Em seu primeiro livro de poesia, “Molhados & Escorregadios”, a escritora londrinense Layse Barnabé de Moraes coloca voz e vísceras no fluxo da umidade da vida em versos surpreendentes.

Publicado pela editora Grafatório com desenhos de Carolinaa Sanches, a obra traz poemas que percorrem a região mais úmida do humano de dentro. Água relacionada “a um mergulho pra dentro de um corpo de mulher”. Um mergulho às vezes pela claridade, outras vezes pela turva escuridão. Amor e rebelião.

O lançamento de “Molhados & Escorregadios” acontece sábado (16), às 16 horas, dentro da programação Feira MiniDobra do Grafatório com bate-papo com a autora e leitura de poemas.

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Nascida na cidade paranaense de Bandeirantes, Layse se mudou para Londrina com seis anos. Doutora em Letras pela Universidade Estadual de Londrina, é autora de “Pequeno Manual de Escrita Afetiva” e organizadora de “Uma Enorme Vontade de Gritar”.

A escrita de Layse de Moraes passeia pela ideia de oráculo, onde palavras e linguagem não são previstas, simplesmente acontecem: “Nunca sei o que vou escrever até escrever. Então é como se a escrita revelasse algo que eu já sabia em algum lugar, mas ainda não sabia que sabia. E só passo a saber porque me ponho a escrever. É quase como um oráculo.”

A seguir, Layse Barnabé de Moraes fala sobre seu livro e o trabalho que desenvolve sobre as relações entre escrita e cura.

Os versos de “Molhados & Escorregadios” passeiam por relações entre pessoas, ideias e palavras. Em um dos poemas você resume tudo de maneira exemplar: “A vida é uma bagunça”. Que bagunça é essa?

Acho que a coisa da bagunça (da vida, das ideias, do amor, das relações e inclusive das palavras) é porque, de algum modo, eu escrevo pra tentar entender essa desordem. É uma tentativa. Sempre falo, nas oficinas de escrita que ministro, que a escrita é uma borda. Uma margem. Não é uma contenção definitiva, nem sempre dá conta do que tem dentro, mas é um contorno. E, nesse sentido, uma aposta em continuar tentando responder as perguntas que a gente se faz – e que nunca encontramos resposta. Por isso continuo a escrever. Por isso continuamos.

Nos poemas do livro o leitor pode encontrar traços de visceralidade em sensações, sentimentos, percepções, atos e ações. A visceralidade pode ser considerada um elemento de sua poesia?

Acredito que sim! Eu sou bastante obcecada pelo que é íntimo, de dentro – do corpo, da casa. É algo que vem de uma fixação com o que é do universo privado. É engraçado, porque, até mesmo nas minhas escolhas como pesquisadora de literatura, isso aparece desde muito cedo. Ainda na graduação, estudei as relações íntimas e afetivas no conto contemporâneo, por exemplo. Acho que essa dimensão visceral, íntima, é um mistério que eu gosto de investigar.

Nos versos de “Molhados & Escorregadios” há um elemento sempre recorrente: a umidade. O que isso representa?

Acho que está bastante ligado com a intimidade e os universos subjetivos, na verdade. É como se o livro fosse esse mergulho sem garantias no mais úmido do nosso dentro. Ao mesmo tempo, tem uma dimensão externa – os rios da infância, o ventre materno... E essas coisas também nos perseguem internamente. Os poemas do livro foram escritos nos últimos dez anos e o Felipe Melhado, como editor, teve um olhar muito sensível e gentil que apontou para um caminho comum, que talvez seja o compromisso de deixar a linguagem escorrer, fazendo dela margem e possibilidade. A água aqui tem a ver com um mergulho pra dentro de um corpo de mulher. Às vezes escuro, às vezes claridade. Mas, de algum modo turvo, sempre insistente em continuar.

Layse Barnabé de Moraes: "Eu sou bastante obcecada pelo que é íntimo, de dentro – do corpo, da casa; é algo que vem de uma fixação com o que é do universo privado"
Layse Barnabé de Moraes: "Eu sou bastante obcecada pelo que é íntimo, de dentro – do corpo, da casa; é algo que vem de uma fixação com o que é do universo privado" | Foto: João Ricardo Almada/ Divulgação

Você possui um trabalho de pesquisa e oficinas sobre a escrita de mulheres e sua capacidade de cura. Como é esse trabalho?

Essas oficinas nasceram do meu doutorado em Estudos Literários na UEL. A partir disso, recebemos incentivo do Promic e levamos oficinas de criação literária para mulheres de diversos lugares, incluindo a Cadeia Pública Feminina de Londrina e o Canto de Dália (abrigo para mulheres vítimas de violência). As oficinas, assim como minha pesquisa, partem da tese de que a escrita vem sendo usada, na literatura contemporânea feita por mulheres, como uma ferramenta de cura, criando assim uma poética da cura. O que chamo de poética da cura não segue a ideia de cura como um fim ou objetivo, vivida no corpo ou no real, mas parte da criação e, por isso mesmo, potência, caminho e abertura – sempre via linguagem. Por isso, não raro, imagens como cicatriz, ferida e sangue são usadas por escritoras para dar conta de falar sobre a criação literária ou sobre ser mulher – às vezes as duas coisas juntas. A poética da cura não é algo que se alcança. É algo que se persegue via linguagem. Uma aposta sem garantias, mas, acima de tudo, processo e movimento de criação.

A literatura brasileira vive hoje um novo momento em que a literatura produzida por mulheres está ganhando cada vez mais visibilidade. Que leitura você faz desse momento?

Enquanto pesquisadora de literatura contemporânea escrita por mulheres e também escritora, fico muito entusiasmada com esse momento! O cânone literário sempre foi excludente. Então a força da literatura contemporânea escrita por mulheres é, de alguma forma, um revide necessário. É preciso que a gente entenda, assim como Audre Lorde nos diz, que a poesia não é um luxo. A literatura não precisa ser um clube fechado, reservado apenas a homens brancos que já morreram. É preciso que a gente tome a palavra e se afirme enquanto escritora, assim como também é preciso que a gente leia mulheres vivas – e há muitas mulheres fazendo literatura hoje. Para citar apenas algumas brasileiras que gosto muito: Mariana Salomão Carrara, Conceição Evaristo, Aline Bei, Angélica Freitas, Ana Guadalupe, Ryane Leão... Sempre digo que as mulheres não escrevem sozinhas. Escrevemos em coro. Há muitos “nós” na escrita das mulheres. Somos uma legião, estamos vivas, vamos continuar escrevendo e seremos muitas.

Imagem ilustrativa da imagem Autora de Londrina lança livro que mostra a vida como uma desordem
| Foto: Divulgação

SERVIÇO

“Molhados & Escorregadios”

Autora – Layse Barnabé de Moraes

Desenhos – Carolinaa Sanches

Apresentação – Mar Becker

Editora – Grafatório Edições

Páginas – 80

Quanto – R$ 50

Onde encontrar – Site: www.grafatorio.com

Patrocínio – Promic - Programa Municipal de Incentivo à Cultura

Lançamento:

Quando – Sábado (16 de dezembro), às 16h

Local – Feira MiniDobra do Grafatório (Rua Mossoró, 483), Londrina