Luiz Taques:"Acho que toda a minha ficção literária é impulsionada pelas ondas do rio Paraguai"
Luiz Taques:"Acho que toda a minha ficção literária é impulsionada pelas ondas do rio Paraguai" | Foto: Regina Utsumi/Divulgação



Água e fogo embalam "Um Rio, Uma Guerra", o novo romance do jornalista e escritor Luiz Taques. Pólvora e água doce se misturam com uma história familiar que arrasta as marcas do passado.
Lançado pela editora Kan, trata-se do sétimo livro de Luiz Taques, que a cada obra aprimora seu trabalho de linguagem. O enredo "Um Rio, Uma Guerra" acontece num único dia, quando um filho visita sua mãe viúva. Aos 80 anos, a senhora vive sozinha numa cidade às margens do rio Paraguai. Uma cidade que no passado sofreu na pele as agruras da Guerra do Paraguai.
A narrativa trafega entre o passado e o presente com reminiscências de mãe e filho. De natureza circular, a história transita entre lembranças e fatos, causos e sensações, reflexões e episódios históricos, subjetividade e cotidiano. Tudo assume a forma do movimento da correnteza de um rio – que se revela um grande personagem.
Radicado em Londrina há mais de duas décadas, Luiz Taques é autor de sete livros. A seguir ele fala sobre seu novo romance que como sua literatura é impulsionada pelas ondas de um rio transnacional.

No romance não existem referências nominais, mas é possível identificar a Guerra do Paraguai como elemento da narrativa. Por que escolheu esse episódio da história do Brasil?
Corumbá, minha terra natal e cenário do livro, foi ocupada pelos paraguaios durante aquela longa guerra. Foram três anos de ocupação: de 1864 a 1867. Na cidade, por onde se anda, você se depara com algum episódio da guerra. Até nomes de rua foram batizadas em homenagem a falsos heróis da guerra. E desde quando acompanhei em 1985, como repórter, as filmagens de "Guerra do Brasil" de Sylvio Back, eu tinha em mente um projeto de livro sobre essa guerra. Demorou, mas o projeto vingou.

A figura do rio Paraguai é uma presença constante e marcante ao longo de "Um Rio, Uma Guerra", e também de "Pedro", seu romance anterior. Você considera o rio um personagem?
O rio Paraguai faz parte de mim. Aos sete anos de idade quase morri afogado. Fui salvo por um engraxate. Aos sábados, desde pequeno, ia pescar com o meu pai. Ele só pescava de barranco, não sabia nadar. Eu aprendi a nadar no rio Paraguai. O afogamento não me amedrontou. Na juventude, após as noitadas, ia tomar banho de rio antes de retornar para casa. Ainda hoje, quando chego a Corumbá, a primeira coisa que faço é dar uma volta pelo porto-geral para ver de perto as águas do rio. O rio Paraguai seria um dos motivos da guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai. Acho que toda a minha ficção literária é impulsionada pelas ondas desse rio transnacional.

O romance realiza várias analogias entre a degradação do rio e a degradação familiar, a degradação do meio ambiente e a degradação social. Isso é fato ou ficção?
É imaginação, mas poderia muito bem fazer parte do nosso cotidiano. Veja você, o rio Tietê, em São Paulo, está assoreado. O rio Madeira, em Rondônia, também. O mesmo acontece com o paranaense rio Tibagi. O canal do Taquari, em pleno Pantanal, virou uma larga estrada de areia. Nossas famílias parecem trilhar o mesmo caminho. Basta olharmos para os lados: é pai abusando sexualmente da filha, é pastor safado tendo um caso com a evangélica casada, é padre pedófilo celebrando impunemente a comunhão. Parece que vivemos em constante risco, embarcados numa canoa furada. Mas nem tudo está perdido e o livro mostra isso, ao falar de amor.

Você possui uma longa trajetória como jornalista, inclusive em longas reportagens investigativas. Como ocorreu o interesse pela ficção?
Escrevia contos na adolescência. Estudava em educandário salesiano, mas resolvi mostrá-los para a freira que era a professora de literatura da escola católica para meninas. Como havia muita fornicação nos contos, ela falou que aquilo era obra do diabo. E me forçou a rasgar os originais na frente dela. Caso contrário, eu levaria cascudos do padre-diretor e ainda iria para o inferno. E acredito que fui, porque eu nunca abandonei os contos. Eu escrevia num caderno, a lápis. Nessa época passei a fazer também crônicas e divulgá-las pelo rádio. Daí a ser chamado para ingressar no jornalismo impresso foi um pulo. Tive então a sorte de pegar uma geração que fazia reportagens de fôlego. Olha, demorei muitos e muitos anos para ter a coragem de voltar a mostrar a alguém os contos que escrevia desde 14 anos de idade. Por um triz o radicalismo daquela freira não crucificou o pouco de contista que havia em mim.

Serviço:
"Um Rio, Uma Guerra"
Autor – Luiz Taques
Editora – Kan
Páginas – 112
Quanto – R$ 50,00
(Posto de venda em Londrina: Livraria da Silvia - Rua Paranaguá, 900 / Loja 16)

Imagem ilustrativa da imagem LEITURA - Sobre água e pólvora
| Foto: Divulgação
Nessas horas de comoção a mãe falava do enterro do marido. Dizia não saber quem que encomendara ataúde de péssima qualidade para ele. Levara um susto no velório: pedira então à turma dos pêsames que a ajudasse a tirá-lo de dentro daquele engradado de madeira dura e desconfortável e colocasse o defunto em cima da mesa, aguardando, enquanto ela iria à funerária adquirir um caixão fúnebre de primeira categoria, com acolchoado e almofada. Saíra apressada dizendo que não precisava de medida alguma do morto; ela conhecia a grandeza do marido. – E, além do mais, quem cuida dos mortos são os vivos, as viúvas, e eu estou vivinha para cuidar do meu, ela ainda falara. (Fragmento de "Um Rio, Uma Guerra", de Luiz Taques)