Na nossa língua falada no dia a dia, é muito comum o uso do verbo "ter" no sentido de existir, em frases como "Tem um problema neste texto" ou "Tem algumas pessoas na sala". Mas, será que esse uso é correto?
Em primeiro lugar, é bom perceber que poderíamos dizer essas frases com pelo menos dois outros verbos: "haver" (Há um problema neste texto) e "existir" (Existe um problema neste texto). No primeiro caso, o verbo "haver" é um verbo impessoal, ou seja, sem sujeito. Por isso, não apresenta variação, sendo sempre conjugado apenas na terceira pessoa do singular, independente do complemento: "Há dois problemas". Isso se aplica a qualquer tempo verbal ("Havia muitos problemas", "Haverá duas reuniões"). Já o verbo existir possui sujeito sim, é quem ou o que existe. Portanto, a concordância é obrigatória: "Existem alguns problemas".
Mas voltemos ao verbo "ter": ele pode ser usado, sem problemas, para indicar posse ("Eu tenho um dicionário") ou obrigação ("Nós temos que preparar uma apresentação"). Em ambos casos, o uso está de acordo com a norma culta e a concordância com o sujeito costuma ser bastante fácil.
Já como sinônimo de existir, temos um problema, já que as gramáticas e dicionários não registram esse uso, ou seja, estaria inadequado à norma culta do português. Entretanto, a língua falada adotou esse uso há muito tempo. Em 1928, Carlos Drummond de Andrade recebeu críticas de linguistas ao publicar o poema "No meio do caminho", onde "tinha uma pedra" (não "havia" nem "existia"), mostrando que já se falava assim naquela época.
Então, por que a gramática não aceita? É que esse processo, de passar da fala à regra, costuma ser bastante lento. Normalmente, para que uma palavra surgida na língua falada passe a fazer parte dos dicionários, são necessários vários anos, ou até mesmo décadas. Isso também vale para quando uma palavra já existente adquire um novo significado, como no caso do verbo "ter".
Podemos dizer que esse processo está em pleno andamento, já que há muitos professores de português que não veem problema em dizer que "não tem problema nesse uso do verbo". Mas, também há os mais tradicionais, que lembram que "não há essa opção nos dicionários".
Portanto, a resposta é ter bom senso e estar atento a cada situação. Na fala cotidiana, pode continuar dizendo que "tem", "há" ou "existe" alguma coisa, como preferir, pois isso não será considerado um grande problema. Vale notar que é um uso já generalizado em situações informais ou semiformais, sendo muito comum na literatura, em telenovelas, transmissões esportivas, etc.
Por outro lado, em situações mais formais, como no ambiente profissional ou acadêmico, ou que exijam especificamente a norma culta, como redações de vestibulares e concursos, é preferível deixar o "ter" de lado e optar pelo "haver" ou "existir", para evitar problemas.
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Até a próxima terça!

FLAVIANO LOPES - PROFESSOR DE PORTUGUÊS E ESPANHOL

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