Comemorando 80 anos de carreira, Fernanda Montenegro, prestes a completar 95 anos, sobe ao palco do teatro Prio, na Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro, para retomar o antigo projeto de dar vida à obra "A Cerimônia do Adeus", escrita em 1981 pela filósofa francesa Simone de Beauvoir. Mesmo com a passagem do tempo, o entusiasmo da atriz pelo teatro não amainou.

Tanto que faz questão de acompanhar as novidades dos amigos. No último final de semana, Fernanda foi ovacionada durante uma sessão de "O Que nos Mantém Vivos?", uma colagem de Bertold Brecht capitaneada pelo ator Renato Borghi.

Rodeada pelo elenco da peça, a atriz fez um discurso, louvando os teatros cheios na cidade, até em comparação com os cinemas. Se a arte dionisíaca se sustenta com o passar dos séculos, o processo de preparação dos atores têm mudado, o que causa espanto em Fernanda.

"Aos 16 anos dei início à minha vocação ainda dentro de uma herança cultural. Hoje, aos 94, vejo o fim da era "No Princípio Era o Verbo", ela afirma, com um tom profético e grandiloquente. "O novo tempo tem como símbolo o botão eletrônico. Chegaremos além de Júpiter."

INTIMIDADE COM AUTORES

Durante a carreira, a artista cultivou intimidade com alguns autores. Beauvoir é uma de suas preferências.

Em "A Cerimônia do Adeus", Beauvoir narra os últimos dez anos da vida de seu marido, o também filósofo Jean-Paul Sartre, morto um ano antes da publicação do livro, vítima de um ataque cardíaco. A primeira parte da obra é dedicada ao relato, que logo se torna uma reflexão sobre a finitude.

Já a segunda parte apresenta uma entrevista da autora com Sartre. Pelo intimismo contido na publicação, o texto causou furor nos jornais franceses. É a mesma intimidade com que Fernanda, sozinha no palco escuro, adornado somente com uma mesa, cativa o seu espectador na peça.

De acordo com a artista, Beauvoir deve ser considerada como "uma estruturadora básica do feminismo", não só pelo clássico "O Segundo Sexo", publicado em 1949. "Ao ler esse livro, aos 20 anos, houve concordância orgânica. Luminosa", diz Fernanda. "Já 'A Cerimônia do Adeus' é o absoluto ser humano ali presente. Sem pudor." Nesse sentido, é quase impossível não traçar paralelos com a vida da artista.

Por quase seis décadas, Fernanda esteve casada com o ator e diretor Fernando Torres, com quem dividiu algumas das peças mais importantes da carreira, como "O Mambembe", de 1959. Já faz 16 anos que a atriz deu adeus ao marido.

Única atriz brasileira indicada ao Oscar, Fernanda protagonizou o último trabalho feito pelo diretor Breno Silveira. Interpretando a personagem que dá nome ao filme, "Vitória" estreia nos cinemas em agosto. "[Foi] uma entrega absoluta. Por incrível que pareça, continuo com projetos de teatro e cinema", diz. Em paralelo, Fernanda participou das filmagens de "Ainda Estou Aqui", novo projeto do cineasta Walter Salles.

"O ano 2024 é já de muitos compromissos de trabalho. A propósito dos meus 95 anos chegando, repito, como lema, é com muita coragem que ainda estou aqui."

SERVIÇO:

A Cerimônia do Adeus

Quando: até 31 de março; sex. e sáb. às 20h; dom. às 19h

Onde: Teatro Prio (no Jockey Club Brasileiro) - Av. Bartolomeu Mitre, 1110 - Leblon, Rio de Janeiro - RJ

Preço De R$ 60 a R$ 120

Classificação 18 anos

Autoria Simone de Beauvoir

Elenco: Fernanda Montenegro