Londrina trazendo novidades para o desfile da escola | Foto: Roberto Custódio

O PCB CAI NO SAMBA

Chão de Estrelas, Unidos do Jardim do Sol, Bafo da Jiboia, Alegria da Passarela, Garotos Unidos da Zona Sul, Gaviões Londrinenses, Império da Zona Norte, Quilombo dos Palmares, Falange Azul, Navegantes do Mar Azul, Acadêmicos da Vila Casoni, Explode Coração e tantas outras... Elza Correia se diz uma apaixonada por Carnaval e, movida por essa paixão, desfilou em algumas das mais importantes escolas de samba de Londrina. Chegou até a fundar uma junto com o amigo Márcio Almeida, a Unidos pelo Socialismo, com os companheiros do PCB, o Partido Comunista Brasileiro e quase 400 integrantes independente da filiação partidária. Desde criança, Elza esperava o Carnaval junto com a família e a sua estreia na passarela foi justamente com a Chão de Estrelas, na década de 70. “Foi uma Escola memorável e depois, quando virou a Barroca nos anos 80, continuou linda. Era uma grande festa popular e nos ensaios éramos estimulados a respeitar a Escola como um movimento cultural. Em 1986 eu saí de porta-bandeira na Barroca e em 1988, criamos uma escola para desmistificar essa coisa de que comunista era diferente, foi para quebrar o preconceito. Durou apenas um carnaval e depois, se evoluiu em outros projetos como o Circo da Gente”, conta orgulhosa dos trajes de Porta-Bandeira e Mestre Sala costuradas pela mãe.

Com passagens pela Jardim do Sol e destaque na Quilombo dos Palmares hoje, a foliã lamenta o declínio das Escolas de Samba em Londrina. “Naquela época, a população ia assistir aos desfiles de Carnaval assim como ia assistir aos desfiles de 7 de setembro. Famílias inteiras envolvidas, o segredo das fantasias, uma competição sadia e acirrada entre os membros, mas só no Carnaval. Tudo foi se perdendo, aquele caráter do trabalho o ano todo, os ensaios constantes, tudo foi ficando esculachado, de qualquer jeito. Mas ainda assim, eu continuei participando. Onde a Escola estava, eu estava também e até emprego eu perdi por participar dos Carnavais”, lembra. “O Carnaval de rua de Londrina era para ser uma coisa preservada, com apoio de uma política pública. O senso comunitário era muito forte porque para participar, cada integrante tinha que fazer parte de todo o processo. Quantas madrugadas bordando lantejoulas! Mas faltou incentivo e acabou”, analisa.

“O Carnaval, dentro de um elenco de políticas públicas, poderia gerar muita renda, emprego. O circuito de profissionais para colocar uma Escola de Samba na Avenida é imenso e Londrina estava, mais uma vez, na vanguarda”, afirma. “É descaso, falta de compromisso, de entendimento do que isso representa. Falta de informação cultural”, completa.

Elza Correia: a porta-bandeira que assumiu o carnaval também como movimento também político
Elza Correia: a porta-bandeira que assumiu o carnaval também como movimento também político | Foto: Acervo pessoal

BLOCO DO PIRULITO

O bloco pré-carnavalesco Garibaldis e Sacis, de Curitiba, arrastou os brincantes com a famosa marchinha do Bloco do Pirulito agora, nas saídas de 2024 na Capital. Composta pelo jornalista londrinense Rui Barbosa, já falecido, a música fala do que normalmente se faz com um pirulito “até o dia clarear”. O bloco fez história nos Carnavais de Rua de Londrina e nos Clubes na década de 80, só com marmanjos vestidos com roupas de mulher. Fundado pelo escritor Domingos Pellegrini, o bloco se infiltrava nos desfiles, ocupava as calçadas e animava os bailes como conta o jornalista Apolo Theodoro, figura emblemática do Bloco, fiel ao grupo até o fim. “No começo a gente saia em quatro ou cinco, mas no auge chegamos a ser 40. Era sempre muito divertido porque mexiam com a gente e a gente mexia com o povo. Estávamos sempre nas rabeiras das escolas e assim com todas, intercalando paradas no Rodeio para molhar a garganta. No final não tinha mais ninguém e teve um ano que sai sozinho. O pessoal foi largando, mas eu era do Carnaval”, diz. “Hoje, não sou mais. Acabou o Carnaval em Londrina e depois do Bloco eu parei. Não sobrou mais nada e por alguns anos, a Prefeitura também não deu mais atenção aos Carnavais. Foi assim que a coisa foi escasseando e arrisco dizer que Londrina perdeu qualquer tradição que poderia ter de fazer Carnaval”, comenta.

