De frequentador assíduo da Cinemateca, nos anos 70, Beto Carminatti virou cineasta e leitor compulsivo da obra de Valêncio Xavier. ''Ele escreve como se estivesse fazendo o roteiro para um filme.'' Carminatti levou ao pé da letra a sua afirmação e no lugar do roteiro levou o livro ''O Mez da Grippe e Outros Livros'' para o set de filmagem na adaptação da obra que realizou ao lado de Pedro Merege, também discípulo do escritor e cineasta.
O filme, que já está pronto, deve ser lançado no segundo semestre. ''Estava preocupada, pois apesar de a obra do meu pai ser bastante cinematográfica, achava que era impossível de ser adaptada ao cinema. Mas fiquei orgulhosa. É um filme que carrega o clima dos livros'', comenta Ana Pasinato Niculitcheff, filha do escritor.
O longa ''Mystérios'' nasceu da parceria com Merege, com quem Carminatti já tinha trabalhado no belo curta ''O Mistério da Japonesa'', também adaptado da obra de Valêncio. O cineasta, porém, não quis parar por aí e já está filmando um segundo longa. Intitulado ''As Muitas Vidas de Valêncio Xavier'', o filme é uma biografia sobre o escritor.
Há três anos, com a pesquisadora de cinema Solange Stecz, gravou algumas cenas com Valêncio em sua casa. O material será somado àquele que Carminatti está realizando agora.
''A cena de abertura é a Cinemateca sendo tomada pelas pessoas que vão ver os seus filmes e, depois, através de depoimentos, reconstruir a história do Valêncio'', explica o diretor.
A pesquisadora Solange Stecz fala com carinho de Xavier. ''Quando ainda estava na faculdade de Jornalismo, ganhei um concurso de crítica na Cinemateca. O prêmio era um livro de cinema. Fui conversar com Valêncio e lhe disse que queria o 'Curitiba de nós', escrito por ele e ilustrado pelo Poty (Lazarotto). Ele gostou tanto daquilo que não apenas ganhei o livro como o cargo de estagiária.
Harry Luhm, 78 anos de idade e boa parte deles dedicados ao cinema, conheceu Valêncio quando o escritor foi diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS), nos anos 80. ''Ele era extremamente dedicado e um tanto quanto temperamental'', conta.
O jeito forte e por vezes ríspido de lidar com as pessoas é lembrado pelo colega Fernando Severo. ''Como todo gênio, ele tinha os seus rompantes.'' Luhm recorda de algumas noites que Valêncio passou em sua casa telecinando o filme argentino ''Tango'', o que foi feito debaixo de muita discussão. ''O Valêncio sempre tinha razão e eu discutia com ele por achar que eu tinha mais razão, mas ele nunca concordava.''
No projeto do documentário, Carminatti ainda propõe uma viagem a Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo para gravar depoimentos de personalidades como José Rubens Siqueira, Jean-Claude Bernardet, Eduardo Coutinho, Vladimir Carvalho e Arnaldo Antunes; pessoas que tiveram contato com Valêncio Xavier ou que têm uma relação forte com a sua obra. O cineasta pretende ainda restaurar trechos dos curtas de Valêncio a serem utilizados no longa.
A obra cinematográfica do paulistano radicado em Curitiba foi toda realizada de maneira independente e com condições técnicas simples. ''A lentidão da tecnologia não alcançava a velocidade de seu raciocínio''. (R.U.)