Luiz Augusto Pinheiro selecionou Rafael Nicolau da Silva (à dir.), 30, para estágio na área de Tecnologia em Gestão Financeira: realização pessoal
Luiz Augusto Pinheiro selecionou Rafael Nicolau da Silva (à dir.), 30, para estágio na área de Tecnologia em Gestão Financeira: realização pessoal | Foto: Divulgação



Não é fácil ouvir que "se está velho para procurar estágio". Mas foi exatamente esse tipo de declaração, inclusive de recrutadores, que o estagiário Rafael Nicolau da Silva, 30, ouviu diversas vezes. Cursando Tecnologia em Gestão Financeira, ele precisou de uma boa dose de autoconfiança e persistência até encontrar uma oportunidade de iniciar pelo primeiro degrau, o de aprendiz, a nova profissão que pretende abraçar.

"Fiquei seis meses parado e dizendo não a oportunidades oferecidas para funções relacionadas à minha primeira profissão, como segurança eletrônico, a fim de realmente investir na minha realização", recorda Silva.

Os limites etários em um processo seletivo, sobretudo em uma vaga para estágio, acontecem de forma velada. Entretanto, além do risco de processo na Justiça por discriminação, esse tipo de critério depõe contra a sustentabilidade de qualquer organização tanto porque a empresa se mostra alheia às transformações do mundo atual, quanto pelo fato de que ao insistir nisso ela abre mão de diferenciais competitivos como a diversidade tão fundamental na geração de novos negócios.

"A idade pesa conforme o perfil esperado, o segmento da empresa e especialmente a cultura dela", sentencia a CEO da plataforma de recrutamento de estudantes Estagiários Online (www.estagiariosonline.com.br), Daniela Misorelli. Trabalhando em uma plataforma que gerencia mais de 5 mil currículos, ela também atribui à situação econômica esses movimentos de profissionais mais velhos em busca de estágio, além de "perfis de jovens diferentes do que os recrutadores vinham observando nas décadas anteriores (Gerações X, Y, Z e Millenials)".

Como pano de fundo desse contexto está a valorização de aspectos como qualidade de vida e realização pessoal. "Quem trabalha no que não gosta, fatalmente está perdendo dinheiro, porque o tempo também é um ativo e a pessoa está se condenando a viver com menos. Menos satisfação e qualidade de vida", orienta o diretor-financeiro da Superjobs, Luiz Augusto Barreto Pinheiro, 39, empresa que selecionou Rafael da Silva para a vaga de estágio.

Embora a Superjobs seja uma venture builder (organização que constrói empresa e negócios a partir de seus modelos e recursos) e tenha no DNA a inovação - o que a torna mais propícia às transformações no mercado de trabalho -, Pinheiro reconhece que Silva é o primeiro estagiário com 30 anos. "Em nosso processo de seleção o fator idade não pendeu nem positivamente, nem negativamente. O que buscamos e encontramos no Rafael foi um profissional condizente com os valores da empresa. Nesse sentido, encontrar alguém com vivência, coragem e determinação para mudar o rumo profissional com mais idade e responsabilidades se mostrou um diferencial compatível aos valores da empresa", observa Pinheiro.

O desempenho do "senhor estagiário" está atendendo plenamente aos objetivos da Superjobs. "Para a organização é fundamental sentir que a pessoa está disposta a aprender e se engajar com nossos valores e missão", comenta o diretor- financeiro. Prova disso é que com apenas três meses de estágio, Silva teve a bolsa-auxílio reajustada e renovou para mais seis meses o contrato. "Esse tempo a mais de estágio coincide com a conclusão do curso e a empresa já manifestou interesse em me efetivar", comemora.

Planejar a nova carreira é preciso

O começar de novo aos 30 anos ou mais requer planejamento, uma vez que os comprometimentos financeiros tendem a ser maiores com o passar da idade. "Se o profissional tinha uma carreira que o remunerava em um salário mínimo, agora como estagiário de um banco ou multinacional, por exemplo, ele pode ganhar mais. Mas, se era dentista, e decidiu tornar-se chef de cozinha, provavelmente sentirá um impacto negativo em suas finanças no início da carreira", pondera a CEO da Estagiários Online, Daniela Misorelli.

Pela experiência dela à frente da plataforma, as realidades das pessoas pelo Brasil são bem diversas. "Caso o profissional saiba que terá uma queda de entrada financeira, ter uma reserva contribui bastante", indica. O estagiário Rafael Nicolau da Silva, por exemplo, contou com o apoio da esposa, também estagiária, para ajustar as contas a um orçamento menor.

"Nesse sentido, a minha nova formação profissional ajudou muito no planejamento, a ponto de nós estarmos suprindo as necessidades do mês e conseguindo fazer sobrar dinheiro", conta. Segundo ele, como a sua primeira profissão de segurança eletrônico não tinha uma remuneração tão elevada, o ganho atual dele equivale a 80% do último salário com carteira de trabalho assinada, uma vez que no estágio o regime de contratação não é regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

"É importante estar ciente de que ao ingressar em um novo mercado, você volta ao papel de aprendiz, por isso o ganho é menor. Mas com um bom planejamento de carreira e fazendo o que gosta, esse passo para trás em pouco tempo representa dois, três passos na frente", garante Pinheiro.

Silva já tem planos de terminar o curso e buscar mais uma graduação em Economia concomitantemente a um curso de Tecnólogo em Estatística. "O segredo da vida é nunca se acomodar. Se eu tivesse desistido no primeiro 'não' por conta de eu ter 30 anos para procurar estágio, jamais estaria vendo meu sonho se realizar", ensina Silva, lembrando que cadastrou o currículo em mais de 10 sites para estágios e levou nove meses até conquistar a vaga.

Maturidade
Daniela Misorelli resume em um quesito o grande pulo do gato para os futuros candidatos a "senhores estagiários": maturidade. "É sempre um aspecto a se esperar de um estagiário que passou dos 30. Não é exclusividade, mas é sabido que com o passar dos anos grande parte dos seres humanos ganha calma, e consegue ver cada vez mais a 'big picture', além de se tornar menos inconsequente", destaca. "Inconsequente aqui, no sentido de entender a sua responsabilidade e como sua entrega afeta a organização", complementa.

'Senhor estagiário'

A sétima arte já abordou essa situação no filme "Um Senhor Estagiário", de 2015. O filme se passa dentro da empresa de e-commerce "SobMedida", típica organização do século 21 formada por pessoas jovens e super conectadas. Nela, acontece um projeto ousado de estagiários seniores, o que dá início a um incrível encontro de gerações. De um lado se destaca Ben Whittaker (Robert De Niro), que apesar de ter 70 anos, dá o exemplo de que com persistência e pró-atividade sempre se pode fazer a diferença, mesmo em meio àqueles que são 50 anos mais jovens. Do outro lado está a executiva jovem e atarefada Jules Ostin (Anne Hathaway) que comanda a "SobMedida". Nacy Meyers assina a direção do filme.(M.M.)