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A ressaca do carnaval de 2021 está diferente. Sem brilho, música, dança e alegria nos espaços abertos ou fechados, o balanço dessa edição para todos os londrinenses apaixonados por essa festa popular é de total silêncio.

Para quebrá-lo, apenas as memórias dos carnavais passados, como o de 2020 que arrastou multidões pelas ruas da cidade, ou a folia improvisada na sala de casa e emoldurada pela tela da televisão.

“A gente vê que os grêmios, as escolas de samba de todo o Brasil buscaram fazer no ambiente virtual, algo para tentar animar e não cair no esquecimento, mas não é a mesma coisa. Temos que ter a vacina o mais rápido possível para fazermos o carnaval de verdade. Porque carnaval é gente”, comenta o produtor cultural Benê Macedo.

Desde 2006, ele está à frente da tradicional escola de samba de Londrina “Explode Coração” que segue em atividade há 18 anos, mesmo Londrina não tendo mais desfiles das escolas.

“A gente participa de eventos em outras cidades e segue tentando no Promic, a continuidade do projeto "O Samba Atravessa Londrina." Nosso carnaval tem um formato diferente do que vem movimentando a cidade teve nos últimos anos, em especial no ano passado com os blocos de rua. Ele é mais da comunidade, buscando envolver todos em oficinas, fomentando a festa. Esperamos trazer tudo isso de volta”, comenta.

Força nas ruas em 2020

Como não lembrar do carnaval de 2020? O grupo BBF (Bloco Bafo Quente) dividiu o trio elétrico com a Orquestra Ouro Verde e juntos, agitaram um público de mais de 50 mil pessoas em Londrina.

“Foi o resultado de anos de trabalho e levar o trio elétrico para as ruas foi um sonho. A gente veio acompanhando a tendência dos carnavais de blocos de rua que sempre existiram, mas ganharam muita força nos últimos anos com a ideia de ocupar os espaços públicos”, diz Guilherme Rossini, integrante do Bloco Bafo Quente.

O BBF tem no carnaval a principal força de trabalho. “É a época mais importante do ano porque vai além dos quatro dias. Cerca de 70% do nosso calendário de festas e eventos é fechado por causa do carnaval, mas nosso foco agora está no pensamento positivo para que a questão da doença melhore em todo o mundo e a gente possa em breve voltar a festejar”, desabafa.

Lua Specian, vocalista da Orquestra Ouro Verde, também destaca que o carnaval é o resultado de um ano de preparo de todos os envolvidos com a música e a produção cultural na cidade.

“Depois de quase um ano sem trabalho muitos esperavam ter no carnaval uma espécie de ‘13º’, fora a vontade de tocar com os amigos, fazer o povo dançar, ver um monte de gente feliz. É inacreditável pensar nesse cenário de hoje. O carnaval de 2020 trouxe para o londrinense um pertencimento da rua como espaço da possibilidade da diversão, do envolvimento das pessoas e da cidade para além da rotina, com a cultura, diversidade e a pluralidade do carnaval”, salienta.

Carnaval de resguardo

“Se o bloco Lambaris - Ideias Democráticas desfilasse este ano, o grito seria: Vacina já! E Fora Bolsonaro!”, diz integrante
“Se o bloco Lambaris - Ideias Democráticas desfilasse este ano, o grito seria: Vacina já! E Fora Bolsonaro!”, diz integrante | Foto: Divulgação

Foi nesse clima de festa e de manifestação cultural e democrática que o Bloco Lambaris – Ideias Democráticas foi às ruas pela primeira vez no ano passado. O grupo, que é uma referência aos Sardinhas, na Itália, movimento símbolo contra a extrema-direita no país, estreou na folia londrinense com irreverência e na defesa de que o carnaval sempre foi espaço para a democratização das ideias, das diferentes formas de pensar.

