Imagem ilustrativa da imagem Cotas não beneficiam os mais qualificados
| Foto: Ricardo Chicarelli
"Como a minha deficiência surgiu muito cedo, eu consegui me adaptar muito bem", diz o auxiliar de laboratório Onivaldo Becari Junior, que perdeu três dedos da mão em um acidente


No Brasil, 6,2% da população possui pelo menos um tipo de deficiência, seja física, intelectual, auditiva ou visual, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mercado de trabalho para essa população está amparado na lei 8.213/91, também conhecida como lei de cotas, que obriga empresas com mais de 100 funcionários a reservarem vagas para pessoas com deficiência. Apesar de já ter 25 anos, essa lei ainda provoca efeitos colaterais, principalmente para os profissionais mais qualificados, que acabam abrindo mão da reserva de vagas para garantir uma melhor colocação.
A consultoria paulistana Hiring, especializada em recrutamento e seleção, realizou em novembro uma pesquisa com profissionais com deficiência. Foram abordados profissionais com experiência média de 10 anos, graduação, ocupantes de posições especialistas e executivas das áreas técnicas e administrativas. A pesquisa concluiu que as pessoas com deficiência que têm um alto nível de qualificação não se interessam pela lei de cotas: 78% afirmam que não mencionam a deficiência no currículo e, mesmo durante o processo seletivo, 40% só informam a deficiência quando questionadas. O reflexo desse comportamento é que 39% dos entrevistados ocupam vagas não destinadas às cotas.
De acordo com a responsável pela área de recrutamento de pessoas com deficiência (PCD) da Hiring, Viviane Araújo, existe um preconceito por parte desses profissionais em relação às vagas PCD. "Eles acham que isso pode impactar negativamente no desenvolvimento deles. Esses profissionais não consideram importante mencionar a deficiência porque eles têm bons currículos e a deficiência não tem qualquer impacto nisso", explica.
Para 80% dos entrevistados, a maior parte das empresas oferece posições muito operacionais e raramente posições seniores para pessoas com deficiência. Pela experiência do dia a dia, Viviane confirma a tese. "Ainda é novidade ter vagas PCD para cargo sênior. Ainda existe um estranhamento dos gestores sobre a disponibilidade de pessoas com deficiência com essa qualificação", afirma. O que, segundo ela, é uma concepção equivocada, já que uma boa porcentagem de profissionais com deficiência tem ensino superior e qualificação suficiente para ocupar cargos de nível elevado.
Por outro lado, 90% dos entrevistados disseram que participariam de processos seletivos exclusivos para PCDs. "Existe uma expectativa por parte deles de que o mercado ofereça vagas diferenciadas, menos operacionais, para os profissionais com deficiência mais qualificados", afirma o diretor-executivo da Hiring, Danilo Castro. Segundo ele, há concepções equivocadas de ambos os lados dessa relação. "As empresas pensam que não há profissionais com alto nível de qualificação disponíveis e os profissionais com deficiência acham que essas vagas não existem. Falta uma ponte entre eles", pondera.

IGUALDADE

A oportunidade de competir de igual para igual - de acordo com a qualificação - com quem não tem deficiência é considerada parte do processo de inclusão por 20% dos entrevistados na pesquisa. A multinacional Adama também tem essa posição. Lá dentro, não há nenhum benefício ou restrição para candidatos e funcionários com deficiência. "Não temos vagas específicas para PCDs. Desde as vagas de auxiliar até as vagas de direção, todas as oportunidades são abertas para todos. Acreditamos que a real inclusão passa por isso", afirma a gerente de gestão de pessoas Danieli Rodrigues. Para reforçar essa inclusão, a empresa faz campanhas esporádicas para atrair novos profissionais com deficiência, tendo como garotos-propaganda aqueles que já foram contratados.
Funcionário da Adama há seis meses, o auxiliar de laboratório Onivaldo Becari Junior percebe a diferença de ocupar uma vaga não específica para PDC. "Eu já ocupei uma vaga específica para pessoas com deficiência em outro emprego e o tratamento que eu recebia no trabalho era diferente. Não tinha igualdade", conta. Hoje, a falta de três dedos da mão direita, perdidos num acidente ainda na infância, não o impede de ocupar um cargo e desenvolver uma função exatamente iguais a outros funcionários. "Isso é bom, porque eu não tenho os dedos, mas desenvolvo minhas atividades normalmente. Como a minha deficiência surgiu muito cedo, eu consegui me adaptar muito bem", conta.