O coreógrafo Rodrigo Pederneiras trocou por algumas semanas a sua Belo Horizonte por Curitiba, enquanto o Grupo Corpo cumpre mais uma turnê internacional. Ele está na cidade montando ‘‘Goldberg’’ para o Ballet Teatro Guaíra, com estréia marcada para setembro, depois de sua assistente ter preparado ‘‘Prelúdios’’, também de sua autoria, em 1985.
Esta será a primeira vez que o bailarino programa um espetáculo em que a trilha sonora é composta unicamente por piano solo. ‘‘Prelúdios’’ foi composta em cima dos 24 prelúdios de Chopin. ‘‘Goldberg’’ baseia-se na música de Bach, ‘‘Variações Goldberg’’. ‘‘São obras muito diferentes, acho que as duas juntas podem funcionar muito bem’’, acredita Pederneiras.
Os 13 anos que separam os dois balés darão ao público oportunidade de ver momentos distintos de um dos maiores coreógrafos brasileiros. Em ‘‘Prelúdios’’ seu trabalho era feito ‘‘a partir de linhas, de formas, e obviamente, da música’’. ‘‘Goldberg’’ utiliza-se de outro tipo de energia. ‘‘A forma conta menos que qualquer coisa. É muito mais um trabalho de dinâmica do movimento’’, explica.
Esta peça também exige mais do bailarino. ‘‘Tem mais velocidade, mais ataque, existe outra percepção do movimento’’, continua Pederneiras. ‘‘Este é quase o oposto do balé anterior. Na verdade o que faço é quase uma desconstrução.’’
‘‘Prelúdios’’ foi considerada a primeira obra-prima do balé brasileiro com base clássica, mesmo assim Rodrigo Pederneiras prefere os dias de hoje: ‘‘Faço um Bach onde a brincadeira e a soltura dos bailarinos são muito maiores’’, diz. A criação é um reflexo do estado de espírito do criador:
- Eu estou mais solto e isso acaba refletindo nos ensaios. Está uma delícia trabalhar aqui. A gente ri muito, toda companhia se diverte. Mas isso é uma coisa que venho fazendo com o Corpo de uns tempos para cá. Não deixa de ser um trabalho sério, mas é um sério mais relaxado, mais gostoso.
Essa fase de leveza é recente, segundo o coreógrafo. Teria começado com ‘‘Sete, Oito Peças’’, sobre a música minimalista de Phillip Glass. A brejeira ‘‘Nazareth’’ tem um pouco disso, mas a brincadeira cênica veio depois. ‘‘Logo que montei esta peça, ela não tinha esse espírito. Foi se apossando com o tempo’’, analisa o bailarino.
Deixando Curitiba em meados do mês, Pederneiras segue direto para os ensaios do mais novo espetáculo que está criando para o Grupo Corpo. A companhia, por sua vez, estará regressando de mais uma turnê internacional - a terceira deste anoá - que incluiu Paris, Madri, Finlândia, Rússia, Áustria, Itália.
A mais nova peça tem por base a música de João Bosco. ‘‘O que o João quis fazer nessa trilha foi buscar todas as suas influências - desde os antepassados árabes, que vieram ao Brasil, até a influência negra mineira. Então tem aí uma mistura que ele soube costurar e que é genial.’’ O lado negro já foi concluído; falta agora a segunda parte, que é a trajetória para o árabe.
A companhia trabalha intensivamente o mês de agosto, porque em setembro deverá passar 20 dias no Canadá. De volta ao Brasil têm pela frente algumas semanas para terminar a produção. A estréia acontece em outubro. A partir daí cumpre temporada nacional até final de dezembro. ‘‘A idéia é um balé ensolarado’’, antecipa o coreógrafo.
Pederneiras, em sua fase de leveza, lembra do êxito estrondoso de ‘‘Missa do Orfanato’’, montagem densa que arrancou aplausos entusiasmados das platéias e da crítica. ‘‘É uma coisa que não quero mais fazer. Aquilo foi um descarrego meu, foi ótimo, mas não quero mais esse peso. É tão melhor sair do chão, levitar um pouco. Na ‘Missa’ joguei uma carga bastante complicada.’’
A próxima obra ainda não está concluída e o Grupo Corpo já tem traçado o que fará em 1999 - uma peça com música de Arnaldo Antunes. Será uma mudança nos caminhos regionalistas tomados ultimamente, como aconteceu com ‘‘Parabelo’’, de cores nordestinas, e este de tons mineiros. ‘‘Quero uma coisa mais generalizada, mais urbana’’, comenta o bailarino.
Com 23 anos de existência, o Grupo Corpo está agendando espetáculos para o ano 2000. Patrocinado por duas empresas de peso - a Telemig e a Shell - é a companhia mais estável do País e um pedaço da alma de Pederneiras. Ele tece considerações sobre esse sucesso sólido e contínuo:
á- A posição que conseguimos hoje é devido ao trabalho em equipe. Meu nome aparece mais, mas é realmente um trabalho em equipe, as pessoas trabalham juntas e se respeitam como artistas e como gente.Marcelo AlmeidaRodrigo Pederneiras ensaia em Curitiba: espetáculo tem trilha de piano soloZeca Corrêa Leite