“O carnaval desse ano é um carnaval de resguardo, cheio de minutos de silêncio. Não tem como ser feliz nessa tristeza toda”, considera a jornalista Iara Rossini Lessa, integrante do bloco. Questionada sobre qual seria o ‘grito de carnaval’ se o Lambaris pela Democracia fosse hoje para as ruas, ela responde: “seria vacina já seguido de um sonoro Fora Bolsonaro”.

Salão vazio

Pela primeira vez em 60 anos, o Iate Clube de Londrina não fez seu carnaval, com bailes adultos e infantis
Pela primeira vez em 60 anos, o Iate Clube de Londrina não fez seu carnaval, com bailes adultos e infantis | Foto: Iate Clube/ Divulgação

Um dos espaços onde a festa de carnaval também sempre reinou são os clubes esportivos e sociais da cidade. O Iate Clube, por exemplo, nunca deixou de festejar a data ao longo de 60 anos.

Essa é a primeira vez na história do Clube que o salão ficou vazio. “O prejuízo é grande em todos os sentidos, especialmente na questão da interação social, no ato de festejar mesmo. Mas em função da pandemia, essa é a melhor opção. É melhor um ano sem carnaval do que pagar caro amanhã”, comenta .

O clube suspendeu toda a programação com o decreto da Lei Seca em Londrina. “Estávamos programando uma batucada em um palco aberto entre o salão e as piscinas, respeitando o distanciamento social, mas com a lei seca abortamos tudo”, afirma.

Aquecimento para 2022

O carnavalesco Benê Macedo sonha com o próximo ano: "Eu acredito na possibilidade muito grande de a gente ter desfile de escola de samba em 2022"
O carnavalesco Benê Macedo sonha com o próximo ano: "Eu acredito na possibilidade muito grande de a gente ter desfile de escola de samba em 2022" | Foto: Divulgação

A expectativa é que o carnaval de 2022 esteja de volta e que seja livre, leve e solto. Se depender da esperança daqueles que fazem o carnaval de Londrina acontecer, a folia já está garantida.

“Eu acredito na possibilidade muito grande de a gente ter desfile de escola de samba em 2022. Estamos conversando com escolas, vamos colocar um projeto no papel e ir oxigenando a ideia e dando musculatura para chegarmos forte no ano que vem”, adianta o produtor cultural Bene Macedo.

Segundo ele, o projeto envolve ainda a região metropolitana. “A grande ideia mesmo é fazer algo que contemple também outras cidades nos sambas de roda, dando chão para outras escolas de samba e assim, crescermos através de novas parcerias. Não podemos depender única e exclusivamente do poder público”, diz.

Joaquim Braga, mais conhecido como Braguinha, militante do samba em Londrina e fundador da extinta escola de samba Quilombo dos Palmares, sonha em ver a escola do coração novamente nas ruas e avenidas de Londrina.

“Temos a ideia em grupo, inclusive com a participação da minha filha Luiza Braga, de montar um bloco chamado “Quilombo Ecofolia” para 2022 com o objetivo de brincar no carnaval e quem sabe assim, surge uma forma de renascimento da Quilombo de Palmares”, enfatiza.

Braguinha faz questão de dizer que a população de Londrina sempre gostou de carnaval, mas que nunca contou com boa infraestrutura para a folia nas ruas. “Nós reuníamos antigamente cerca de 30 mil pessoas nos desfiles das escolas na avenida Maringá, sem nenhuma estrutura de arquibancada ou banheiros. Era tudo preparado por nós e as pessoas vinham, até mesmo de outros municípios”, diz o veterano, saudoso.

Para não ‘apagar’ o samba nesta época tão especial, Braguinha diz que tem celebrado o carnaval de forma virtual com um grupo de amigos carnavalescos daqui e do Rio de Janeiro. “Não teve carnaval, mas a gente não o abandonou. É claro que essa situação deixa a gente melancólico ao pensar que ninguém festejou nas ruas, brincou junto”, desabafa.

Enquanto o carnaval de 2022 não chega e os desejos de festar coletivamente ainda são apenas saudades, a lição que se pode dizer é que desse carnaval 2021, realmente, ninguém quer repetir a dose.