Apolo Theodoro desfilando pelo Bloco do Pirulito: a graça era uma porção de marmanjos vestidos de mulher
Apolo Theodoro desfilando pelo Bloco do Pirulito: a graça era uma porção de marmanjos vestidos de mulher | Foto: Acervo pessoal

YÁ MUKUMBY E O AFOXÉ

A cidade, que já teve até um bloco de afoxé em 2003, comandado pela saudosa ialorixá Ya Mukumby, em 2024 enfrenta desafios dignos das piores penalidades da Sapucaí, antecipando a quarta-feira de cinzas com a festa do Bloco do Bafo Quente cancelada no CSU. Ainda assim, a única Escola de Samba engajada para a festa desse ano, a Explode Coração, sonha com a volta das grandes agremiações e desfiles em Londrina. Na ativa desde 2001 e com quatro títulos de campeã na estante, a Explode Coração se apresenta em quatro momentos dentro da programação do Carnaval, com desfiles na zona norte, oeste, leste e sul, com cerca 40 integrantes, casal de mestre-sala e porta-bandeira, bateria e passistas. Para o presidente José Ivo Justino Junior, o grande desejo é a volta dos desfiles. “Hoje estamos com tantos problemas para a gestão do Carnaval, sobre como realizá-lo e pensar que um tempo estávamos todos no Autódromo, famílias inteiras, com total segurança e estrutura. Era algo incrível! Londrina era uma referência de Carnaval para todo o Norte do Paraná e hoje, estamos perdendo esse espaço. Vamos continuar trabalhando para que isso aconteça”, avisa. A responsabilidade de ser a única Escola de Samba no Carnaval 2024 se traduz no compromisso da agremiação ao se preocupar com a formação do cidadão, oferecendo aulas para os ritmistas e formação de passistas. “Os primórdios do Carnaval raiz, mudando as perspectivas das pessoas através do samba”, completa.

Explode Coração: única escola do Carnaval de Londrina este ano carrega a responsabilidade de preservar o samba
Explode Coração: única escola do Carnaval de Londrina este ano carrega a responsabilidade de preservar o samba | Foto: Walkíria Vieira

COLETIVO ECLÉTICA

Mas nem só de samba vive um Carnaval. Neste ano, o Blokete vai invadir a Praça da Rua Argentina, em frente à Vila Alma Brasil embalado pela cultura LGBTQIA+. Presente no Carnaval da Cidade desde 2017 com o Bloku da Elke, o Coletivo Eclética tem arrastado pequenas multidões sob as bandeiras da diversidade. De acordo com Kach Miranda, produtora do bloco, a expectativa é de um público de 500 foliões na praça no sábado (10), com Djs comandando as pick-ups à partir das 15h, apresentações de dança e pocket shows no evento batizado de Carnaball.

O Coletivo Eclética faz a festa na Praça em frente à Vila Alma Brasil neste sábado
O Coletivo Eclética faz a festa na Praça em frente à Vila Alma Brasil neste sábado | Foto: Divulgação

“Esse ano o bloco acontece de forma independente, sem patrocínio nenhum da prefeitura e de qualquer outro órgão. Contamos com o apoio da Secretaria de Cultura para os banheiros químicos e autorizações e ainda, o apoio de outros coletivos como o Projeto Rua Eklétika, Periferia na Voz, a Divisão de Artes Cênicas da UEL, a própria Vila Alma Brasil e a Ballroom Londrina”, afirma. A referência para o Blokete também vem de outros blocos que pertencem às comunidades LGBT de São Paulo, como o Batekoo que enaltece a cultura black, corpos negros e latinos. “Sempre procuramos trazer como oficineiros e artistas pessoas que pertençam à comunidade LGBT e negra e essas referências têm sito também a vivência da nossa própria comunidade”, afirma.

Desfile do bloco Bafo Quente em 2019: