"Tem que ter paixão no exercício desta profissão", afirma a supervisora do setor de maternidade do Hospital Evangélico, Juliana Carvalho Lourenço
"Tem que ter paixão no exercício desta profissão", afirma a supervisora do setor de maternidade do Hospital Evangélico, Juliana Carvalho Lourenço | Foto: Fábio Alcover



Quando Cilene Maria M. dos Santos concluiu o curso de Enfermagem na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 1989, quase não havia profissionais na cidade interessados em trabalhar na área de obstetrícia. "Nem tinha curso de especialização. Para isso, a gente tinha que ir até São Paulo", lembra.

Hoje, quase três décadas depois, os enfermeiros obstétricos já ocupam os ambientes hospitalares e domiciliares, com a perspectiva de que a profissão cresça ainda mais com as medidas do governo de incentivo ao parto normal. "É um leque que vai se abrindo", diz.

Cilene trabalha há 18 anos na Maternidade Municipal Lucilla Balallai, onde já realizou inúmeros partos, acompanhando ou não os médicos plantonistas. Ela também dá aulas na pós-graduação em Enfermagem Obstétrica, no Centro Universitário Filadélfia (Unifil).

"Há uns cinco anos tem tido um aumento na procura por essa especialização, tanto é que já chegamos a abrir duas turmas em um mesmo ano", conta ela que se especializou em 2001. "Foi um divisor de águas para mim. Tive muito mais segurança técnica, além de uma visão diferente da obstetrícia", completa.

O curso de especialização na Unifil existe desde 1998 e atualmente é coordenado por Evanira Chiquetti. De acordo com ela, atualmente todas as maternidades em Londrina têm enfermeiros obstetras trabalhando.

"É uma área que cresceu muito na última década, mas que ainda precisa de incentivos. Um deles seria o aumento no número de partos normais no País, pois aí teremos mais visibilidade", observa.

No início do mês, o Governo Federal publicou as diretrizes de assistência ao parto normal, visando um atendimento qualificado e humanizado para as gestantes. O documento foi elaborado por um grupo multidisciplinar e destaca a possibilidade dos partos de baixo risco (sem distócia) serem realizados por enfermeiros obstétricos. O texto diz que "a experiência demonstra que o envolvimento dessas profissionais tem reforçado o cuidado humanizado".

Caso, o enfermeiro obstetra identifique algum problema no parto, um profissional médico deve ser acionado imediatamente. Além disso, o texto esclarece que as maternidades deverão incorporar na assistência: liberdade de posição durante o parto, dieta livre (jejum não obrigatório), presença de doulas, acompanhante, respeito à privacidade da família e métodos de alívio da dor como massagens e imersão em água.

Já a manobra de Kristeller, em que o útero da mulher é pressionado para tentar auxiliar a expulsão, é contraindicada. Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, pela primeira vez desde 2010, o número de cesarianas na rede pública e privada não cresceu no País.

"Vejo que 98% das medidas de humanização propostas pelo governo estão nas mãos do enfermeiro obstétrico, pois são muito mais relativas à forma do cuidado do que às questões técnicas", analisa Evanira.

E o prazer pelo cuidar é um dos principais requisitos segundo a supervisora do setor de maternidade do Hospital Evangélico de Londrina (HEL), Juliana Carvalho Lourenço. "Tem que ter paixão no exercício desta profissão", diz.

Com atuação em obstetrícia há oito anos, ela acredita que o aumento dos partos normais e a otimização da assistência às gestantes também se dão pelo empoderamento das mulheres. "Elas estão mais bem informadas, decididas sobre o que querem e o que é melhor para elas. E todo esse movimento acaba refletindo sobre nós", salienta.

No curso de pós-graduação da Unifil, os estudantes fazem estágio em uma maternidade em Curitiba, que tem foco completo na humanização. Sobre as áreas de atuação, Evanira diz que esses profissionais podem, além do ambiente hospitalar, oferecer cursos para gestante em uma clínica, realizar atendimento domiciliar e até atuarem como doulas.

DUPLA JORNADA
A enfermeira obstétrica Karine Souza Montini atua no HEL, mas nas horas livres atende as mulheres em casa. "Somos um canal entre a gestante e o médico, do pré-natal ao pós-parto. É um pacote de serviços", detalha.

Karine comenta que o atendimento domiciliar lhe garante uma renda extra. "É rentável, mas exige dedicação o tempo todo. Até tenho um documento assinado que justifica, se necessário, minha presença no hospital fora do meu horário de trabalho. É um trabalho autônomo. Tenho uma dupla jornada", diz.

Esse atendimento extra-hospitalar foi uma maneira que a professora Nathalia Maria Fioreto Campois encontrou para que o nascimento do filho fosse tranquilo. "Eu estava ansiosa e ter uma profissional experiente comigo, antes, durante e após o nascimento dele, foi uma segurança", conta a mãe de Bruno, que tem pouco mais de um mês de vida. "Ela continua me ajudando com a amamentação", conta.

Trabalho das doulas é reconhecido como ocupação
Alessandra C. Engles dos Reis, do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná, esclareceu que não é contra o exercício profissional das doulas, mas ressalta a importância da mulher estar emocionalmente bem no trabalho de parto. "Se essa pessoa vai contribuir para que isso aconteça, eu acho ótimo", afirma.

Com mais de 500 partos assistidos, a pedagoga e doula há 30 anos, Lucia Caldeyro Stajano, coordenadora da Escola de Doulas, em Campinas (SP), reforça que o princípio básico da atividade é justamente dar apoio, estar junto.

"Cada profissional tem seu lugar e cada qual tem um saber. A gente não ocupa o trabalho da enfermeira, do médico e nem entramos no lugar do marido. Pelo contrário, o papel é favorecer o papel dele", sustenta.

Lucia já capacitou mais de 2 mil doulas em diversas cidades, incluindo Londrina. "Ainda precisamos de mais consentimento, no entanto, cada vez mais estão sendo votadas leis que obrigam os hospitais a aceitarem a presença das doulas. Somos reconhecidas pelo Código Brasileiro de Ocupação e a questão da profissionalização já é discutida", explica.

Segundo Lucia, não há uma tabela de valores para os serviços. "À medida que as pessoas vão tendo experiência, vão surgindo patamares de valores. Cada cidade vai ter uma realidade. Converse com a doula, veja se ela te passa segurança, confiança e não deixe de buscar recomendações", orienta. (M.O)

Conselho espera aumento de registros
Para que um enfermeiro obstétrico atue no hospital emitindo a Autorização de Internação Hospitalar (que credencia o provedor a prestar o serviço autorizado e fazer jus à remuneração pelo atendimento prestado ao paciente) é preciso ter um registro junto ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren).

Segundo a enfermeira obstetra, conselheira e coordenadora da Comissão de Saúde da Mulher do Coren-PR, Alessandra Crystian Engles dos Reis, atualmente há 52 registros profissionais como enfermeiros obstetras no Estado.

"Com as ações do governo de incentivo ao parto normal, nossa expectativa é que os registros aumentem. Acredito que essa profissão estará cada vez mais em evidência porque essas diretrizes do Ministério da Saúde apontam para uma mudança no modelo obstétrico que passa de um padrão tecnocrata para o humanizado", avalia.

De acordo com ela, a permissão de realizar partos sem distócia – quando não existe risco para a gestante ou para o bebê - é amparado pela lei do exercício profissional, publicada em 1986. "Em 1998, uma portaria do Ministério da Saúde passou a permitir que o enfermeiro obstetra também faça a autorização de internação ao identificar que a mulher está em trabalho de parto. Então, essa atuação está na verdade, sendo atualizada e reforçada", comenta.

Alessandra esteve em Curitiba na semana passada realizando o curso "Boas Práticas de Enfermagem ao Cuidado Obstétrico", que está agendado para Londrina no próximo mês. "Estamos chamando os enfermeiros que estão inseridos nos centros obstétricos para que tenham as condutas fundamentadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que também são as diretrizes que o governo federal traz", afirma. (M.O)